Leigos Missionários Combonianos

Simpósio Comboniano-O espírito do Plano e o desafio da missão africana no ano 800

simposium

Neste segundo dia, o simpósio Comboniano debruçou-se sobre o Plano de Comboni, desde o contexto em que foi escrito até à sua aplicação e compreensão no nosso contexto atual.

Para nos ajudar nesta reflexão, o P. Joaquim Valente (MCCJ) provocou todos os participantes, apresentando e contextualizando, no ontem e no hoje, os pontos cardiais do Plano de Comboni e lançando alguns desafios que nos são, pelo Plano, colocados.

De facto, Comboni reconhece que as coisas não funcionam, reconhece que desconhece a solução, reconhece que ele não tem nem é a solução para a regeneração da África, reconhece que há que se colocar à escuta de Deus, que só Deus tem e é solução.

Comboni põe-se aberto aos novos movimentos do Espírito que atua na realidade e na história humana. Nos entretantos, percorre a Europa e aprende da experiência de todos quantos trabalham para a missão. Com todos estes testemunhos e de todas estas aprendizagens, Comboni procura “recapitular todas as coisas em Cristo”.

Por seu turno, o P. Johnson Uchenna Ozioko (sacerdote nigeriano), ajudou-nos a fazer uma leitura do Plano de Comboni a partir da África de hoje, alertando sobretudo, tanto a importância atual do “salvar a África com a África”, como a importância e a urgência de mudar a linguagem que usamos para falar da missão e dos africanos.

Por seu lado, segundo a sua especificidade, a Ir. Fernanda Cristinelli (IMC) apresentou sucintamente a reflexão sobre este mesmo tema, feita pelas Missionárias Combonianas, sublinhando o sentido e a urgência de redimensionar a ministerialidade de ser e viver a missionariedade no feminino.

Ao fim do dia, fica no coração de cada um dos participantes as últimas palavras proferidas pelo P. Johnson Uchenna Ozioko: Jesus lavou os pés aos discípulos e disse-lhes: «Ide e fazei o mesmo». Comboni amou a África, digo-vos: «Ide e fazei o mesmo».

Susana Vilas Boas

Workshop MCCJ sobre o Plano de Comboni

Misa en S Pedro

O mundo de hoje, a sua urgência missionária e os desafios da missão comboniana

Começaram, hoje, os trabalhos de reflexão sobre os 150 anos do Plano de Comboni para a regeneração da África. De todas as partes do mundo chegaram representantes das diferentes províncias dos Missionários Combonianos (MCCJ), assim como, estiveram presentes representantes das Irmãs Missionárias Combonianas (IMC), das Missionárias Seculares Combonianas (MSC) e dos Leigos Missionários Combonianos (LMC).

O dia começou com a eucaristia junto ao túmulo de S. Pedro, lugar onde Comboni teve a inspiração para o Plano. Contudo, este simpósio/workshop, como lembrou o P. Enrique Sanchez (superior geral dos MCCJ) na sua homilia, não procurar “contemplar” o Plano de Comboni, ao contrário, partindo dele, visa refletir e dar graças a Deus pela realidade que este Plano tem sido desde o tempo de Comboni. Hoje, há que procurar a atualidade do Plano de Comboni, percebendo de que modo ele se aplica e nos provoca no nosso ser missionário. Para isso, alertou o P. Mariano Tibaldo (MCCJ), há que perceber as nossas prioridades nos dias de hoje e a forma de – no hoje – viver o desafio do Plano.

A reflexão começou com o Ir. Enzo Biemmi que apresentou a exortação apostólica Evangelii Gaudium como uma provocação atual do Papa Francisco mas que em tudo se enquadra com o Plano de Comboni, no que diz respeito à forma como Comboni concebia a vivência da vocação missionária.

