Leigos Missionários Combonianos

Comunidade LMC “Ayllu” em Peru

LMC Peru

Ser comunidade é partilhar aquilo que somos com os outros, é ir até às periferias.
Neste vídeo partilhamos aquilo que vivemos em Villa Ecológica (Arequipa, Peru) e o trabalho que desenvolvemos com as pessoas idosas, crianças, famílias e doentes a nível social e pastoral.

Vejam e conheçam o nosso caminho, o que somos, onde estamos e com quem estamos.


LMC Ayllu em Peru

Tu, eu e o nós que Deus nos chama a ser

LMC Peru

Foste a comunidade que nunca escolhi mas com a qual sempre desejei fazer caminho, talvez porque, na diferença encontro um pouco mais de mim e no conjunto revelamos um pouco mais de nós.

Contigo aprendi que a missão não se faz só, e o tanto que preciso de ti. Cruzas-te o meu caminho e ainda que incompreendidamente abriste o coração e aceitaste-me como companheira de caminho, sim, no fundo é um caminho o que fazemos todos os dias neste pedaço de terra do outro lado da realidade que ambas conhecíamos.

Foste a mão estendida quando pensei que nada fazia sentido. Percebi, naquela noite quando orávamos juntas e tudo em mim parecia ruir que, não há erros nos planos de Deus para cada uma de nós. Foste e és o suporte quando tudo parece duro e difícil. És palavra que não esconde, olhos que falam, és tu.

Contigo aprendi as dimensões da partilha e da doação, neste triângulo do amor, numa dinâmica entre o eu o tu e o nós.

És muitas vezes os olhos que vêm para lá do que consigo ver. O coração que me escuta, quando preciso de falar. Os abraços que apoiam e suportam. A mão que sempre se faz presente quando no caminho aparecem os obstáculos. Deus sabe porque te colocou no meu caminho e agora eu também sei. Que Deus me ajude a cuidar-te e a saber decifrar a tua presença na minha vida e no nosso caminhar.

O que juntas conseguimos ser é o que move esta comunidade em busca da missão que Jesus tem para o mundo. Somos silêncio, somos risos muitos, somos críticas e exigência, somos limites e infinito, somos na teimosia das nossas vidas passadas e aprendizagens, somos lágrimas muitas vezes partilhadas entre as minhas lágrimas e o teu ombro ou abraço. Somos oração muitas vezes quando em silêncio olhamos a mesma realidade onde vivemos agora.

Venha quem vier e digam o que disserem, não importa mais. O que verdadeiramente importa é o que nas nossas imperfeições conseguimos ser de Deus.

Somos testemunhas de quem aceita crescer junto. Somos Andrea y Paola (Paula na tua terra natal) as vidas que Deus juntou para caminhar na direcção de um Amor que se aprende diariamente, um amor fruto de falhas, feito de oração, feito de silêncios e muitas vezes olhares que dizem tudo, feito de mãos estendidas e de tarefas partilhadas, de mau humor e teimosias muitas, de perspectivas diferentes e de duas maneiras que se completam de fazer as coisas.

Somos no que cada uma tem de si para dar. Somos no que és e no que me ensinas a ser. Somos no que aprendemos mutuamente. Somos no que sabemos ser-nos. Amor.

