Leigos Missionários Combonianos

Mensagem do Santo Padre Francisco para o IV Dia Mundial dos Pobres

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«Estende a tua mão ao pobre» (Sir 7, 32)

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«Estende a tua mão ao pobre» (Sir 7, 32): a sabedoria antiga dispôs estas palavras como um código sacro que se deve seguir na vida. Hoje ressoam com toda a densidade do seu significado para nos ajudar, também a nós, a concentrar o olhar no essencial e superar as barreiras da indiferença. A pobreza assume sempre rostos diferentes, que exigem atenção a cada condição particular: em cada uma destas, podemos encontrar o Senhor Jesus, que revelou estar presente nos seus irmãos mais frágeis (cf. Mt 25, 40).

1. Tomemos nas mãos o Ben-Sirá, um dos livros do Antigo Testamento. Nele encontramos as palavras dum mestre da sabedoria que viveu cerca de duzentos anos antes de Cristo. Andava à procura da sabedoria que torna os homens melhores e capazes de perscrutar profundamente as vicissitudes da vida. E fê-lo num período de dura prova para o povo de Israel, um tempo de dor, luto e miséria por causa da dominação de potências estrangeiras. Sendo um homem de grande fé, enraizado nas tradições dos pais, o seu primeiro pensamento foi dirigir-se a Deus para Lhe pedir o dom da sabedoria. E o Senhor não lhe deixou faltar a sua ajuda.

Desde as primeiras páginas do livro, Ben-Sirá propõe os seus conselhos sobre muitas situações concretas da vida, sendo a pobreza uma delas. Insiste que, na contrariedade, é preciso ter confiança em Deus: «Não te perturbes no tempo do infortúnio. Conserva-te unido a Ele e não te separes, para teres bom êxito no teu momento derradeiro. Aceita tudo o que te acontecer e tem paciência nas vicissitudes da tua humilhação, porque no fogo se prova o ouro, e os eleitos de Deus no cadinho da humilhação. Nas doenças e na pobreza, confia n’Ele. Confia em Deus e Ele te salvará, endireita os teus caminhos e espera n’Ele. Vós que temeis o Senhor, esperai na sua misericórdia, e não vos afasteis, para não cairdes» (2, 2-7).

2. Página a página, descobrimos um precioso compêndio de sugestões sobre o modo de agir à luz duma relação íntima com Deus, criador e amante da criação, justo e providente para com todos os seus filhos. Mas, a constante referência a Deus não impede de olhar para o homem concreto; pelo contrário, as duas realidades estão intimamente conexas.

Demonstra-o claramente o texto donde se tirou o título desta Mensagem (cf. 7, 29-36). São inseparáveis a oração a Deus e a solidariedade com os pobres e os enfermos. Para celebrar um culto agradável ao Senhor, é preciso reconhecer que toda a pessoa, mesmo a mais indigente e desprezada, traz gravada em si mesma a imagem de Deus. De tal consciência deriva o dom da bênção divina, atraída pela generosidade praticada para com os pobres. Por isso, o tempo que se deve dedicar à oração não pode tornar-se jamais um álibi para descuidar o próximo em dificuldade. É verdade o contrário: a bênção do Senhor desce sobre nós e a oração alcança o seu objetivo, quando eles são acompanhadas pelo serviço dos pobres.

3. Como permanece atual, também para nós, este ensinamento! Na realidade, a Palavra de Deus ultrapassa o espaço, o tempo, as religiões e as culturas. A generosidade que apoia o vulnerável, consola o aflito, mitiga os sofrimentos, devolve dignidade a quem dela está privado, é condição para uma vida plenamente humana. A opção de prestar atenção aos pobres, às suas muitas e variadas carências, não pode ser condicionada pelo tempo disponível ou por interesses privados, nem por projetos pastorais ou sociais desencarnados. Não se pode sufocar a força da graça de Deus pela tendência narcisista de se colocar sempre a si mesmo no primeiro lugar.

Manter o olhar voltado para o pobre é difícil, mas tão necessário para imprimir a justa direção à nossa vida pessoal e social. Não se trata de gastar muitas palavras, mas antes de comprometer concretamente a vida, impelidos pela caridade divina. Todos os anos, com o Dia Mundial dos Pobres, volto a esta realidade fundamental para a vida da Igreja, porque os pobres estão e sempre estarão connosco (cf. Jo 12, 8) para nos ajudar a acolher a companhia de Cristo na existência do dia a dia.

4. O encontro com uma pessoa em condições de pobreza não cessa de nos provocar e questionar. Como podemos contribuir para eliminar ou pelo menos aliviar a sua marginalização e o seu sofrimento? Como podemos ajudá-la na sua pobreza espiritual? A comunidade cristã é chamada a coenvolver-se nesta experiência de partilha, ciente de que não é lícito delegá-la a outros. E, para servir de apoio aos pobres, é fundamental viver pessoalmente a pobreza evangélica. Não podemos sentir-nos tranquilos, quando um membro da família humana é relegado para a retaguarda, reduzindo-se a uma sombra. O clamor silencioso de tantos pobres deve encontrar o povo de Deus na vanguarda, sempre e em toda parte, para lhes dar voz, defendê-los e solidarizar-se com eles face a tanta hipocrisia e tantas promessas não cumpridas, e para os convidar a participar na vida da comunidade.

É verdade que a Igreja não tem soluções globais a propor, mas oferece, com a graça de Cristo, o seu testemunho e gestos de partilha. Além disso, sente-se obrigada a apresentar os pedidos de quantos não têm o necessário para viver. Lembrar a todos o grande valor do bem comum é, para o povo cristão, um compromisso vital, que se concretiza na tentativa de não esquecer nenhum daqueles cuja humanidade é violada nas suas necessidades fundamentais.

