Leigos Missionários Combonianos

Testemunho em Carapira

Carapira

O essencial é invisível aos olhos”! Nunca esta frase me fez tanto sentido como depois de Moçambique… Quando nos atrevemos a abrir o nosso coração aos convites de Deus, arriscamo-nos a descobrir o verdadeiro sentido da felicidade. De facto, foram tantas as graças recebidas, tanto o amor vivido e partilhado, que esta experiência me moldou a vida, me encheu o coração de tal forma que os meus pensamentos, desejos e sonhos se dirigem todos eles para Moçambique.

Durante todo o ano que antecipou este mês de missão em Moçambique, fomo-nos preparando com obras de caridade, formações intensas, encontros íntimos com Deus através da oração e, portanto, as expectativas eram elevadas e a ansiedade imensa. A verdade, porém, é que nunca pensei que este mês fosse vivido com tanta intensidade, com tanta entrega, com tanto amor… Fraca fé a minha, sei-o agora! Afinal eram imensas as pessoas que ficaram a rezar por nós, eram muitos os corações sinceros que por nós dirigiam as suas preces a Deus.

Os sete membros grupo Fé e Missão que aterraram na missão de Carapira, em Moçambique, só têm motivos para louvar a Deus pelas graças que lhes foram concedidas.

Em Carapira, acolhidos como família pelos vários membros da família comboniana aí presentes, desde o início que nos sentimos acolhidos, integrados. Logo na primeira noite tivemos um encontro de apresentação entre todos, o que nos permitiu conhecer um pouco do trabalho realizado, bem como para afirmar a nossa vontade em trabalharmos intensamente nesse mês. Sim, sempre foi uma preocupação de todo o grupo entregar-se por inteiro, ou, nas palavras de Fernando Pessoa, pormos tudo quanto somos no mínimo que fazemos. E não ficámos sem resposta. Logo no dia seguinte tivemos uma reunião em que nos foram dirigidas várias propostas, seja na Escola Industrial de Carapira, no trabalho pastoral, no lar das irmãs, bem como junto da comunidade. Recordo-me que após essa reunião o grupo começou a dividir tarefas, a especificar as tarefas de cada um, com uma intensidade tal que preenchemos um quadro, no qual anotávamos sempre todas as nossas actividades. Sentia-me sempre alegre por ver aquele quadro cheio. Tenho plena consciência de que isso só foi possível pela confiança que depositaram em nós desde o início, mas também sei que ao longo do mês tudo fizemos para corresponder às expectativas. Para ser sincero, apesar de querer dar o máximo de mim, de querer trabalhar intensamente, sempre tive a consciência de que um mês seria muito pouco para nos podermos entregar sem reservas. A verdade é que me enganei. Claro que a dificuldade da língua e a adaptação dificultaram um pouco, mas também os sorrisos, a simpatia, a confiança depositada em nós e o acolhimento fantástico com que nos presentearam, tornou tudo muito mais fácil. Desde o início que o irmão Luís permitiu que nos entregássemos sem reservas na escola, seja com trabalhos administrativos, seja em acções com os alunos; o padre Firmino a permitir que o acompanhássemos nas visitas às comunidades; as irmãs a permitirem que as auxiliássemos com as explicações às meninas do lar, bem como a irem connosco visitar os doentes e idosos da comunidade e os Leigos Missionários Combonianos que sempre nos acompanharam de perto e com quem trabalhámos com prazer. O trabalho das irmãs e dos irmãos e padres já conhecia minimamente pelos vários testemunhos que tenho ouvido. Mas confesso que desconhecia o grande trabalho que é feito pelos Leigos Missionários Combonianos. A sua dedicação na Escola Industrial de Carapira, nas aulas, nos serviços administrativos, na enfermaria, no refeitório, bem como no acompanhamento das actividades extra curriculares é deslumbrante. Mas, para além disso, o trabalho pastoral nas comunidades, o trabalho na paróquia, na formação dos animadores, o trabalho da Comunidade Justiça e Paz em pro das comunidades, deixaram-me deslumbrado. Sinceramente, pela primeira vez, fiquei mesmo com o desejo de ser Leigo Missionário Comboniano.

