Leigos Missionários Combonianos

Justiça nos Trilhos

Periodicamente estamos a apresentar um relatório sobre a luta contra os impactos dos conflitos de mineração e sócio-ambientais no Maranhão (Brasil).

Hoje, vos convidamos a assistir a este documentário que acabou-se de fazer em parceria com Signis Brasil e onde se apresenta esta realidade. Como a comunidade mantêm-se unida na luta pelos seus direitos e como a Igreja está servindo como apoio e suporte da mesma. Como você sabem também estamos presentes como Família Comboniana. No relatório, você poderá ouvir entre outros ao P Massimo e P. Dário (MCCJ) e a Xoancar (LMC).

Também vos deixamos o artigo publicado na revista Família Cristã para que você possa ler.

100 dias

100 dias100 dias do maior crime ambiental na história do Brasil.

17 pessoas mortas, uma comunidade inteira destruida, lama tóxica que destrói o Rio Doce, caminhando por 600 km até chegar no oceano Antlâtico e contaminá-lo.

100 dias sem nenhum plano concreto de recuperação do rio Doce.

100 dias de impunidade absoluta.

100 dias sem ninguém na cadeia.

 

O dia 5 de novembro de 2015 era um dia tranquilo na comunidade de Bento Rodrigues, pequena cidade no interior do Minas Gerais com 600 habitantes. Naquele dia, às 16.30h da tarde, os celulares dos habitantes iniciaram a tocar como gritos que chegavam de longe. Gritos que avisavam da ruptura da barragem que continham lama de rejeito da empresa mineradora Samarco (Vale).

Um rio de lama a uma velocidade horrível, dirigiu-se aquela comunidade e, dalì a pouco, atingiu outras até entrar no Rio Doce para depois chegar no Oceano e contaminá-lo.

Uma lama tóxica com seus 15 metros de altura, com violência e destruição.

Violência que destruiu para sempre o rio, a vegetação, a fauna, a comunidade, deixando lama vermelha que não permite mais gerar vida.

100 dias se passaram e ainda tudo ficou impune, a notícia ficou de lado como se nada tivesse acontecido, como uma coisa que não interessa mais, para voltar numa aparente e falsa normalidade.

Mas a normalidade é aquela da injustiça, a normalidade é aquela que reina nos lucros desta multinacional, Vale e company, que ainda não arcou com responsabilidade por aquilo que cometeu.

Frente a esta grave situação, o governo estadual não tratou o fato como emergência, deixando à empresa a tarefa de resolver a questão com seus meios, advogado, seu comando operativo de engenheiros e pesquisadores…o seu lucro e interesse.
Em 2013 uma comissão declarou a irregularidade da barragem por causa de um aumento de erosão da montanha que colocava em risco a segurança da mesma. Um anúncio da periculosidade causada de uma exploração do território. Na hora do desastre descobriu-se que a empresa não tinha nenhum plano de emergência e que não foram tomadas medidas de segurança.
Em Minas Gerais, existem 754 barragens que contém lama de rejeito das empresas de mineração e destas, 42 não tem nenhuma certificação de segurança. Corrupção, falsos balancetes, interesses …etc…etc…

Estamos falando de empresas multinacionais que ganham bilhões.

Em Minas, empresas de mineração e políticos foram sempre parceiros como dois velhos amigos, juntos em um sistema que cria vantagens, ganhos, mas não para o bem comum, não para o povo, não para a nossa terra sagrada.
Este desastre ambiental envolve todos , porque os danos são mundiais não somente locais, e será sempre uma grande ferida aberta na história deste país.

Danos permanentemente irrecuperáveis, como a morte de pessoas e de um ecosistema que não será nunca mais o mesmo.

A campanha da fraternidade deste ano da igreja Católica no Brasil, tem como tema “Casa Comum: nossa responsabilidade”. «Scorra come acqua il diritto e la giustizia come un torrente perenne»
(Am 5, 24). A Casa Comum é a nossa Terra, uma casa tão destruída, maltratada e explorada. É preciso trabalhar por uma cultura ecológica que saiba defender, amar e curar o mundo e nós todos somos responsáveis por esta cura.

E no cuidar da terra, é preciso ainda contestar o sistema capitalista que explora, mata e cria desigualdade colocando em primeiro lugar o dinheiro e não o valor da vida.
minas100 dias passaram, 100 dias não foram esquecidos, e não devemos esquecer, não podemos construir o futuro com um presente coxo e doente nem devemos parar de denunciar.

Casa Comum: nossa responsabilidade!