5. Estender a mão leva a descobrir, antes de tudo a quem o faz, que dentro de nós existe a capacidade de realizar gestos que dão sentido à vida. Quantas mãos estendidas se veem todos os dias! Infelizmente, sucede sempre com maior frequência que a pressa faz cair num turbilhão de indiferença, a tal ponto que se deixa de reconhecer todo o bem que se realiza diariamente no silêncio e com grande generosidade. Assim, só quando acontecem factos que transtornam o curso da nossa vida é que os olhos se tornam capazes de vislumbrar a bondade dos santos «ao pé da porta», «daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus» (Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate, 7), mas dos quais ninguém fala. As más notícias abundam de tal modo nas páginas dos jornais, nos sites da internet e nos visores da televisão, que faz pensar que o mal reine soberano. Mas não é assim. Certamente não faltam a malvadez e a violência, a prepotência e a corrupção, mas a vida está tecida por atos de respeito e generosidade que não só compensam o mal, mas impelem a ultrapassá-lo permanecendo cheios de esperança.

6. Estender a mão é um sinal: um sinal que apela imediatamente à proximidade, à solidariedade, ao amor. Nestes meses, em que o mundo inteiro foi dominado por um vírus que trouxe dor e morte, desconforto e perplexidade, pudemos ver tantas mãos estendidas! A mão estendida do médico que se preocupa de cada paciente, procurando encontrar o remédio certo. A mão estendida da enfermeira e do enfermeiro que permanece, muito para além dos seus horários de trabalho, a cuidar dos doentes. A mão estendida de quem trabalha na administração e providencia os meios para salvar o maior número possível de vidas. A mão estendida do farmacêutico exposto a inúmeros pedidos num arriscado contacto com as pessoas. A mão estendida do sacerdote que, com o coração partido, continua a abençoar. A mão estendida do voluntário que socorre quem mora na rua e a quantos, embora possuindo um teto, não têm nada para comer. A mão estendida de homens e mulheres que trabalham para prestar serviços essenciais e segurança. E poderíamos enumerar ainda outras mãos estendidas, até compor uma ladainha de obras de bem. Todas estas mãos desafiaram o contágio e o medo, a fim de dar apoio e consolação.

7. Esta pandemia chegou de improviso e apanhou-nos impreparados, deixando uma grande sensação de desorientamento e impotência. Mas, a mão estendida ao pobre não chegou de improviso. Antes, dá testemunho de como nos preparamos para reconhecer o pobre a fim de o apoiar no tempo da necessidade. Não nos improvisamos instrumentos de misericórdia. Requer-se um treino diário, que parte da consciência de quanto nós próprios, em primeiro lugar, precisamos duma mão estendida em nosso favor.

Este período que estamos a viver colocou em crise muitas certezas. Sentimo-nos mais pobres e mais vulneráveis, porque experimentamos a sensação da limitação e a restrição da liberdade. A perda do emprego, dos afetos mais queridos, como a falta das relações interpessoais habituais, abriu subitamente horizontes que já não estávamos acostumados a observar. As nossas riquezas espirituais e materiais foram postas em questão e descobrimo-nos amedrontados. Fechados no silêncio das nossas casas, descobrimos como é importante a simplicidade e o manter os olhos fixos no essencial. Amadureceu em nós a exigência duma nova fraternidade, capaz de ajuda recíproca e estima mútua. Este é um tempo favorável para «voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo (…). Vivemos já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade (…). Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocar-nos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimento duma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente» (Francisco, Carta enc. Laudato si’, 229). Enfim, as graves crises económicas, financeiras e políticas não cessarão enquanto permitirmos que permaneça em letargo a responsabilidade que cada um deve sentir para com o próximo e toda a pessoa.

8. «Estende a mão ao pobre» é, pois, um convite à responsabilidade, sob forma de empenho direto, de quem se sente parte do mesmo destino. É um encorajamento a assumir os pesos dos mais vulneráveis, como recorda São Paulo: «Pelo amor, fazei-vos servos uns dos outros. É que toda a Lei se cumpre plenamente nesta única palavra: ama o teu próximo como a ti mesmo. (…) Carregai as cargas uns dos outros» (Gal 5, 13-14; 6, 2). O Apóstolo ensina que a liberdade que nos foi dada com a morte e ressurreição de Jesus Cristo é, para cada um de nós, uma responsabilidade para colocar-se ao serviço dos outros, sobretudo dos mais frágeis. Não se trata duma exortação facultativa, mas duma condição da autenticidade da fé que professamos.

E aqui volta o livro de Ben-Sirá em nossa ajuda: sugere ações concretas para apoiar os mais vulneráveis e usa também algumas imagens sugestivas. Primeiro, toma em consideração a debilidade de quantos estão tristes: «Não fujas dos que choram» (7, 34). O período da pandemia constrangeu-nos a um isolamento forçado, impedindo-nos até de poder consolar e estar junto de amigos e conhecidos atribulados com a perda dos seus entes queridos. E, depois, afirma o autor sagrado: «Não sejas preguiçoso em visitar um doente» (7, 35). Experimentamos a impossibilidade de estar junto de quem sofre e, ao mesmo tempo, tomamos consciência da fragilidade da nossa existência. Enfim, a Palavra de Deus nunca nos deixa tranquilos e continua a estimular-nos para o bem.

9. «Estende a mão ao pobre» faz ressaltar, por contraste, a atitude de quantos conservam as mãos nos bolsos e não se deixam comover pela pobreza, da qual frequentemente são cúmplices também eles. A indiferença e o cinismo são o seu alimento diário. Que diferença relativamente às mãos generosas que acima descrevemos! Com efeito, existem mãos estendidas para premer rapidamente o teclado dum computador e deslocar somas de dinheiro duma parte do mundo para outra, decretando a riqueza de restritas oligarquias e a miséria de multidões ou a falência de nações inteiras. Há mãos estendidas a acumular dinheiro com a venda de armas que outras mãos, incluindo mãos de crianças, utilizarão para semear morte e pobreza. Existem mãos estendidas que, na sombra, trocam doses de morte para se enriquecer e viver no luxo e num efémero desregramento. Existem mãos estendidas que às escondidas trocam favores ilegais para um lucro fácil e corruto. E há também mãos estendidas que, numa hipócrita respeitabilidade, estabelecem leis que eles mesmos não observam.

Neste cenário, «os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe» (Francisco, Exort. ap Evangelii gaudium, 54). Não poderemos ser felizes enquanto estas mãos que semeiam morte não forem transformadas em instrumentos de justiça e paz para o mundo inteiro.