De facto, hoje, há que abandonar as ideias pré-concebidas do missionário que evangeliza “os outros”. É urgente uma consciência e vivência missionária que se fundamente sobretudo na conversão do próprio missionário. Só o encontro do missionário com Cristo, o faz explícita e implicitamente anunciar o Evangelho em todas as circunstâncias. Não se trata, pois, de um anúncio para fora, mas de um pulsar da alegria do encontro com Cristo que se manifesta na vida do missionário. Devemos, portanto, estar conscientes que sem a conversão do missionário não há anúncio, porque sem esta vivência da Graça, não se consegue chegar ao coração do homem, onde já habita o Espírito.

Na verdade, o primeiro ponto e a fonte da vida missionária e da Evangelização é o reconhecer a presença de Deus na pessoa do outro, dando, deste modo, um novo estilo à missão. Este foi o verdadeiro agir de Cristo, que em tudo o que realizar remete o “protagonismo” para o Pai e/ou para a fé que salva aquele que O busca para ser salvo.

Neste âmbito, o P. Mariano Tibaldo (MCCJ) falou das problemáticas urgentes da vida missionária. Urgências, estas, que não se prendem com um critério geográfico, mas que deve responder, de facto, às exigências da Evangelização nos nossos dias. Foi precisamente sobre esta problemática que os participantes, em trabalho de grupo, refletiram e puderam partilhar com os demais as suas conclusões, em assembleia plenária.

Susana Vilas Boas

A visão eclesial que emerge do “Plano” de Comboni

Comboni

“Comboni – acreditando na unidade do género humano e no facto de o Evangelho dever, por isso, ser anunciado a todos – coloca-se numa atitude de desmistificação profética daquela forma cultural racista…” (Prof. Fulvio De Giorgi, Conselho de Direcção do Arquivo Comboniano).

Colocação de contexto
Uma reflexão actual sobre o “Plano” de Comboni que não seja puramente histórica, mas seja de tipo espiritual, pastoral, missiológico (que assuma um ponto de vista de fé, de pertença à Igreja católica e de ‘filiação’ comboniana) deve, de algum modo, partir de algumas colocações de contexto e não situar-se num plano de leitura directa e imediata (ou seja, sem mediações), como se se tratasse de um texto escrito hoje. A actualização deve fugir aos riscos de um certo ingénuo fundamentalismo actualizante: que seria, no melhor dos casos, uma banalização, mas correria também riscos de deformação grave. Qualquer texto do tempo (não só de Comboni) não pode ser lido sem filtros de contexto: caso contrário quem naquele contexto histórico, era – por exemplo – anti-racista, arriscar-se-ia a parecer, hoje, racista.

Não se trata somente de traduzir uma linguagem oitocentista numa linguagem corrente (com uma operação que não é unicamente de semântica histórica): embora já este simples aspecto assinale um problema mais vasto, isto é, o das formas de continuidade/descontinuidade cultural
(e espiritual) entre nós e os nossos Pais e as nossas Mães do passado, entre a nossa visão e a sua visão.

Comboni situava-se no seio da Igreja católica: mas também nós hoje.
E todavia a Igreja católica é um organismo vivo que cresce: por isso ‘cresceu’ relativamente ao século xix. Neste crescimento está compreendido também a auto-consciência: a própria visão eclesial. Eis então que não podemos reconhecer-nos ‘perfeitamente’ nas vestes daquele século: caso contrário quereria dizer que tudo é estático, que o cristianismo não é vivo mas morto, que o nosso dever não seria histórico mas arqueológico…

Actualidade e profecia

Afinal é bem evidente que o paradigma eclesiológico de Comboni, a sua visão eclesial, era o do Vaticano I e não do Vaticano II e que a sua cultura, em cujo seio se definiam muitos aspectos da mesma visão eclesial, era a lombardo-veneta do século xix e não a do século xxi. Mas, então, que significa esta observação (óbvia) no plano da nossa leitura? Quais são enfim os traços de continuidade e de actualidade e de profecia e quais os de descontinuidade, nos quais houve uma superação (isto é, um crescimento)?