A extração dos minerais por parte das sociedades de mineração destrói as montanhas de Minas, assim como em outros países no mundo.

Durante o trabalho de extração se usam reagentes químicos altamente perigosos que contaminam a terra, os lençóis freáticos e criam barragens de lama tóxica, que colocam em risco a população e as comunidades.

Emma Chiolini LMC (Fonte: artigo de Marcus V. Polignano, revista Manuelzão, UFMG)

Ministério das Cidades seleciona projeto de reassentamento do bairro Piquiá de Baixo

Piquia

No último dia do ano, 31 de dezembro, o Ministério das Cidades publicou no Diário Oficial a Portaria no. 684, com o resultado do processo de seleção de novos projetos para o Programa Minha Casa, Minha Vida, a serem contratados no início de 2016.
Ao todo, foram selecionados projetos para mais de 7.000 habitações. No Maranhão, o único projeto selecionado foi o Reassentamento da Comunidade de Piquiá de Baixo (Açailândia).

Aprovado pela Caixa Econômica Federal (CEF) desde 17 de dezembro de 2014, o projeto esperou mais de um ano para essa seleção acontecer.
O aporte financeiro do Fundo de Desenvolvimento Social vai garantir a construção de 312 casas e a infraestrutura básica, assim como previsto pelo projeto que a Associação Comunitária dos Moradores de Pequiá (ACMP) preparou, com assessoria técnica da Usina – Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado.

A notícia chega logo após outra grande conquista da comunidade: o título de propriedade definitiva do terreno onde será realizado o reassentamento. Após um longo processo judicial de desapropriação por interesse social, no dia 29 de dezembro, a Associação de Moradores recebeu do cartório de Açailândia a escritura com o título de propriedade do “Sítio São João”, terreno de 38 hectares onde irá construir um bairro finalmente livre da poluição.

“Ainda lembro as primeiras manifestações que a gente fez à porta do Fórum de Açailândia, em 2008, batendo nas panelas para conseguir justiça” – lembra dona Luzinete, moradora. “Hoje conseguimos mais um passo decisivo rumo à vitória. Sinto uma grande responsabilidade por isso. Teremos que administrar bem o dinheiro e manter a unidade da comunidade”, conclui.

Os passos rumo ao reassentamento são ainda muitos: primeiro deve se dar a assinatura do contrato entre a CEF e a ACMP; em seguida, deve ser elaborada e aprovada pela CEF uma versão mais detalhada do projeto urbanístico-habitacional, o “projeto executivo”. Em seguida, virá a etapa de construção das casas, na modalidade de autogestão, tendo a Associação e sua assessoria o papel de coordenar as diversas etapas da obra. Todo esse processo deve demorar pouco menos de três anos.

“Mas agora temos a terra e o dinheiro para construir as casas! Não tem mais como voltar atrás” – comenta Ivan Gonçalves, tesoureiro da Associação de Moradores. “No sábado, 9 de Janeiro, a comunidade está organizando uma grande festa de celebração dessa vitória. Logo depois, voltaremos a arregaçar as mangas: Piquiá, reassentamento já!”.

P Dário MCCJ, Xoan Carlos LMC

 

Madeireiros e milícias na Amazônia maranhense

Nota pública de membros de 14 países da Rede Eclesial Panamazônica sobre a violência ambiental no Município de Buriticupu-MA e região

Durante todo o ano de 2015, uma onda de violência e destruição fora de controle parece se irradiar do município de Buriticupu-MA. O centro nevrálgico da atividade madeireira no Maranhão, que já devastou praticamente a totalidade do território do município, continua operante e em expansão para os municípios vizinhos. Como as áreas dedicadas à agropecuária já não possuem mais madeiras de alto valor econômico, o foco de suas atenções agora são as unidades de conservação e as terras indígenas.

Buriticupu

Para tanto, a situação geográfica de Buriticupu é privilegiada. As mais de 20 serrarias ali instaladas procuram madeira na Reserva Biológica do Gurupi e nas Terras Indígenas Arariboia, Caru e Awá, todas num raio de menos de 150 Km.

A atuação do Estado brasileiro frente a esta situação tem sido sempre fragmentada e incoerente. No nível federal, IBAMA e ICMBio têm conduzido operações pontuais de combate à retirada ilegal de madeira. As mais estrondosas com forte aparato de segurança, inclusive com a presença maciça do exército brasileiro, fizeram apreensão de equipamentos para derrubada das árvores e transporte das toras.