10. «Em todas as tuas obras, lembra-te do teu fim» (Sir 7, 36): tal é a frase com que Ben-Sirá conclui a sua reflexão. O texto presta-se a uma dupla interpretação. A primeira destaca que precisamos de ter sempre presente o fim da nossa existência. A lembrança do nosso destino comum pode ajudar a conduzir uma vida sob o signo da atenção a quem é mais pobre e não teve as mesmas possibilidades que nós. Mas existe também uma segunda interpretação, que evidencia principalmente a finalidade, o objetivo para o qual tende cada um. É a finalidade da nossa vida que exige um projeto a realizar e um caminho a percorrer sem se cansar. Pois bem! O objetivo de cada ação nossa só pode ser o amor: tal é o objetivo para onde caminhamos, e nada deve distrair-nos dele. Este amor é partilha, dedicação e serviço, mas começa pela descoberta de que primeiro fomos nós amados e despertados para o amor. Esta finalidade aparece no momento em que a criança se cruza com o sorriso da mãe, sentindo-se amada pelo próprio facto de existir. De igual modo um sorriso que partilhamos com o pobre é fonte de amor e permite viver na alegria. Possa então a mão estendida enriquecer-se sempre com o sorriso de quem não faz pesar a sua presença nem a ajuda que presta, mas alegra-se apenas em viver o estilo dos discípulos de Cristo.

Neste caminho de encontro diário com os pobres, acompanha-nos a Mãe de Deus que é, mais do que qualquer outra, a Mãe dos pobres. A Virgem Maria conhece de perto as dificuldades e os sofrimentos de quantos estão marginalizados, porque Ela mesma Se viu a dar à luz o Filho de Deus num estábulo. Devido à ameaça de Herodes, fugiu, juntamente com José, seu esposo, e o Menino Jesus, para outro país e, durante alguns anos, a Sagrada Família conheceu a condição de refugiados. Possa a oração à Mãe dos pobres acomunar estes seus filhos prediletos e quantos os servem em nome de Cristo. E a oração transforme a mão estendida num abraço de partilha e reconhecida fraternidade.

Roma, em São João de Latrão, na Memória litúrgica de Santo António, 13 de junho de 2020.

Francisco

O vento da mudança. Histórias de vida e ministerialidade social

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Os combonianos e as combonianas nasceram graças ao Plano de São Daniel Comboni de regenerar a África com a própria África. O Plano foi publicado pela primeira vez em 1864, mas foi revisto e actualizado pelo próprio Comboni nada menos que sete vezes: foi uma inspiração do Alto, fruto do amor compassivo do Bom Pastor para com a África que Comboni chamava «a pérola negra»; mas também uma participação a partir de baixo, com expressões diversas de missão, estratégias, envolvimento de grupos eclesiais, filantrópicos, cientistas e geógrafos, pela procura de pessoal e fundos para a sua realização.

Os biógrafos de Comboni reconhecem-lhe algumas características fundamentais, entre as quais a sua clarividência prática e dinâmica e a sua inquebrantável confiança na regeneração da África, não obstante os obstáculos, as cruzes, as incompreensões, as críticas e as calúnias; prova disso é que dois africanos, Daniel Sorur Pharim Den (1860-1900) e Fortunata Quascè (1845-1899), ambos sudaneses e resgatados à escravatura, na visão inclusiva da obra comboniana, abraçaram de imediato o Plano e, através do seu ministério, revelaram a sua eficácia.

O primeiro descreveu a real condição dos Negros e sublinhou que a regeneração dos africanos só podia realizar-se com duas condições: quebrar o jugo da escravatura e oferecer aos africanos as mesmas oportunidades de formação que eram dadas a todos os outros povos. A segunda dedicou toda a sua vida à formação e à preparação das meninas africanas, para que por sua vez, libertadas da escravatura, criassem no coração da África negra processos de regeneração.

Desde há mais de 150 anos, os herdeiros de Comboni, iluminados do Alto, com a mesma determinação e com a mesma confiança; movidos pelo amor compassivo pelos mais pobres e abandonados, deram forma ao sonho de regenerar a África através do ministério social, adaptando o plano aos tempos e aos lugares, no sopro do Espírito que «renova a face da terra» (Sl 103, 30). O património importante a conhecer e a valorizar, sobretudo hoje, para enfrentar um sistema neoliberal de predadores ávidos, que concentra a riqueza nas mãos de poucos e promove a cultura do descarte, excluindo milhões de pessoas das condições de vida plena.

Eis porque para 2020, o ano que os missionários combonianos dedicaram à ministerialidade, as direcções gerais da família comboniana, consagrados, seculares e leigos, pediram a uma comissão, nomeada ad hoc, para publicar um livro no qual sejam narradas algumas histórias de vida vivida na ministerialidade social. Ao mesmo tempo, alargar a pesquisa através de um mapeamento das nossas presenças e empenhos, que envolve as comunidades da família comboniana, espalhadas nos quatro continentes. Propúnhamo-nos:

  • Elaborar critérios e princípios comuns nas experiências existentes de colaboração enquadrando-as numa perspectiva institucional.
  • Avaliar de que modo as várias ministerialidades têm um impacto de transformação social sobre a realidade e como a nossa presença ministerial responde a uma verdadeira exigência dos sinais dos tempos.

Este trabalho foi sem dúvida ambicioso, mas ao mesmo tempo limitado, no sentido que é sempre difícil encerrar num escrito a riqueza do vivido. Até porque há o embaraço da escolha entre as experiências de 3500 missionários consagrados, consagradas, seculares, leigos e leigas que trabalham segundo o carisma comboniano, em África, nas Américas, na Ásia e na Europa.

O livro intitulado «Nós somos missão. Testemunhos de ministerialidade social na família comboniana», foi publicado em Junho de 2020, em quatro línguas (italiano, inglês, espanhol e francês). O trabalho foi o fruto da colaboração de 61 missionárias e missionários, convidados a relatar a sua vivência ministerial social; além disso, dois especialistas externos fizeram uma leitura sapiencial do material, indicando os pontos fortes do empenho ministerial e as dificuldades a resolver para uma maior eficácia na mudança do sistema.