Quanto mais os elementos culturais de Comboni se aproximam do Evangelho mais continuidade existe: a Igreja anuncia o Evangelho de Cristo como uma proposta de aliança libertadora dirigida por Deus a todo o género humano (o que, e não era óbvio então como não é óbvio hoje, implica a unidade do género humano: há um só género humano e todos os homens e todas as mulheres são filhos e filhas de Deus, iguais em dignidade pessoal). Assim, se em meados do século xix se formava, no coração da Europa, uma forma cultural nova que era o racismo, Comboni era alheio e hostil relativamente a estes processos culturais. O racismo implica dois pontos essenciais, como forma cultural: 1. Existem raças humanas (em geral reduzidas a três); 2. Há raças inferiores e raças superiores. Comboni – acreditando na unidade do género humano e no facto de o Evangelho dever, por isso, ser anunciado a todos – coloca-se numa atitude de desmistificação profética daquela forma cultural racista. Sobre isto, portanto, não só há continuidade, mas há uma permanente actualidade de tal aproximação, visto que em forma explícita ou mais frequentemente dissimulada permanecem, ainda hoje, visões racistas, que podem insinuar-se até na visão eclesial.

Descontinuidade como crescimento
Elementos culturais de descontinuidade são os que, pelo contrário, estão mais ligados às especificidades de mentalidade e de pensamento do tempo: uma ignorância ‘geográfica’, etnográfica, cultural dos Europeus em relação ainda a muitas partes do planeta e a largas camadas da humanidade; uma presença – portanto – de fantasias míticas e de lugares comuns tradicionais (mesmo religiosos: como a chamada ‘maldição de Cam’) que colmatavam estes vazios cognitivos e que hoje podem parecer ‘preconceitos racistas’ (pré-conceitos, sim, como todos nós temos; racistas não, porque não participavam – como já disse – nos aspectos específicos daquela forma cultural).

Compreender esta diferença é, no plano metodológico, essencial para enquadrar a reflexão sobre o “Plano” de Comboni, na sua visão eclesial e na sua actualidade profética.

Unidade, utilidade e simplicidade
Se de facto partimos de uma óptica racista, então consideramos a civilização europeia como superior e por isso destinada a dominar sobre as outras: condenando-as a um desenvolvimento ‘separado’ (apartheid) ou ‘civilizando’ do alto e do exterior alguns dos seus aspectos, para melhor as dominar e explorar, em prol do maior desenvolvimento da Civilização considerada superior. Comboni no “Plano” assumia pelo contrário um paradigma oposto: o da unidade do género humano. Neste quadro, é possível que alguns povos (historicamente foram os europeus, mas podiam ser outros) cheguem primeiro, por casualidades históricas, a conquistas consideradas positivas (por exemplo a escrita, a alfabetização, a medicina, a ciência e a técnica): estas conquistas então devem ser dadas a conhecer a todos, devem ser partilhadas, postas à disposição para ‘regenerar’ toda a humanidade, para melhorar a sua existência real, diminuindo todas as formas de sofrimento, de pobreza, de injustiça, a favor da utilidade comum. Mas esta ‘civilização’ (isto é, partilha de conquistas de civilização) não deve ser imposta do alto e do exterior: se assim fosse, mesmo com as melhores intenções, introduzir-se-ia uma assimetria e por isso um possível desequilíbrio e domínio. A civilização/partilha deve ser proposta e realizada de baixo e do interior, com um protagonismo em primeira pessoa dos beneficiados, sem astúcias ou mediações complexas, mas na simplicidade: só assim é re-generadora (isto é, intrinsecamente emancipadora). Os êxitos serão, então, sempre geradores e engendradores, isto é criativos e inovadores, autóctones e originais, não extrinsecamente semelhantes (isto é, assemelhados) aos europeus, mas também não hostis a eles: porque fruto de um encontro fraterno, em que se procura o bem de todos, e não de um encontro desequilibrado (isto é, na realidade, de um desencontro de culturas), em que se procura o bem só de uma parte (a mais forte).