Porém, nada é feito para atingir o motor econômico dessa organização criminosa: as serrarias, que continuam em pleno funcionamento e despachando todos os dias dezenas de carretas carregadas de madeira extraída ilegalmente. Essas ações de repressão pontual não resolvem o problema e servem para potencializar a raiva dos madeireiros, colocando em perigo quem defende a Reserva, sejam eles camponeses, ambientalistas ou funcionários públicos.

Por outra parte o INCRA nada faz para que se cumpra a lei. Nem proporciona terras adequadas em outros lugares para que os pequenos camponeses não precisem viver na Reserva, nem desvenda a falsidade dos títulos de terras que os grandes proprietários ostentam, compram e vendem como se fossem válidos.

O Estado do Maranhão, sempre escudado no argumento de que as áreas em conflito são de competência federal, também mantém uma atitude dupla. Se por um lado a Secretaria de Direitos Humanos mostra preocupação com a situação de violência e diz estar em busca de alternativas econômicas para a extração ilegal de madeira, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) licenciou, somente em 2015, sete serrarias no município de Buriticupu, mesmo sem que existam áreas com plano de manejo florestal suficientes para justificar nem uma ínfima parte da madeira comercializada.

A situação de violência chegou ao extremo no território da Reserva Biológica do Gurupi (ReBio), com o assassinato em 25/08 de Raimundo dos Santos, presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da comunidade Brejinho Rio das Onças II. Raimundo foi covardemente assassinado com diversos tiros e golpes de facão. Tempo antes, tinha registrado boletim de ocorrência perante a polícia civil por ameaças. Sua esposa Maria da Conceição também foi alvejada com diversos tiros, presenciou a morte de seu companheiro, mas conseguiu escapar, gravemente ferida. Ela permaneceu internada por quase duas semanas no Hospital Municipal de Açailândia, sob escolta policial.

Na Terra Indígena Arariboia a estratégia dos madeireiros foi tocar fogo na mata para impedir que os Guajajara se organizassem em brigadas para combater o desmatamento. Um grupo isolado de cerca 80 indígenas Awá Guajá ficou totalmente cercado pelas chamas. Quando as equipes do IBAMA chegaram para auxiliar no controle do fogo, madeireiros armados os receberam à bala. Outras áreas indígenas da região continuam visadas e invadidas pelos madeireiros: a Alto Turiaçu (maior área indígena do Maranhão), a Bacurizinho e a Guajajara-Canabrava.

Os episódios cada vez mais frequentes de confrontos armados com equipes de fiscalização, a vigilância e monitoramento a que são submetidas as equipes dos órgãos ambientais, os constantes vazamentos da data e planejamento das operações de combate ao desmatamento e os recentes assassinatos de lideranças camponesas e ambientalistas, permitem-nos afirmar que os madeireiros (principalmente os sediados em Buriticupu-MA) formam uma extensa organização criminosa, com ramificações em vários municípios e agentes infiltrados em vários órgãos públicos (como já demonstrado em algumas operações policiais), que sustenta milícias fortemente armadas e dispostas a atirarem em quem ousar enfrentar o império da lei da força, que é a que atualmente rege esta porção do Brasil.

O Estado brasileiro perdeu totalmente o controle deste território, ao ponto de não conseguir mais nem adentrar determinadas áreas sob controle destes grupos armados. Enquanto isso, os criminosos, com o apoio de alguns parlamentares de todos os níveis de governo e de muitos prefeitos dos municípios afetados, continuam se tornando cada vez mais fortes e donos da situação.

O constante trânsito de caminhões carregados com toras de árvores centenárias, arrancadas dos últimos remanescentes da floresta amazônica do Maranhão, continuam sendo a paisagem urbana mais frequente em Buriticupu.

As entidades abaixo-assinadas, unindo-se ao clamor das comunidades atingidas[1], levanta um apelo urgente a todas as instituições que podem e devem intervir para interromper essa tragédia e evitar a morte da floresta do Maranhão e das comunidades que vivem nela e com ela.

É urgente um plano articulado, permanente e eficaz de interdição das serrarias ilegais da região e do transporte de madeira, bem como um investimento consistente em alternativas produtivas, de manejo e proteção florestal. O Estado, os movimentos sociais, as igrejas e a sociedade civil organizada como um todo precisam aliar-se nesse mutirão em defesa do futuro.

Irmã Dorothy Stang dizia: “A morte da floresta é a morte de todos nós”. A irmã morreu por essa causa, para que a vida nunca mais viesse a ser ceifada na Amazônia.