As narrações e as partilhas feitas neste texto, ajudam a compreender que, embora na multiplicidade das situações, das abordagens e das iniciativas, a dimensão social é o eixo transversal de todo o ministério; no sentido que todo o serviço, entendido como dom de Deus, pela sua própria força intrínseca, proclama a libertação dos oprimidos, «o ano de graça» (Lc 4, 18-19) e revela às gentes «os novos céus e a nova terra» (Ap 21, 1) no projecto original e providencial de Deus.

A narração da práxis da ministerialidade social, por esta razão, enriquece o paradigma de referência da missão, sempre mais encarnada na complexidade do mundo de hoje e atenta a ler os sinais dos tempos e dos lugares, para poder reanunciar a todos os povos a fé em Jesus Cristo, com linguagem e estilos de presença adequados.

O processo iniciado será longo e gradual no tempo, mas poderá valer-se de alguns temas e sugestões salientados nestas partilhas e noutras que serão expressas no mapeamento geral da família comboniana. Um momento de encontro, aprofundamento, síntese, discernimento e relançamento está também previsto no Fórum sobre a ministerialidade social comboniana em Roma, no próximo mês de Dezembro de 2020.

Não se parte do zero ou de teorias, mas de acontecimentos vividos e narrados na quotidianidade da missão comboniana, que se podem sintetizar com alguns verbos:

Ver: com «olhos penetrantes e coração aberto» para colher os desafios e as oportunidades para o anúncio do Evangelho.

Tornar-se próximo: na dinâmica de uma Igreja missionária e «em saída», que vive nas margens e toca as feridas dos irmãos e das irmãs, levando em si o cheiro das ovelhas e o estilo de vida dos pobres.

Encontrar: vivendo e promovendo a mística do encontro. Professar a catolicidade e encurtar a distância entre credos e culturas, através do diálogo e do ecumenismo, para uma fraternidade global.

Regenerar: deixar-se desafiar pela realidade e esforçar-se por encontrar os cinco pães e os dois peixes dos pequenos, a esmola da viúva, a água da purificação dos povos.

Transformar: não há mais tempo para alterações; é tempo de mudança! É tempo de enfrentar as causas que geram as desigualdades entre as pessoas e entre os povos e a cultura do descarte.

Celebrar: Tudo aquilo que dá consistência ao ministério social e configura os discípulos e as discípulas ao mistério Pascal de Cristo, sustento da fé na quotidianidade da missão.

Repartir: No olhar do Espírito não há mais espaço para a autoglorificação e a vanglória; tudo é provado na chama do fogo que purifica e impele a ousar e repartir por caminhos e estradas inéditos, para que sejam sempre mais as vias de Deus.

Os âmbitos da ministerialidade social

O coração da ministerialidade social é o pôr-se à escuta do grito dos pobres, aliar-se com eles, para que as suas expectativas se realizem e os tornem capazes de transformação; na lógica evangélica do Senhor: «que, sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2 Cor 8, 9).

Como Família Comboniana, trabalhamos desde sempre na dimensão social: formação das consciências e preparação dos líderes profissionais; meios de comunicação; cuidado e atenção às pessoas, saúde e educação; periferias existenciais e geográficas (como por exemplo o cuidado dos meninos da rua, situações de guerra e de conflito, minorias étnicas; o tráfico de menores e de mulheres; direitos humanos; prisões, pastores nómadas…); mobilidade humana e pastoral dos migrantes; salvaguarda da criação; liturgia e catequese.

Perspectivas

O processo iniciado ao acentuar a dimensão social da ministerialidade não pode nem deve ser considerado como uma acção de circunstância e limitado no tempo. É um longo caminho, segundo a tradição viva da Igreja. Deve ser sustentado, alimentado e revisto no ritmo acelerado da mudança epocal, a fim de dar eficácia e criatividade à presença missionária e carismática da Família Comboniana no mundo de hoje.

A dimensão social na ministerialidade convida, por isso, a rever a ideia de missão. Um convite à Família Comboniana a reflectir sobre aquilo que quer ser e quer realizar para o bem da humanidade na construção do Reino de Deus. O fio condutor é sempre a missão, com estas características particulares:

  • a transformação do sistema que gera a cultura do descarte;
  • a promoção do Evangelho do cuidado das pessoas, através da proximidade e a compaixão samaritana;
  • a sinodalidade, no envolvimento e na comparticipação efectiva de todos os ministérios;
  • a conversão ecológica, conscientes de que salvaguardando a casa comum criaremos as condições de vida digna para todos, especialmente para os excluídos.

Eis porque o título do livro «Nós somos missão», se torna um apelo à missão, vivida como comunidade de regenerados e comunhão comboniana entre irmãs, irmãos e leigos, sempre mais articulados e interligados com outros grupos e associações eclesiais e laicais, como parte integrante do povo de Deus.

Este processo de mudança amplifica o sonho comboniano de regenerar a África com a África na perspectiva do grande sonho do Papa Francisco, expresso na Exortação Apostólica pós-sinodal «Querida Amazónia»: o sonho da construção de uma nova sociedade com a inclusão dos «descartados» e um novo pacto social para o bem comum. O sonho cultural de uma humanidade plural; o sonho ecológico onde tudo está interligado e o empenho em salvar a terra garante o futuro para a humanidade inteira. Por fim, o sonho eclesial, bem simbolizado pela imagem de «hospital de campo», mergulhada na vida e na realidade dos pobres e marginalizados, que toca as feridas dos irmãos e irmãs e derrama o óleo da paz e da reconciliação.
Fernando Zolli e Daniele Moschetti

O papel ministerial do irmão

Joel Cruz
Joel Cruz

ENCARNAÇÃO DA PALAVRA, FRATERNIDADE E PROMOÇÃO HUMANA

O Irmão Joel Cruz Reyes, comboniano mexicano, trabalhou cerca de 12 anos no Equador. Aqui, conta-nos a sua experiência missionária, destacando as características do ministério do Irmão a partir da promoção humana que tem como fundamento a Palavra.