Os pressupostos, portanto, da visão eclesial de Comboni no “Plano” podem-se resumir nestas suas palavras-símbolo, ainda actualíssimas: unidade, utilidade, simplicidade.

A aproximação do Plano
Tal aproximação do “Plano” é de facto muito actual hoje, num mundo globalizado e interdependente (muito mais do quanto o fosse no século xix), porque indica a única via possível para o desenvolvimento unitário mas não uniforme do género humano, num plano de não-violência e de partilha sempre respeitadora do outro. A aproximação do “Plano” desmistifica duas perspectivas que constituem, hoje, os dois riscos maiores de desumanização: por um lado, dinâmicas de desenvolvimento desigual, com lógicas (como as do neo-liberalismo) que tendem a aumentar o corte da riqueza, com fechamentos comunitaristas e xenófobos, com a recusa da igualdade em direitos e em dignidade pessoal; por outro, uma ocidentalização cultural feroz, como massiva esfoliação de toda a cultura local, como homologação universal, como mcdonaldização do mundo.

Esta aproximação do “Plano”, que surge em sintonia profética com o ensino da Igreja (basta pensar nas actuais orientações do Papa Francisco), apesar de ter sido formulado num período em que a própria expressão de “doutrina social da Igreja” ainda não existia, era, para Comboni, consequência de uma visão eclesial que se devia radicar no Evangelho de libertação de Jesus de Nazaré. Ao Evangelho deve ser, ainda hoje, sempre referido, para melhor compreendê-lo e actualizá-lo em fidelidade ao carisma: este é um critério hermenêutico essencial na leitura hodierna do “Plano”.

Por conseguinte, alguns traços essenciais da visão eclesiológica do “Plano” (que, na época, não eram de modo nenhum nem maioritários nem descontados, embora pudessem ligar-se a uma tradição significativa de Propaganda Fide) mostram-se proféticos e, ainda hoje, portadores de renovação evangélica: a Implantatio Ecclesiae como fundação de autênticas Igrejas locais, com um clero indígena; a paridade de género, em todos os âmbitos significativos, especialmente espiritual e de vida cristã; a importância – ad intra e ad extra – do laicado católico.

Um discurso amplo, de fecundo e rico de possíveis novos desenvolvimentos – mas que me limito, nesta sede, apenas a indicar – é por fim o da implantação pedagógica do “Plano” que, com originalidade, combina elementos diversos: o alcance emancipador da instrução para todos; a educação como caridade intelectual; a pedagogia dos oprimidos.

Visão eclesial harmonicamente unitária
Precisamente tal implantação pedagógica permite uma visão eclesial harmonicamente unitária – porque unitariamente fundada na “instrução” (que significa formação da consciência) – de evangelização e promoção humana: “A instrução que deverá dar-se a todos os indivíduos de ambos os sexos pertencentes aos Institutos que circundariam a África, será de infundir-lhes na alma e aí radicar o espírito de Jesus Cristo, a integridade dos costumes, a firmeza da Fé, as máximas da moral cristã, a conhecimento do catecismo católico, e os primeiros rudimentos do saber humano de primeira necessidade”.
Prof. Fulvio De Giorgi
(Conselho de Direcção do Arquivo Comboniano)

Família Comboniana espanhola encontra-se em Madrid

Familia Comboniana

No fim de semana de 5 e 6 de Abril, realizou-se em Madrid o primeiro encontro de toda la Família Comboniana presente em Espanha: religiosos, religiosas, seculares e leigos combonianos, todos unidos no mesmo carisma e na mesma pessoa de São Daniel Comboni, para celebrar o 150° aniversário do “Plano para a regeneração da África”, escrito por Comboni em 1864.