 

Assinam de Brasil, Colombia, Perú, Guayana, Bolívia, Equador, Chile, Argentina, México, Espanha, Inglaterra, EUA, Canadá, Cidade do Vaticano, em 20 de novembro de 2015:

Dom Leonardo Ulrich Steiner; Secretário Geral da CNBB, Brasília

Dom Belisário da Silva; Presidente Regional Nordeste 5 CNBB, Maranhão

Dom Mário Antônio da Silva; Presidente Regional Norte 1 CNBB, Manaus

Dom Bernardo Johannes; Presidente Regional Norte 2 CNBB, Pará

Dom Philip Dickmans; Presidente Regional Norte 3 CNBB, Tocantins

Dom Neri  José Tondello; Presidente Regional Oeste 2 CNBB, Mato Grosso

Dom Roque Paloschi; Bispo de Porto Velho – RO e Presidente do CIMI

Dom Wilmar Santin. Bispo de Itaituba – PA

Ir. Maria Inês Vieira Ribeiro; Presidente de Conferencia de Religiosos de Brasil

Ir. Irene Lopes; Secretaria Executiva da Comissão Amazônia da CNBB

Ir. Ildes Lobo; Irmãs de Santa Doroteia – Manaus

Ir. Joao Gutemberg; Maristas en la Amazonía – Manaus

Armindo Goes Melo. Yanomami. Director de Hutukara – RR

Raimunda Paixao; Equipe Itinerante missionária – Manaus

Ir. Arizete Miranda; AM

Izalene Tiene; Comité Ejecutivo Ampliado REPAM – AM

Chico Loebens; Comité Ejecutivo Ampliado REPAM – AM

Hno. Darwin Orozco; Capuchinos en la Amazonía – AM

Ir. Julio Caldeira; Consolatos en la Amazonía

Dário Bossi; Missionários Combonianos – Maranhão

Vanthuy Neto; Comité Ejecutivo Ampliado REPAM – AM

Mons. Pedro Barreto; Arzobispo de Huancayo – Perú

Mons. Oscar Urbina; Arzobispo de Villavicencio, Vicepresidente de la Conferencia Episcopal – Colombia

Mons. Walter Heras; Presidente Pastoral Social Caritas – Ecuador

Mons. Rafael Cob; Obispo delegado por la Amazonía de Ecuador

Rafael González Ponce; Presidente/a de Conferencia de Religiosos de Ecuador

Mons. Eugenio Coter; Obispo delegado por la Amazonía de Bolivia

Mons. Julio Parrilla; Obispo vice-presidente de Cáritas de Ecuador

Mons. Omar de Jesús Mejía Giraldo ; Obispo delegado por la Amazonía de Colombia

Mons. José de Jesús Quintero Diaz; Obispo delegado por la Amazonía de Colombia

Mons. Figueroa; Obispo delegado por la Amazonía de Colombia

Mons. David Martínez. Obispo de Puerto Maldonado – Perú

Gloria Luz Patiño; Presidente/a de Conferencia de Religiosos de Perú

Paul Martin, sj; Delegado por Obispo de Guyana

Jaime Campos, OFM; Chile

Alfonso López Tejada. Líder Kukama. Perú;

Elvy Monsanto; Departamento de Justicia y Solidariedad, CELAM – Colombia

Hugo Ramírez; ALER – Perú

Asunta Montoya; SIGNIS – Equador

Mauricio López; Comité Ejecutivo REPAM. Secretario Ejecutivo – Equador

Luis Enrique Pinilla; Comité Ejecutivo REPAM. DEJUSOL – Colombia

Pedro Sánchez; Comité Ejecutivo Ampliado REPAM – Equador

Alfredo Ferro; Comité Ejecutivo REPAM – Colombia

Daniela Andrade; Comité Ejecutivo Ampliado REPAM – Equador

Adda Chuecas; Comité Ejecutivo Ampliado REPAM – Perú

Humberto Ortiz; Comité Ejecutivo Ampliado REPAM – Perú

Romina Gallegos; Red Amazónica Ecuador

Augusto Zampini. Asesor Teológico; Argentina

Ana Cristina García; Cáritas Española

Clare Dixon. CAFOD; Inglaterra

Thomas Hollywood. CRS; Estados Unidos de América

Anne Catherine Kennedy – DP – Canadá
Cristiane Murray; Radio Vaticana

Hermana Mercedes Casas; Presidente de la Conferencia Latino-Americana de Religiosas y religiosos (CLAR) – México

Luz Marina Valencia; Secretario Ejecutivo de la CLAR

 

[1] Veja-se, por exemplo, os desesperados apelos dos Guajajara em Brasília e a campanha de Greenpeace denunciando o incêndio da T.I. Arariboia:

http://www.greenpeace-comunicacao.org.br/email/cyberativismo/2015-10-28m.html

 

A apropriação de terras e a governança justa em África

landgrabA apropriação de terras e a governança justa discutida numa conferência pan- Africana inédita a partir de hoje, antes da visita do Papa a África.