1. Encontro com a missão

Em 1997, cheguei ao Equador, para ir trabalhar no Centro Cultural Afro-Equatoriano, na cidade de Guayaquil. Nessa altura, o acompanhamento dos afrodescendentes girava em torno da religiosidade, da formação litúrgico-sacramental e sociopolítica, com o objectivo de os tornar social e eclesialmente visíveis. Com esta finalidade, procurava-se o apoio de especialistas leigos em psicologia, antropologia, sociologia e política.

Pelo comportamento, pelas atitudes e motivações que percebi nos Afros que vinham ao Centro, dei-me conta que a sua dependência do missionário era crónica. Tinham-se habituado a considerar-se material, espiritual e moralmente indigentes. Certamente, este comportamento era o reflexo das sombras da sua história que se reflectiam no presente, mas também era consequência da visão paternalista de quem os acompanhavam. Esta realidade impedia-os de crescer humana e espiritualmente, reduzindo-os mais à condição de objecto do que de sujeitos, desde o ponto de vista eclesial e social.

2. Entender e iniciar processos

Pouco a pouco, fui compreendendo que estes processos, embora fossem muito bons, estavam desligados da fé e da Palavra, como se a regeneração do ser humano afro fosse apenas um problema humano e social. Dei-me conta de que os processos não chegavam à compreensão do afrodescendente como filho de Deus, imagem e semelhança d’Ele, esculpido pela história, por circunstâncias sociais e eclesiais adversas, sim, mas no fim de contas um ser humano pensado, querido por Deus e com uma missão específica na Igreja, na sociedade e no mundo.

Os resultados eram lógicos porque, por um lado, o acompanhamento piramidal herdado pela tradição pastoral predominante na Igreja tornava-os objecto dependentes da acção do sujeito que era o missionário. Por outro lado, a intervenção de especialistas leigos sem uma visão religiosa, de fé e desligados da Palavra de Deus, não podia oferecer mais do que uma forma de ver o afrodescendente e a sua história, como um problema pessoal e social. Não se viam a si próprios como seres humanos, mas como um problema social e um objecto de abuso, de maus tratos e de exclusão. Estavam convencidos de que eram apenas vítimas e não seres humanos com uma responsabilidade eclesial e social.

3. Presença que partilha a vida

Quando comecei a caminhar com eles, percebi que a presença do Irmão que, pela sua natureza vocacional, está despojado do sagrado (do sacramento da ordem), pouco a pouco vai arredondando a pirâmide relacional nas estruturas culturais, sociais e eclesiais, até consolidar a circularidade da fraternidade ministerial querida por Jesus. O Irmão, precisamente por ser religioso, é capaz de contemplar a humanidade das pessoas que acompanha e de pôr essa humanidade em movimento (promoção humana) na Igreja e na sociedade.

Compreendi que o Irmão é uma ponte entre a ciência e a fé, entre o Evangelho e a sociedade, entre a Igreja e o mundo, entre a vida religiosa e a secular, entre o ministério sacerdotal e laical. Sem a sua presença, muitas vezes, os processos tornam-se polarizadores: de um lado, o litúrgico-sacramental, e do outro, o político-social. E o Irmão tem um pé em cada extremidade. Portanto, o Irmão é capaz de equilibrar os processos de evangelização e de fazer com que o ser humano não veja a sua história como uma tragédia humana sem Deus, mas sim uma história sagrada de salvação, onde Deus não só está presente como também se faz carne e assume as causas do ser humano como suas.

4. Os milagres da fraternidade

O Senhor deu-me a oportunidade de ver os milagres da fraternidade que brotam da consciência de saber que somos todos irmãos e irmãs, filhos do mesmo Pai; com a mesma dignidade e responsabilidade missionária de Cristo e, por isso, entendendo-se como o Corpo Negro de Cristo nessa sociedade discriminatória e exclusiva que tanto ofuscou a Igreja nesse contexto. Deu-me a oportunidade de experimentar o poder libertador deste tornar-se mais um entre eles, de não ter medo de rebaixar-se, tal como Jesus, e de procurar com eles os caminhos, as respostas e as soluções.

Este estar entre os afrodescendentes como companheiro de viagem, e não como guia ou mestre, fez com que as pessoas começassem a saborear e a gostar da comunhão e da participação, a compreender o valor e o poder do cenáculo de apóstolos, sonhado por São Daniel Comboni. Assim, nasceu a Fraternidade dos Missionários Afro-Equatorianos, o Caminho Bíblico Afro, processos de etno-educação e recreação cultural num contexto urbano, organizações e associações afro com objectivos culturais e sócio-políticos, e a pastoral da juventude afro.

O caminho fraterno com os Afros permitiu-me constatar como o objecto foi transformado em sujeito social e eclesial. E tudo começou quando eles se descobriram como seres humanos, filhos de Deus, missionários do Pai. E esta consciência semeia-se vivendo com eles, discutindo com eles, como Jesus fez com os seus discípulos: na estrada, na casa, na festa, nos seus lugares… conversando, respondendo a preocupações, explicando, partilhando sem pressa, sem lugares fixos… muitas vezes longe do templo.

Esta consciência semeia-se vivendo com eles, discutindo com eles, como Jesus fez com os seus discípulos: caminhando, em casa, nas festas, por toda a parte… conversando, respondendo às inquietações, explicando, partilhando sem pressa, sem lugares fixos… muitas vezes longe do templo.

Tendo experimentado o poder regenerador da fraternidade no ser humano, fez-me pensar e imaginar o Irmão Missionário Comboniano como uma parteira de ministérios laicais que vão para além das estruturas do templo e das questões religiosas. De uma ministerialidade que toca as realidades humanas e sociais; como companheira daqueles ministérios que nascem com uma projecção secular, a fim de lhes infundir o Espírito e possam ser a força transformadora de Deus na sociedade.

O caminhar com as pessoas fez-me reconhecer como um Irmão religioso, ou seja, um perito em estabelecer a profunda ligação entre o mundo e Deus, entre a carne e o espírito, entre o humano e o divino. Um especialista em ajudar o ser humano a conceber a Deus como um cidadão que actua naquele meio social em que se encontra, através do ser humano que se reconhece a si próprio como a sua presença.