Comboni diz nos seus Escritos: “No ano de 1864, a 18 de Setembro, quando me encontrava em Roma, e na Basílica de S. Pedro assistia à beatificação de Margarida Maria Alacoque, como um relâmpago, iluminou-me a ideia de propor para a cristianização dos pobres negros um novo plano, cujos diferentes pontos me vieram do alto como uma inspiração. A seguir, o dito plano obteve o beneplácito de Sua Santidade o Papa Pio IX, que o fez remeter para a S. Congregação da Propaganda Fide. Foi traduzido em várias línguas e fizeram-se dele várias edições. Com base neste plano, eu procurava dar à missão entre os pobres negros da África Central uma organização dotada de maior vitalidade e solidez. Por isso, propus que num lugar adequado da Europa se fundassem dois institutos, um masculino e outro feminino, com o objectivo de formar pessoal para a direcção dessas missões da África Central, tanto missionários como missionárias. Igualmente, num lugar de clima salubre da costa africana, haveria que erigir dois institutos como estações de preparação e de aclimatação, antes de o pessoal missionário penetrar nas zonas interiores da África.” (E 4799).

O encontro da Família Comboniana espanhola, em Madrid, foi, sem dúvida, uma oportunidade para reflectirmos juntos sobre as intuições, as presenças e as formas de viver hoje a missão, como Família Comboniana, à luz do Plano de Comboni, e, ao mesmo tempo, foi uma oportunidade para estreitarmos os laços entre nós e para irmos crescendo como família.

Como Família Comboniana, somos herdeiros(as) do grande “sonho de Comboni”, que não poupou esforços para que a sua obra de evangelização da África Central não esmorecesse e pudesse seguir sempre adiante. Agradecemos a Deus por nos ter dado a vocação missionária e pela oportunidade que tivemos de compartilhar experiências e de estar juntos.

Obrigado a todos e todos que tornaram possível este encontro.
LMC de Espanha

O Plano de Comboni e a ministerialidade

ComboniFazendo uma leitura actualizada – segundo os desafios missionários de hoje – do Plano de Daniel Comboni, descobrimos duas intuições proféticas cujo valor, com o passar do tempo, não fez outra coisa senão aumentar:

1. «A regeneração da África com a África» (Escritos 2753).

Daniel Comboni está convicto, mediante a sua experiência e a dos outros grandes apóstolos, que para esta «regeneração» não há outro caminho senão o de envolver o povo africano como autêntico protagonista da sua história e construtor da sua libertação.

2. «[Encontrar] um eco de aprovação e um impulso favorável e de ajuda no coração dos católicos de todo o mundo, identificados e fundidos com sobre-
-humana caridade que abrange a totalidade do universo e que o divino Salvador veio trazer à terra»
(E 2790).

Com audácia ainda maior, Daniel Comboni declara que a realização deste Plano para a regeneração da África tem necessidade da colaboração incondicional de todas as instâncias da Igreja e da sociedade civil, ultrapassando qualquer tipo de barreira, preconceito ou mesquinha argumentação.

Nestas páginas ocupar-nos-emos deste último aspecto, isto é, a urgência de unir o empenho de todos os «católicos» em favor de uma única missão. O termo «ministerialidade» (ministerium = diakonia = serviço) ajuda-nos a traduzir melhor o pensamento e a praxis de Daniel Comboni, embora conscientes do facto de que no Plano ele não utiliza nunca esta palavra e que se trata de um conceito que não corresponde nem à linguagem barroca nem à teologia tridentina do seu tempo. Por «ministerialidade» entendemos a responsabilidade missionária de todos os baptizados, sem excepções, de fazer emergir o Reino de amor e justiça (fraternidade universal) instaurado pela pessoa e pelo acontecimento de Jesus Cristo no meio de nós. Daniel Comboni não propunha simplesmente uma estratégia organizativa mas um modo de ser Igreja madura.