A nível pessoal, este mês foi muito importante para mim. Descobri muitos dos meus limites, quando o cansaço procurava vencer-me, fui desafiado a saber viver em comunidade, a saber ser tolerante, a procurar resolver as questões pelo diálogo, a analisar-me interiormente. Agora que penso nisto tudo, alegro-me pelo que pude crescer. Mas, para além de todos estes desafios fui tão feliz… Foram as Eucaristias que tanto me encheram o coração, com músicas e danças que expressavam tanto, foram os sorrisos das crianças, a alegria das pessoas das comunidades, a família comboniana em Carapira a quem agora chamo de amigos e amigas, as meninas do lar que tanto me fizeram sorrir, os jovens da Escola, os jovens… Oh meu Deus, que saudades! Apetece-me chorar de alegria…. Apetece-me voltar… Quero voltar!!!

Em Moçambique senti o Sol na minha mão! O Sol da alegria, o Sol que ilumina a nossa vida, o Sol que nos aquece, que aquece o nosso coração, o Sol que nos permite trocar olhares, o Sol que nos faz viver intensamente o dia! Em Moçambique tive o Sol na minha mão! Carapira Pedro Nascimiento

Os três primeiros dias do XVIII Capítulo Geral em Roma

Capitulo MCCJ

O XVIII Capítulo Geral dos Missionários Combonianos, que está a decorrer em Roma, começou na manhã de segunda-feira com a apresentação do Estatuto do Capítulo pelo P. Pietro Ciuciulla, membro da Comissão Pré-capitular. Este documento é um instrumento que guia o desenvolvimento do Capítulo e é útil para a planificação das suas diversas fases. À tarde, o trabalho foi feito a nível de grupos continentais para ver e sugerir mudanças, emendas ou moções para o melhorar.

De volta à aula, os capitulares partilharam pontos de vista e cada grupo apresentou as respetivas propostas. No dia seguinte, continuou-se com a votação das diferentes emendas até o Estatuto ser finalmente aprovado. A mudança principal em relação ao Capítulo anterior é que se dá mais tempo à fase de discernimento feito em grupos e assim se consegue uma metodologia mais adequada ao fim pretendido. Evidenciou-se o desejo de que este Capítulo não caia na tentação de produzir um documento longo, mas que se concentre no conteúdo de um texto focado sobre algumas prioridades do Instituto.

Depois da aprovação do calendário dos trabalhos, a sessão da tarde de terça-feira, 8 de setembro, foi dedicada ao discernimento em grupos para encontrar as pessoas mais adequadas para cada um dos serviços do Capítulo.

O dia concluiu com a eleição dos quatro escrutinadores.

Na quarta-feira, 9 de setembro, a sessão começou com a eleição dos oficiais e continuou durante todo o dia.

Conselho da Presidência: P. Enrique Sánchez, presidente; P. Giuseppe Moschetta e P. Manuel Augusto Lopes Ferreira.

Secretário-geral: P. Pietro Ciuciulla.

Moderadores: P. Pedro Andrés Miguel, P. Joseph Mumbere Musanga, Ir. Alberto Degan e P. Rogelio Bustos.

Comissão especial: P. Rafael Ponce (coordenador), P. Dario Bossi e P. Jeremias dos Santos Martins.

A Comissão central é constituída pelo Secretário-geral, os quatro moderadores e o coordenador da Comissão especial. Coordenam o trabalho do Capítulo.

Escrutinadores: Ir. Matthias Adossi, Ir. Dessu Yisrashe, Ir. Humberto da Silva Rua e P. Felix Cabascango.