5. Questionamentos olhando para o futuro

Como assegurar que a fraternidade que promove a humanidade das pessoas se fortaleça e não termine diluída na tradição evangelizadora que olha mais para o litúrgico-sacramental? Como tornar mais visível e significativo o ministério da encarnação da Palavra nos ministérios que tocam as questões humanas e sociais no Instituto, na Igreja e na sociedade? Estas perguntas encontrarão a resposta na proposta feita por São Daniel Comboni de estabelecer Centros de Formação onde o africano não se alteraa e o missionário não morre.

Esta estratégia pareceu-me ser a mais apropriada para a realidade numérica e dispersa do Irmão no Instituto e, assim, poder pensar numa figura física que acompanhe o ministério do Irmão, o identifique, o defina e o torne mais compreensível. Por isso, tal como o padre se relaciona com a imagem da paróquia, uma estrutura que explica e torna compreensível o seu ministério, assim também comecei a imaginar uma obra que pudesse revelar toda a força ministerial da fraternidade no Instituto. Assim nasceu a ideia das Obras Combonianas de Promoção Humana (OCPHs) e o Centro Cultural Afro-Equatoriano de Guayaquil tornou-se a primeira destas obras.

Para a reflexão pessoal e comunitária:

  1. O que é que me chama mais à atenção nesta experiência religiosa? Porquê?
  2. O que suscita em mim esta experiência? Porquê?
  3. O que é que nos diz a nós mesmos como comunidade?
  4. Que parte ou partes desta experiência podem iluminar o trabalho paroquial ou projectos missionários nas nossas comunidades/missões?

PARA APROFUNDAR O TEMA

Orientações do Papa Francisco e Bento XVI sobre a fraternidade

Reflexões retiradas do documento “Notas para uma espiritualidade missionária da fraternidade” do Irmão Alberto Degán.

Neste terceiro milénio, o Papa propõe uma missão fascinante: combater a “globalização da indiferença” através da construção da “globalização da fraternidade”.  Naturalmente, este é um apelo para todos os cristãos, mas, sobretudo para nós Irmãos, este apelo suscita, sem dúvida, um sentimento de alegria e reclama uma responsabilidade particular.

  • As duas primeiras mensagens do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz (em 2014 e 2015) são inteiramente dedicadas ao tema da fraternidade. “A fraternidade é o fundamento e o caminho para a paz”, diz-nos Francisco. De facto, a paz e a justiça não são apenas uma questão técnica de fazer mudanças estruturais para diminuir as desigualdades escandalosas que caracterizam o mundo de hoje, nem são apenas uma questão política. Paz e justiça são, acima de tudo, um desafio espiritual: só se nos sentirmos irmãos, filhos do mesmo Pai, é que as pessoas estarão prontas a fazer as mudanças e os sacrifícios necessários para dar vida a uma sociedade justa e fraterna. Como disse Francisco na mensagem Urbi et orbi no Natal de 2018, “sem a fraternidade que Jesus Cristo nos testemunhou, os nossos esforços por um mundo mais justo não iriam muito longe” (Salmo 84, 11-12).
  • O Papa Bento XVI propôs a fraternidade como princípio económico: “O desenvolvimento económico, social e político necessita, para ser autenticamente humano, de dar lugar ao princípio da gratuidade como expressão de fraternidade”, afirma na sua encíclica Caritas in Veritate (CV), n. 34. E acrescenta: “O grande desafio que temos… é mostrar… que nas relações comerciais o princípio da gratuidade e a lógica do dom, como expressão de fraternidade, pode e deve ter lugar na actividade económica ordinária” (CV 36). Bento XVI propõe que a lógica da fraternidade deve reconfigurar o nosso sistema económico.
  • Mais recentemente, o Papa Francisco dedicou toda a mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2014 ao tema da fraternidade: “A fraternidade, fundamento e caminho para a paz”. Os subtítulos das diferentes partes deste documento são: “Sois todos irmãos, (Mt 23,8)”, “A fraternidade, premissa para vencer a pobreza“, “A redescoberta da fraternidade na economia“, “A fraternidade extingue a guerra“, “A fraternidade gera paz social“, “A fraternidade ajuda a proteger e a cultivar a natureza“. Basta dar uma olhadela rápida a estes subtítulos para se entender que, para o papa Francisco, a fraternidade – longe de ser um conceito aleatório e romântico – é um princípio de fé muito concreto com inevitáveis implicações sociais, políticas e económicas. Segundo o Papa, a justiça social não pode ser construída se não cultivarmos primeiro um profundo sentido de fraternidade nos nossos corações.
  • A primeira parte deste documento intitula-se “Onde está o teu irmão? (Gn 4,9). Na Bíblia, esta é a segunda pergunta que Deus dirige ao homem, e isto significa que para Deus é uma questão fundamental. O ser humano, tal como foi concebido pelo nosso Criador, realiza a sua humanidade quando deixa o seu egoísmo e se preocupa com as condições de vida dos seus irmãos e irmãs, quando entra numa lógica de comunhão e fraternidade que o faz perceber que a sua vida só tem sentido se for vivida numa atitude de solidariedade para com os seus semelhantes. Por outras palavras, para Deus ser humanos significa ser e sentirmo-nos irmãos.
  • Jesus apresenta-se a nós como o “primogénito no meio de muitos irmãos” (Rom 8,29): a fraternidade é o caminho traçado por Deus para a realização da nossa humanidade. Como diz um provérbio africano: “Eu sou um ser humano porque tu és um ser humano”, ou seja: “Sinto-me bem e posso realizar a minha humanidade quando vejo que os meus irmãos também estão bem e podem realizá-la”. Mas na nossa sociedade prevalece a lógica oposta, a do velho adágio latino “Mors tua vita mea“, que significa: “A tua morte é a minha vida“; “só se eu te matar e tomar posse dos teus bens poderei viver feliz”.

Assim, não nos surprende que Helmut Maucher – presidente da multinacional Nestlé nos anos 80 e 90 – tenha mesmo dito que precisava de executivos com instinto assassino. Desta forma, como afirma o economista Hinkelammert, “a luta para matar o outro é vista como fonte de prosperidade e de vida”. Assim, o evangelizador propõe o modelo e a espiritualidade do homem-irmão contra o modelo e a espiritualidade do homem-assassassino.