Vamos directamente ao texto do Plano, para nos darmos conta da amplitude do seu horizonte (cf. a última edição datada Verona 1871, E 2741-2791):

A) Qual é o fundamento teológico que Daniel Comboni coloca na base do seu Plano?

Trata-se de um fundamento cristológico e de uma resposta martirial:

—          O católico olha para a África «não através do miserável prisma dos interesses humanos, mas do puro raio da sua fé» ali descobre «uma infinidade de irmãos pertencentes à mesma família humana, que tem nos Céus um pai comum…». Então «levado pelo ímpeto daquela caridade que se acendeu com divina chama aos pés do Gólgota e, saída do lado do Crucificado, para abraçar toda a família…» sente que o seu coração palpita mais fortemente; e «uma força divina pareceu empurrá-lo para aquelas bárbaras terras, para apertar entre os seus braços e dar um ósculo de paz e de amor àqueles infelizes irmãos seus…»
(E 2742).

—          E precisamente pela força desta caridade que brota do lado de Cristo, Daniel Comboni está disposto a «derramar o nosso sangue até à última gota»
(E 2753) pelos seus irmãos mais pobres e abandonados. Podemos portanto dizer que a motivação que impulsiona toda a vida de Comboni é o reflexo de uma fé sólida na redenção que o mistério pascal de Cristo nos mereceu e que constitui o princípio de toda a acção missionária. Por outras palavras, a «ministerialidade» (serviço missionário) que Daniel Comboni pede no seu Plano está ligada a Jesus Cristo, servo por excelência do Pai, para realizar o seu Plano de salvação, e à Igreja, que é enviada a servir a humanidade para continuar a missão misericordiosa do seu Senhor.

B) Qual visão tem, da Igreja, Daniel Comboni ao pedir um empenho de tal alcance aos católicos, sem distinção?

É um desafio que também naquela época, como hoje, se apresenta quase impossível, sobretudo se se pensar no desencorajamento e na frustração que se aninham em muitos responsáveis eclesiásticos.

O amor que Comboni nutre pela Nigrícia leva-o a pedir concretamente:

  • a ajuda e a cooperação de Vicariatos, Prefeituras e Dioceses já estabelecidos à volta de África (E 2763);
  • a criação de institutos para meninos e meninas de raça negra, em lugares estratégicos ao redor de toda a África (E 2764-65);
  • que as Ordens religiosas e as instituições católicas masculinas e femininas aprovadas pela S. Congregação de Propaganda Fide dirijam estes Institutos
    (E 2767);
  • a fundação na Europa de pequenos colégios para as missões africanas para abrir o caminho do apostolado da África a todos os eclesiásticos seculares das nações católicas que fossem chamados por Deus a tão sublime e importante missão (E 2769);
  • a possibilidade de estabelecer Institutos religiosos femininos da Europa nos países do interior da África menos letais, visto que a mulher europeia demonstrou uma maior resistência que os missionários, devido à sua capacidade de adaptação física, ao seu temperamento e aos seus hábitos de vida familiar e social (E 2780);
  • que se construa, para coordenar todo este projecto, uma sociedade composta de pessoas inteligentes, magnânimas e muito activas, capazes de tratar com todas as Associações que possam assegurar os meios económicos e materiais
    (E 2785) e convoquem todas as forças do catolicismo em favor da África (E 2784-88).