A conferência irá destacar o estado da apropriação de terras em África, casos de resistência em todo o continente, bem como as respostas da Igreja e o seu envolvimento crescente na luta contra esta ameaça.

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Terras da comunidade Gassol, atribuídas a Dominion Farms na Nigéria. Foto por CEED

A apropriação de terras é um problema grave em toda a África, que requer atenção urgente uma vez que ameaça a subsistência e segurança alimentar. Já originou centenas de milhares de pessoas deslocadas das suas terras, privando-as do acesso aos recursos naturais e ameaçando os seus meios de subsistência.

A apropriação de terras e a governação justa, questões que constituem uma ameaça significativa para a soberania alimentar, serão discutidas na conferência “Land Grab and Just Governance in África” , que começa hoje em Nairobi , no Quénia, promovida pela SECAM (Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar ), com a colaboração de AEFJN (Rede África Europa Fé e Justiça ), AFJN (África Faith & Justice Network ) e CIDSE (Aliança de Agências Católicas de Desenvolvimento). O evento reunirá cerca de 150 participantes provenientes do continente Africano e também de fora do continente, incluindo muitas pessoas diretamente envolvidas na resistência à apropriação de terras.

A apropriação de terras é mais frequentemente descrita como a aquisição de grandes áreas de terrenos nos países em desenvolvimento por empresas internacionais, governos ou indivíduos. Nos últimos anos, a apropriação de terras aumentou na sequência da subida a nível mundial dos preços dos alimentos em 2008, levando os investidores a olhar para o Sul Global, particularmente para África, como investimento potencial de terra para produzir alimentos e biocombustíveis destinados à exportação e mercados internacionais. Grandes extensões de terra também estão a ser adquiridas com fins especulativos, conhecidos como “land banking” , onde o comprador detém a terra e vende-a mais tarde.

Entre os casos que serão apresentados durante a conferência, encontra-se o que envolve o projeto italiano Senhuile SA, que arrendou 20.000 hectares de terras na Reserva Ndiaël no Senegal, a terra usada há décadas pelas comunidades de cerca de 40 aldeias da região. Isto resultou num conflito permanente com as populações, que exigiram que o projeto parasse. O caso dos agricultores no Estado de Taraba, na Nigéria, e no Quénia, que estão a ser forçados a sair das terras que cultivaram durante gerações para dar lugar a plantações de arroz da empresa norte-americana Dominion Farms, também será um tema de discussão. Os casos que envolvem o negócio de terras da Bollore na Costa do Marfim, Camarões, Libéria, bem como casos da Serra Leoa, Moçambique, República Democrática do Congo e Mali serão também apresentados.

landgrabEsta conferência tem lugar antes da visita do Papa Francisco ao Quénia , Uganda e República Centro- Africana. O Papa já manifestou grande preocupação com a questão da usurpação de terras. No discurso proferido na FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura da ONU) em Roma em junho de 2015, o Papa advertiu contra a “monopolização de terras de cultivo por parte das empresas e estados trans – nacionais, que não só priva os agricultores de um bem essencial, mas que afeta diretamente a soberania dos países ” . O Santo Padre destacou ainda que “Há já muitas regiões em que os alimentos produzidos vão para países estrangeiros e a população local é duplamente pobre, porque não tem nem comida nem terra”.

Na Carta Encíclica “Laudato Si”, o Papa apresenta mais orientações e indicações em relação aos perigos da apropriação de terras, denunciando uma abordagem exploradora da terra, recordando que ” para eles (as comunidades indígenas), a terra não é um bem económico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem as suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura.”(146). Reforçando a “Laudato Si” e antecipando a COP 21 (Conferência do Clima em Paris), as Conferências Episcopais de todo o mundo assinaram no dia 22 de outubro, um apelo que pede à COP 21 “para garantir o acesso das pessoas à água e à terra para garantir sistemas alimentares sustentáveis e resistentes às alterações climáticas, que dão prioridade a soluções orientadas para as pessoas e não para o lucro.

Esta conferência visa desenvolver estratégias para apoiar e fortalecer as comunidades locais nas suas lutas para deter esta ameaça e para criar resiliência.

landgrab Enviado pelo Flávio Schmidt (LMC Moçambique participante)