Para combater a injustiça e a pobreza, precisamos de uma revolução espiritual, de uma espiritualidade de fraternidade que nos faça compreender que a derrota e a morte do meu irmão será também, mais cedo ou mais tarde, a minha derrota e a minha morte. Como disse Martin Luther King, “ou conseguiremos viver todos como irmãos ou morreremos todos como néscios”.

  • Na Evangelii Gaudium (n.186), Francisco afirma que o nosso amor pelos “mais abandonados da sociedade” depende “da nossa fé em Cristo que está sempre próximo dos pobres“. Sem dúvida, face a tantos desafios enormes, sentimo-nos frequentemente pequenos e impotentes: não temos respostas imediatas sobre O QUE FAZER. Mas Jesus dá-nos uma indicação muito clara sobre ONDE ESTAR: hoje, como ontem, Jesus “sempre perto dos pobres” chama-nos a estar PERTO DOS POBRES, PERTO DOS ÚLTIMOS.

O nosso Capítulo Geral de 2015 aceitou este convite do Papa e, por conseguinte, indicou como primeiro critério para requalificar os nossos compromissos o critério da “proximidade aos pobres” (DC’ 15, n.44.5). Este é um critério que para nós, os Irmãos Combonianos, tem um valor especial, porque o nosso Fundador nos via como aqueles que estão mais próximos das pessoas, porque passamos mais tempo com elas: Na África Central os irmãos artesãos bem preparados contribuem mais para o nosso apostolado que os sacerdotes para a conversão, porque os alunos negros e os neófitos (a maior parte dos quais, seja para aprender o ofício seja para trabalhar, há-de permanecer um espaço de tempo bastante longo com os «mestres» e os «especialistas», que com as palavras e o exemplo são verdadeiros apóstolos para os seus alunos) estão com os irmãos leigos e observam-nos e escutam-nos mais do que podem observar e escutar os sacerdotes.(E 5831).

Nota: Ver também a última encíclica do Papa Francisco “Fratelli Tutti” sobre a fraternidade e amizade social (3 de Outubro de 2020).

PARA A Oração pessoal

E o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco. E nós contemplámos a sua glória, a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade.” (Jo 1,14)

Reflexões a partir dos encontros continentais de Irmãos na América:

  • No meio de uma mentalidade e tradição eclesial que aprisiona a Palavra de Deus nos templos, nos discursos teóricos e que dificilmente ousa ir além das estruturas eclesiais e tocar as questões humanas e sociais, insere-se a figura ministerial do Irmão Missionário Comboniano.
  •  A sua vocação de “fazer carne a palavra”, no contexto onde vive e convive, e para modelar o ser humano como filho de Deus e irmão de todos, leva-o a abrir caminhos e a tomar iniciativas que não se limitem às estruturas e tradições eclesiais, porque a “encarnação missionária da Palavra” vive-se em harmonia com os tempos e lugares onde se encontra.
  • O espírito fraterno de Deus leva-o à inserção na vida e no quotidiano das pessoas, pelo que é capaz de descobrir e resgatar a riqueza e experiência de cada pessoa e dos grupos humanos que acompanha missionariamente, com o objectivo de valorizar a Igreja e a sociedade e de promover o verdadeiramente humano dos povos por onde passa, como obra e revelação de Deus que deve ser conhecida, reconhecida, valorizada, assumida e proposta pela Igreja ao mundo.
  • A convivência fraterna com as pessoas, a partir da consciência e do espírito missionário, faz do Irmão um radar que capta os sinais, os ruídos, e os desafios que, naquele lugar e naquele momento, se estão a viver. Por isso, a sua palavra e o seu contributo são decisivos para o dinamismo, a criatividade e a actualização da missão comboniana.
  • O seu rosto fraterno evangélico e social, faz do Irmão uma ponte entre a sociedade e a Igreja, entre o secular e o religioso, entre os leigos e o clero. É precisamente por esta razão que se torna a face social do compromisso missionário da Igreja. Esta dimensão vocacional insere-o no núcleo da sensibilidade humana que procura solidariedade, justiça, paz, e um compromisso de transformação social. A sua vocação faz dele uma presença que fortalece a consciência e o espírito do ser humano a viver o Reino como justiça, paz, alegria (Rm 14, 17ss.
  • O papel do Irmão como pessoa consagrada e ministro de Cristo, então, é a edificação e o crescimento humano e cristão das pessoas e das comunidades, desde a perspectiva do Evangelho; pelo que, a sua acção não exclui o ministério da Palavra. A sua presença evangelizadora entre as pessoas enfatiza a dimensão da fraternidade em todos os seus aspectos: o desenvolvimento integral das pessoas, a promoção da justiça, da paz, dos direitos humanos… ou seja, o seu ministério toca directamente as questões sociais, antropológicas e culturais, na óptica do Reino de Deus.

PARTILHA COMUNITÁRIA
E PISTAS DE ACÇÃO

  1. Numa atmosfera de oração e escuta mútua, partilhemos em comunidade os frutos da oração pessoal.
  2. Reflitamos juntos:
    1. O que te faz pensar, tendo presente o que partilhámos e rezámos sobre o ministério do Irmão?
    1. A que é que o Espírito nos convida a nível pessoal, comunitário, de Província e de Instituto?
    1. Como é que podemos responder de maneira concreta aos apelos do Espírito?

“O ministério dos Irmãos, discípulos de Cristo fraterno, presta atenção à dimensão da fraternidade em todos os seus aspectos, incluindo o desenvolvimento integral das pessoas, a promoção da justiça, da paz e dos direitos humanos. É, portanto, um ministério predominantemente aberto às dimensões social, antropológica e cultural do Reino de Deus, orientado para a transformação social, o testemunho e a proclamação da fraternidade e a animação da comunidade cristã”.

SUGESTÕES PARA A CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA:

No momento do PAI-NOSSO, fazer um momento prolongado de silêncio para pensar na fraternidade que nasce de Deus.