Comunicadores: Ir. Alberto Lamana (coordenador), P. Jean Claude Kobo e P. Efrem Tresoldi.

Comissão litúrgica: P. Roberto Turyiamureeba, Ir. Jean Marie Mwamba e P. Alcides Costa.

Comissão recreativa e cultural: P. Juan Armando Goicochea, P. Karl Peinhopf e P. Ramon Vargas.

O dia concluiu com a celebração de vésperas da solenidade de São Pedro Claver, patrono do Instituto.

Capitulo MCCJ

Um sonho realizado!

Sofia3Missão em África, um sonho. Algo que já há muito eu queria viver e finalmente consegui. Tinha 17 anos, quando comecei a sonhar com África, quando comecei a querer conhecer mais o “mundo” que é a Missão. No mês de agosto, parti como elemento do grupo Fé e Missão, com mais quatro jovens e dois missionários da Família Comboniana, partimos para Moçambique, missão de Carapira. Sempre pensei que missão era ir levar Jesus aos outros, mas quando cheguei a Carapira Ele já lá estava e de braços abertos para receber-me e dizer-me que me escolheu e que aquele povo era d’Ele.

Foi uma experiência indescritível, mas tentando: eu encontrei um povo acolhedor, generoso, alegre, cheio de sorrisos. Um povo sem pressas, onde o tempo é um pormenor.

As pessoas têm sempre tempo para falar, param para cumprimentar o outro. Não se sente agitação, se o meu vizinho está mal, eu não fico indiferente.

Encontrei uma equipa de missionários espetacular que faz um trabalho de excelência, que diariamente se entrega de corpo e alma, ao povo de Carapira.

SofiaIrmãos, irmãs, Sacerdote e Leigos missionários Combonianos, dão o seu melhor como educadores, formadores. Acompanham dezenas de jovens, sem olhar qual a crença que vivem. Acompanham as comunidades, tentando ser presença de Cristo no meio do povo. Conheci de perto o trabalho dos Leigos missionários, que trabalham apoiando as diversas vertentes na Escola Industrial, onde têm um papel muito ativo. Os Leigos estão presentes como alguém que educa, cuida, como alguém que ama, pois os jovens que frequentam a Escola Industrial, deixaram as suas casas para poderem estudar. Os leigos são presença amiga e até maternal. Os leigos auxiliam também a pastoral, ajudam crianças e jovens a descobrir Jesus.

Com toda a comunidade missionária que conheci e ao lado de quem trabalhei e tanto aprendi, constatei que um missionário ama verdadeiramente, é capaz de amar, é capaz do amor incondicional. Guardo comigo cada momento que vivi, agradeço a confiança que depositaram em mim e nos meus colegas.

O maior desafio que enfrentei ao longo deste mês foi sem dúvida o viver em comunidade.

Toda a experiência foi marcante, impossível ficar indiferente, gostei muito de todo o trabalho que conseguimos fazer com os jovens da Escola Industrial, sobre a Laudato Si, adorei ter estado com as meninas do lar, gostei muito de ter trabalhado com jovens da comunidade, “Salvar Jovens com Jovens”.

Sofia Marcou-me muito uma conversa, que ocorreu logo nos primeiros dias, quando cheguei ao lar, para trabalhar com as meninas auxiliando e esclarecendo pequenas dúvidas, de português e matemática.

A Nelson, uma menina de 13/14 anos, frequenta a sétima classe, não se aproximava muito de mim, ficava sempre a observar-me, mas sempre um pouco distante, quando me aproximei para tentar acabar com as reservas dela, ela disse-me: “Não quero ser tua amiga, pois vais-te embora daqui a uns dias e eu nunca mais vou ver-te.” Isto cortou-me o coração fiquei parada, queria dizer algo, mas fiquei entalada, queria dizer àquela menina que não ia ser assim, mas estaria a mentir, pois era verdade, eu tinha viagem marcada. Aceitei a escolha dela, resolvi não insistir. E durante os 15 dias que trabalhei no lar, falávamos pouco, estudávamos juntas, descobríamos as palavras novas e difíceis, fazíamos os trabalhos de casa.