O objectivo que Daniel Comboni quer atingir é o de dar dignidade a todo o povo africano:

  • não só aos negros da África interior, mas também aos das costas e de todas as outras partes da grande ilha… a toda a raça dos negros (E 2755-56);
  • os jovens negros serão formados como catequistas, mestres e artesãos – virtuosos e hábeis agricultores, médicos, carpinteiros, alfaiates, pedreiros, sapateiros, etc. (E 2773);
  • as jovens negras, por sua vez, receberão formação como instrutoras, mestras e mães de família que deverão promover a instrução feminina… (E 2774);
  • no grupo dos catequistas criar-se-á uma secção com os indivíduos mais distintos pela sua piedade e saber, nos quais se descubra uma provável disposição para o estado eclesiástico (clero indígena), e esta será destinada ao serviço do ministério divino (E 2776);
  • no grupo das jovens negras, entre as que não sintam inclinação ao estado conjugal criar-se-á a secção das Virgens da Caridade, formada pelas que se distinguirem pela piedade e conhecimento prático do catecismo, das línguas e dos trabalhos femininos (E 2777);
  • a fim de cultivar aquelas inteligências que se revelarem mais destacadas, para os formar como hábeis e iluminados responsáveis das missões e das cristandades do interior da Nigrícia, poderão fundar-se pequenas universidades teológicas e científicas nos pontos mais importantes da periferia da grande ilha africana (Argel, o Grande Cairo, St. Denis na Ilha da Reunião, e diante do Oceano Atlântico). Noutros pontos poderiam fundar-se, com o passar do tempo, pequenas oficinas de aperfeiçoamento para os artesãos considerados mais hábeis (E 2782-83);

Resumindo, nesta proposta de Daniel Comboni encontramos uma visão eclesiológica extremamente aberta e integral, que tem em conta todos os ministérios (desde o do Papa até ao do mais humilde catequista ou artesão) quando se trata de levar por diante a missão a favor dos mais necessitados. E não por simples filantropia nem por um sentido romântico de ingénuo heroísmo pela sólida motivação que brota do acontecimento baptismal, que nos revela existencialmente o amor de Deus e nos torna irmãos na mesma vocação de santidade e capacidade. Este modo prático de criar ministerialidade encontrará eco só um século mais tarde na teologia pós-conciliar com o Vaticano II.

Embora os aspectos que indicámos merecessem um estudo mais completo, por motivos de espaço apresentamos, sob a forma de um decálogo, uma série de ensinamentos que podemos tomar do Plano de Comboni:

1) Daniel Comboni reconhece a importância do ministério do Papa (com o qual dialoga pessoalmente em diversas ocasiões) e de Propaganda Fide. A eles endereça o seu Plano dando provas de comunhão eclesial.

2) A audácia dos seus «sonhos» nasce do seu confrontar-se com a realidade do sofrimento e da opressão em que vivem os seus irmãos e irmãs. O seu Plano é fruto da solidariedade no interior de um método missionário de encarnação.

3) Por detrás da sua atitude está a capacidade de interagir com qualquer género de pessoas com maturidade humana e espiritual. A ministerialidade do Plano pressupõe pessoas integradas e capazes de relações autênticas.

4) Está presente uma antropologia que vai para além da sua época e olha as pessoas reconhecendo a sua plena dignidade.

5) No Plano emerge um modelo de ser Igreja em comunhão e participação, nascida da consagração baptismal e da comum vocação à vida plena em Deus.

6) O laicado encontra a sua total expressão ministerial. Não em sentido piramidal mas como povo de Deus em corresponsabilidade.

7) A mulher, em particular, encontra o devido espaço pela sua valorização enquanto tal e na sua consagração. Nisto, Comboni é verdadeiramente um pioneiro.

8) O trabalho de evangelização que o Plano deixa entrever é integral, nenhuma dimensão humana é excluída. Todas as dimensões humanas entram no projecto de Deus.

9) A inserção estratégica que é proposta para que o trabalho seja possível sem ulteriores tragédias, pressupõe uma preocupação de planificação e avaliação louvável.

10) Tudo isto é circunscrito no ministério da Cruz, sabendo que se trata de uma entrega consciente da própria vida mas sobretudo confiando no facto de que as obras de Deus nascem e crescem aos pés do calvário. E que é o Espírito Santo que guia – ontem e hoje – a missão.

P. Rafael González Ponce mccj