Campanha sobre o impacto prejudicial da atividade mineradora sobre a saúde e o meio ambiente

Piquia
Piquia

Hoje, 29 de outubro, a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), juntamente a Justiça nos Trilhos, lançam uma campanha para alertar os cidadãos e cidadãs do mundo que inconscientemente consomem os produtos das empresas mineradoras e siderúrgicas que há mais de três décadas vêm deteriorando a saúde e poluindo o meio ambiente da comunidade de Piquiá de Baixo, na Amazônia brasileira.

A Campanha marca os 30 anos do Grupo Ferroeste no município de Açailândia e convida a todos a apoiar a luta pelos direitos desta comunidade, para a qual as empresas e o Estado fecharam os olhos durante tanto tempo.

Saiba mais: https://bit.ly/3kFKur8

Casa Familiar Rural de Açailândia: uma trajetória de lutas

CFR Brasil

Por Zé Luís Costa. Da Página do MST. (Editado por Fernanda Alcântara)

CFR Brasil

A Casa Familiar Rural (CFR) de Açailândia, no estado do Maranhão, foi constituída como associação, em 2001, depois que um pequeno grupo de pessoas militantes sociais se reuniu e começou a discutir formas de melhorar a questão da educação do campo para a realidade local.

De prontidão, entidades iniciaram a proposta da casa familiar e entraram nesse debate desse projeto político e social, como o MST, que estava recém instalado na cidade, a ordem religiosa dos combonianos, Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da cidade.

A experiência desse tipo de escola já é antiga no mundo, e no estado do Maranhão elas estão presentes em várias cidades diferentes. Em outras partes do mundo essa modalidade de escola é conhecida como “Escola Família Agrícola”.

A partir das primeiras discussões, as organizações interessadas realizaram vários encontros, inclusive em outras cidades dos arredores, como lembra Xoan Carlos (LMC). “Realizamos uma série de reuniões nas comunidades. Foram mais 60 reuniões nos municípios de Açailândia, São Francisco do Brejão, Itinga, Bom Jesus das Selvas. E então se constitui a associação”.

Ele continua: “A partir daí, conseguimos um terreno, cedido pela igreja católica. Porém, não tínhamos condições de construir o prédio, de pagar funcionários. Então foram mais alguns anos de luta e articulação na busca de projetos, e conseguimos alguns apoios internacionais”.

CFR Brasil

Posteriormente, em 2003, as organizações envolvidas na ideia conseguiram começar o que sonhavam para a cidade e entorno, tendo em vista a grande quantidade de assentamentos e comunidades rurais que tinham nas proximidades da cidade, hoje com 110 mil habitantes. Era um sonho para o distante futuro.

Os pioneiros da ideia conseguiram, com muita luta, parcerias com a prefeitura, como afirma Xoan Carlos. “Em 2005 iniciamos as primeiras atividades da CFR. Começamos com curso de ensino fundamental, a gente tinha conseguido estruturar várias unidades produtivas na agricultura, na apicultura, de criação de gado, porco… O governador Jackson Lago teve a intenção de fazer curso de ensino médio integrado à educação profissional, e aí iniciou-se um novo momento para a CFR”, conclui.

Com essas articulações, em 2006, iniciou-se o curso Nível médio, que foi se adequando melhor às necessidades dos jovens do campo. Principalmente porque, quando em 2001, muitas comunidades só tinham jovens com no máximo até quarta série. Essa era então a necessidade: uma escola com características diferentes das convencionais, para o campo.

Jarbe Firmino foi aluno da primeira turma da Casa Familiar Rural de Açailândia, e posteriormente entrou na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Ele cursou Licenciatura em Educação do Campo e retorna à CFR, agora como monitor/professor, passando depois a ocupar cargo na instituição como coordenador geral.

Ele conta da experiência fazendo críticas à posição do poder público: “Essa experiência a qual me refiro, de coordenador, bem como em outros momentos, foi de grande dificuldade em termos de apoio do poder público. Foram períodos em que os contratos não eram cumpridos por parte do Estado, fragilizando o movimento do qual CFR faz parte”, encerra.

Após toda essa luta, veio o reconhecimento e conquistas. A principal delas foram a formação dos jovens em técnico em agropecuária para atuar nos assentamentos junto às suas famílias e em alguns órgãos do estado. Houve reconhecimento por parte do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, o CREA, para que pudessem trabalhar de formas oficiais prestando assistência técnica em projetos.

Entretanto, o desejo da coordenação e do grupo que organiza a associação e a CFR é que os alunos, formados, trabalhem com as suas famílias desenvolvendo o que eles aprenderam, nas propriedades familiares, como a maioria são de assentamentos da reforma agrária.

CFR Brasil

A CFR é administrada por uma associação, e atualmente o presidente é Xoan Carlos. A coordenação é escolhida pela associação e tem dez professores que são contratados pela Secretaria de Estado de Educação do Maranhão.

História das Casas Familiares Rurais

As Casas Familiares Rurais tiveram origem na França, em 1935, numa situação de forte êxodo rural, quando um grupo de famílias, com o apoio da igreja católica, reuniu-se para repensar essa situação. Chamaram-no de “Casa” para diferenciar da escola convencional e porque começou na casa de uma família; “Familiar” porque era uma organização das famílias e não do governo; e “Rural” porque o objeto da experiência era no meio rural na sua globalidade: técnica, humana, cultura, etc.

Hoje, na França, existem 450 CFRs. A partir dos anos 60, a experiência alastrou-se pela Espanha e a Itália com o nome de “Escola Família Agrícola”. Existem cerca de 1.000 CFRs nos cinco continentes, em trinta países.

No Brasil, as CFRs começaram a surgir no final dos anos 60, existindo na atualidade uns 150 centros educativos rurais que funcionam usando a “Pedagogia da Alternância”. No Maranhão são aproximadamente 27 escolas com esses princípios formativos. A pedagogia da alternância desenvolvido dentro dos métodos de Paulo Freire, em uma construção da formação técnica, é unida com a formação para a vida, no caso de Açailândia, amplia a parceria nas lutas por um modelo de agricultura diferenciado.

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