Mas, eu sei que mexi com Nelson, tenho a certeza, ela sorria e até brincava quando eu pronunciava algo mal em macua, ou quando eu dizia que tinha medo de ficar doente com malária. E chegou o dia em que tive de me despedir dela e de todas as outras meninas. E Nelson perguntou-me:

“Professora agora vai esquecer-se de mim?”

Ela é perita em deixar-me “entalada”, é linda, tem uns olhos grandes, bonitos, vivos, e estavam cheios de água e eu só pensei como é que vou esquecer isto, Senhor? Não vou. Abracei-a e disse-lhe não me vou esquecer de ti.

Algo que também me marcou muito foram as Eucaristias, celebram com muita alegria, cantam, batem palmas, são fortes, muito bonitas. A mulher moçambicana, não posso deixar de vos falar dela, é uma lutadora, trabalhadora, fica com as tarefas mais complicadas. Tem um papel fundamental.

Isto é um bocadinho do que vivi, foi uma boa experiência, que quero muito repetir.

Foi muito importante para mim, em cada dia tive acontecimentos marcantes, que já mais vou esquecer.

E não se esqueçam os sonhos realizam-se. Só temos de fazer 5%, Deus faz o resto.

Sofia Coelho

Retiro dos leigos missionários combonianos de Bolonha e Florença

LMC Italia

Acompanhados pelo P. Giorgio Padovan (em pé, na foto), comboniano chegado recentemente do Brasil, uma vintena de Leigos Missionários Combonianos (LMC) de Bolonha e Florença reuniram-se nos dias 13 e 14 de Junho, na casa da Pax Christi em Florença, para rezar e reflectir juntos sobre o tema “Discípulos, missionários, e combonianos a caminho”. Estes dias, contam os leigos, “animaram alguns de nós a repartir, para continuarmos o caminho missionário com mais entusiasmo e alegria, e para renovarmos o nosso coração, por vezes cansado e ferido”.

A alegria e a beleza de ser cristãos e missionários é a frase que pode resumir o que se viveu no retiro de dois dias, em Florença. Guiados pelo tema “Discípulos, missionários, e combonianos a caminho”, a imagem do caminho acompanhou os leigos ao longo das reflexões, da partilha e da oração. Um caminho que não parece ser fácil, comentaram, porque às vezes é a subir e muito cansativo, mas que “dá sentido e sabor à nossa vida e vocação”.

LMC Italia

O P. Giorgio Padovan, regressado há alguns meses da missão no Brasil, ajudou o grupo, com muita simplicidade, a aprofundar do ponto de vista missionário o caminho dos leigos e das leigas, a vocação baptismal, as escolhas pessoais, o amor à missão, e o carisma comboniano.

“As reflexões e a partilha de experiências – contam os leigos – animaram alguns de nós a repartir, para continuarmos o caminho missionário com mais entusiasmo e alegria, e para renovarmos o nosso coração, por vezes cansado e ferido. Foram semeadas as sementes para que cada grupo de LMC possa programar, com renovada criatividade, o caminho a fazer durante o próximo ano”.

Como ser LMC onde vivemos e trabalhamos? Como ser cristãos e missionários no mundo da migração, entre os excluídos, no compromisso através de actividades de justiça e paz, nas paróquias e igrejas pouco missionárias, fechadas e com medo de sair? Estas algumas das perguntas às quais os LMC de Bolonha e Florença tentaram responder, para poderem voltar a casa iluminados e com vontade de fazerem uma “boa viagem missionária”.

LMC ItaliaLMC de Bolonha e Florença

Mensagem do P. Enrique para a festa do Sagrado Coração

Sagrado Corazon

“Pedimos a graça de nos tornarmos consagrados alegres e felizes porque portadores no coração do tesouro daquele amor que brota do Coração trespassado do Senhor que São Daniele Comboni descobriu como fundamento sobre o qual construir a sua missão e ao qual se entregou sem limites.

Que a confiança no Coração de Jesus se torne também para nós fonte perene de um amor que nos ajude a viver a nossa consagração como o dom mais belo que nos tenha sido concedido.

Boa festa do Sagrado Coração.” P. Enrique Sánchez G. mccj, Superior Geral.

 

CONSAGRADOS NO CORAÇÃO DE JESUS

As palavras consagração e consagrados, com todos os seus sinónimos, têm a possibilidade de ser aprofundadas e integradas na nossa vida, de modo particular durante este ano destinado à vida religiosa ou consagrada, na medida em que nos concedamos um momento para a reflexão e, talvez, mais ainda, para o agradecimento por este dom.

Ao mesmo tempo, estas palavras correm o risco de esvaziar-se do seu significado e da riqueza de que são portadoras, se não as confrontarmos com a experiência da nossa vida; se não dermos, com a nossa vida, um sentido autêntico ao que afirmamos com as palavras.

Somos consagrados. Basta pouco para fazer esta afirmação que, no entanto, não se mostra tão evidente quando pedimos ao nosso testemunho de vida para exprimir o conteúdo daquela que foi a opção da nossa vida.

Mesmo dizendo de imediato que há exemplos extraordinários, muito próximos de nós, de pessoas que fizeram da consagração um tesouro e cuja vida se transformou numa luz capaz de penetrar as trevas mais obscuras, hoje precisamos de deter-nos e perguntar-nos até que ponto a nossa consagração a Deus define e caracteriza a nossa identidade e o nosso agir.

Reflectir sobre a nossa consagração pode tornar-se uma ocasião extraordinária para nos apropriarmos daquilo que queremos dizer quando nos reconhecemos pessoas consagradas a Deus para a missão.

A nossa consagração missionária

Como ajuda para a nossa reflexão, em particular por ocasião da festa do Sagrado Coração, gostaria de partilhar convosco algumas ideias breves que podem ser desafios a perguntar-nos até que ponto e como estamos a viver a nossa consagração religiosa e missionária.

O Papa Francisco convidou-nos a fazer um exercício de memória, para reconhecer no passado o dom da nossa chamada, do nosso carisma, deixando brotar do profundo do nosso coração a gratidão, o reconhecimento por este dom. Recomendou-nos contemplar o presente da nossa consagração para a viver com paixão, sem fazer cálculos, com a generosidade e o entusiasmo do primeiro momento, quando no silêncio cúmplice de Deus ouvimos pronunciar o nosso nome e sonhado uma missão sem fronteiras.

O Papa pediu-nos para olhar o futuro com esperança, que significa confiança em Deus, na sua proximidade, na certeza de que Ele continua a guardar no seu coração um projecto para a humanidade que ninguém poderá impedir, porque será sempre um projecto de amor e o amor não se detém perante os obstáculos.

Viver a nossa consagração missionária deste modo leva-nos a redescobrir, a fazer de novo a experiência da alegria do primeiro momento da nossa chamada, e a dizer com simplicidade, Senhor, como foste grande fixando o teu olhar em mim! Não podias conceder-me um dom mais extraordinário.

Ser missionário foi a escolha melhor que fizeste para mim; obrigado, porque permaneceste fiel e porque aquilo que me aconteceu há tantos anos continua a manter a sua frescura.

Obrigado por um presente missionário que nos desafia. A tua chamada por vezes corre o risco de ser toldada por tantos obstáculos que encontramos no nosso caminho. Falta-nos a tua paixão, o teu ardor, a tua coragem para não nos deixarmos vencer pela indiferença do nosso tempo, pelo consumismo que nos circunda, pelo hedonismo superficial que nos assalta com as suas armadilhas, que fazem aumentar o egoísmo e a superficialidade.

Temos necessidade da paixão missionária, antes de mais para crer em ti com todo o nosso coração, para descobrir-te presente no irmão que sofre, na irmã que é maltratada, no jovem condenado a viver sem a possibilidade de sonhar um futuro digno, para sair das nossas seguranças e das nossas comodidades.

Senhor, faz-nos bem reconhecer com humildade e simplicidade que nos falta a paixão que não teme o sacrifício, a renúncia, o abandono, aquela paixão que permite deixar tudo para fazer de ti e da tua missão o tudo da nossa vida.

Deste-nos uma vocação que faz de nós uns privilegiados, porque escolheste por nós, como lugar para encontrar-te, os mais pobres, os afastados, aqueles que não contam aos olhos dos nossos contemporâneos.

«A esperança de que falamos – diz o Papa – não se funda nos números ou nas obras, mas n’Aquele em quem acreditámos» (2 Tm 1,12).

E nós queremos viver na esperança, não podemos fazer de outro modo, uma vez que fomos testemunhas da tua fidelidade, da tua confiança, do teu cuidado para connosco. Não nos assusta o amanhã porque sabemos que tu nos precedeste e preparaste um amanhã que será completamente diferente daquele que seríamos capazes de construir com as nossas forças e com os nossos meios.

Não temos medo de diminuir, de morrer, porque estamos convictos que onde estás presente a vida não pode senão sair vencedora e que serás sempre tu a escrever a bela história da missão que se tornará também a nossa.

Uma consagração nos pequenos e grandes pormenores

Quando se fala de consagração, gosto de dizer que nos referimos a uma experiência, a uma vida que levamos por diante nos pequenos e grandes pormenores da nossa existência, no quotidiano do nosso agir e no realizar o sonho que levamos no nosso coração como ideal que nos impele a ir sempre mais longe.

Gosto de dizer que ser consagrados não é senão aceitar com alegria que a nossa vida está nas mãos d’Aquele que nos faz viver. É aceitar que somos propriedade do Senhor, que somos ou nos estamos tornando dom de Deus para a humanidade.

Quantas vezes ouvimos dizer que o consagrado ou a consagrada são pessoas que livremente aceitaram renunciar a tudo para permitir a Deus realizar o seu sonho de amor pela humanidade.

É belo pensar assim, porque nos ajuda a compreender que a consagração não é uma obra que surge da nossa vontade ou das nossas capacidades, mas uma experiência de grande liberdade, de generosidade e sobretudo de profunda docilidade.

Que quer dizer consagrados a Deus?

Consagrar-se a Deus quer dizer educar o nosso coração a viver sempre aberto e disponível ao que Ele quiser de nós. Neste sentido, consagração é sinónimo de abandono, de obediência e de coragem, porque com o Senhor sabe-se onde começa a aventura, mas não se sabe até onde nos levará.

Falar de consagração significa entrar num mundo em que os nossos parâmetros deixam de funcionar, porque se entra no mundo do mistério de Deus, que rompe todas as nossas lógicas e os nossos cálculos e inverte tudo, tornando-se Ele o protagonista da nossa história e o senhor da nossa existência.

E aqui vêm-nos em mente tantas frases do Evangelho: «Não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos chamei» (Jo 15, 16); «Este é o meu filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado» (Mt 3, 17).

Quanta energia ressoa na mensagem de Paulo, quando recorda como foi escolhido e como, no seu ministério de apóstolo, pôde constatar que «Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu desígnio» (Rm 8, 28).

Então, a pergunta que surge espontânea é muito simples: quem é, no fundo, aquele que se consagra?

Quantas vezes, na nossa vida, teremos de reconhecer que seguimos em frente porque o Senhor não recuou? Até que ponto nos daremos conta de que não foram as nossas qualidades, os nossos méritos ou as nossas virtudes a ter-nos tornado merecedores do dom da escolha que o Senhor fez connosco?

Temos uma grande responsabilidade em manter e fazer crescer a graça recebida desde o dia em que respondemos sim ao Senhor. Teremos sempre presente que Deus chama e não muda de opinião com o passar do tempo? A que fidelidade nos desafia?

O testemunho de São Daniel Comboni

«Necessitando extremamente da ajuda do Sagrado Coração de Jesus, soberano da África Central, o qual é a alegria, a esperança, a fortuna e tudo para os seus pobres missionários, dirijo-me a si, amigo, apóstolo e fiel servidor desse Coração divino, tão cheio de caridade pelas almas mais desventuradas e abandonadas da Terra.

Oh, que feliz sou de passar meia hora consigo para encomendar e confiar ao S. Coração os interesses mais preciosos da minha laboriosa e difícil missão, à qual consagrei toda a minha alma, o meu corpo, o meu sangue e a minha vida!» (Escritos 5255-56).

A consagração do comboniano, para ser verdadeira e fonte de felicidade, procurará sempre responder a esta clara convicção de Comboni, isto é, deverá ser consagração que nasce da experiência do amor que brota do Coração de Jesus. O Coração de Deus que amou tanto a humanidade e que não teve dúvidas em consagrar-lhe o seu filho, o único, por amor.

É deste amor que brota e se alimenta a nossa consagração. É e será sempre deste Coração aberto que poderemos receber a luz e a força para viver somente para Deus e para a sua obra. É do Coração de Jesus que devemos aprender como ser homens de Deus, que encontram a sua alegria em servir a missão com um coração indiviso.

Será sempre o Coração de Jesus que nos ajudará a olhar o futuro sem cair no desânimo, na tristeza ou desilusão, porque do Coração de Deus brotam sempre coisas novas para o bem de todos aqueles que se abrem ao amor.

Como Comboni, temos de aprender a não recear perante as dificuldades da missão que somos chamados a viver. Será sempre uma obra laboriosa e difícil, mas não podemos esquecer que se trata da missão de Deus e não da nossa. É a missão do Senhor, na qual nós somos chamados a ser simples colaboradores, mediações do seu amor.

Como o nosso santo fundador, também nós somos convidados, chamados a viver até ao fundo o dom da vocação missionária aceitando consagrar toda a nossa alma, tornando-nos homens de fé profunda, aceitando com alegria dar testemunho através da nossa pobreza, da nossa castidade e da nossa obediência, e procurando sempre criar ambientes de profunda fraternidade.

Também para nós, o grande desafio da consagração será a disponibilidade a viver sacrificando tudo pelos outros, por aqueles que encontraremos na missão. Isto quer dizer também aceitação do martírio, que nos pedirá fecundar o coração dos nossos irmãos com a nossa vida entregue no quotidiano da existência, no serviço humilde e escondido, na aceitação alegre da renúncia de nós mesmos para permitir a Deus manifestar o seu amor.

Só educados nesta escola de amor que é o Coração de Jesus, seremos capazes de viver em total liberdade a opção pelos mais pobres e dar um rosto ao amor de Deus, através da construção de um mundo mais justo, mais solidário, mais respeitoso e capaz de gerar aquela felicidade que todos temos no coração como o único anseio da nossa vida.

Pedimos a graça de nos tornarmos consagrados alegres e felizes porque portadores no coração do tesouro daquele amor que brota do Coração trespassado do Senhor que São Daniele Comboni descobriu como fundamento sobre o qual construir a sua missão e ao qual se entregou sem limites.

Que a confiança no Coração de Jesus se torne também para nós fonte perene de um amor que nos ajude a viver a nossa consagração como o dom mais belo que nos tenha sido concedido.

Boa festa do Sagrado Coração.
P. Enrique Sánchez G. mccj
Superior Geral