LMC PeruQuando me soube chamada à missão soube-me chamada a ser comunidade. Nesse caminho soube que Deus me chamava a ser comunidade com a Andrea (como humildemente chamam à Neuza no Peru). Chegar ao Perú foi saber-me num tempo de travessia do deserto. Ainda assim quando cheguei ao Perú soube-me feliz, irremediavelmente feliz e reconheci que a Andrea fazia parte dessa felicidade. Uma felicidade repleta de obstáculos, dificuldades, alegrias e gargalhadas e por isso uma felicidade completa. Quando fui chamada a caminhar com a Andrea soube que Deus tinha e tem algo a ensinar-me através dela. As pessoas são colocadas na nossa vida para nos fazer crescer, para nos tornar mais santas, para nos ensinar a caminhar e aproximar- nos de Deus. Caminhar com a Andrea exige aceitar que vão haver momentos complicados, difíceis mas que mesmo no silêncio ela está sempre lá. Ela vai saber quando acordas a chorar e vai lá abraçar-te e só se volta a deitar quando estiver segura que ficas bem. Ela vai estar lá a olhar-te quando parecer que o mundo te caiu em cima e invariavelmente vai chorar contigo unindo-se à tua dor. Viver com a Andrea é subir e baixar montanhas com dor na barriga de tanto rir. Com a Andrea sei-me capaz de enfrentar os maiores adamastores que aparecerem no nosso caminho. Com a Andrea não há viagens ou espera de autocarro enfadonhas. Com a Andrea há alegria em cada passo na missão. A Andrea engole cansaço, dor, sofrimento e acompanha-me rua acima e rua abaixo. Com a Andrea encontro Jesus em cada esquina. Viver com ela é uma aprendizagem contínua e um caminho que me proponho a percorrer todos os dias. Sou feliz e confio que somos felizes mesmo nos dias em que estou frágil e tudo parece cinzento tu estás aí sempre desse lado a amar-me tal como sou. Tal como o amor de Deus ser comunidade com a Andrea não é fácil mas é simples basta saber amar e ser amada. Ser comunidade com a Andrea faz-me continuamente lembrar-me da frase do Papa João Paulo II “Amar é um ato de vontade” porque eu quero amá-la todos os dias em cada passo deste nosso caminho.

Não é fácil viver em comunidade e partilhar tudo da nossa vida. Mas quando queremos e fazemos com amor e por amor, quando o fazemos sabendo que é Deus quem nos une, quem está no meio de nós, em todos os momentos e a todas as horas então está tudo bem. Ser comunidade é estar disponível a caminhar não em mim nem em ti mas em nós. Ser comunidade é permanecer unidas nas alegrias e partilhar as cruzes. Ser comunidade é saber dar espaço e abraços de urso. Em comunidade partilhamos o maior dom que Deus nos deu, a nossa vida. Juntas, em comunidade, alegramos uma casa seja ela qual for, rezamos seja lá aonde for, cantamos seja lá aonde for e vivemos em Vila Ecologia na nossa linda casa a que chamamos de lar.

Somos eu e tu, somos Nós.

LMC Peru

Comunidad Ayllu, Neuza (Andrea) e Paula (Paola)

Para além da colaboração: sob o olhar de Comboni

Familia Comboniana«O todo é mais do que a parte,
e sendo também mais do que a simples soma delas
» (EG 235).

Caríssimos/as irmãos e irmãs e leigos missionários combonianos

O encanto e a alegria do encontro impelem-nos a abrir caminhos novos na colaboração entre os Institutos fundados por Comboni ou que nele se inspiram.

Num mundo onde se constroem muros que separam e dividem, num mundo carregado de preconceitos motivados pelas diferenças de raça, línguas e nações e que tem dificuldade em abrir a porta a quem é diferente, sentimos a urgência do convite de Jesus à unidade e à comunhão: «que sejam um só para que o mundo creia» (Jo 17,21). Esta unidade não é só um convite a trabalhar com os outros (colaborar), mas também a aprofundar ainda mais as relações e a procurar de novos caminhos de encontro não fundados nas afinidades de carácter ou de interesses, mas sobre o Evangelho que nos chama a abrir-nos à aceitação do outro com os seus limites, as suas fragilidades, mas também as suas riquezas e belezas tendo em vista uma missão mais fecunda e generativa.

Os últimos decénios trouxeram mudanças sociopolíticas profundas que nos desafiam e nos chamam a procurar novas estruturas para tornar a nossa missão mais actual e significativa. Os movimentos populares pedem participação activa nos processos de decisão. É uma verdade não só na sociedade civil: esta onda de valores democráticos entrou também na Igreja. A realidade laical está cada vez mais presente em diversos ambientes ministeriais que até há pouco tempo atrás eram do domínio exclusivo do clero ou dos religiosos e das religiosas e contribui para a missão na medida em que oferece uma perspectiva própria que ajuda a uma leitura mais profunda da realidade. Juntos com os leigos podemos chegar a âmbitos nos quais a presença comboniana é desejada.

Reunidos como família comboniana no dia 2 de Junho de 2017, por ocasião do encontro anual dos conselhos gerais, para um dia de reflexão, oração e partilha, sentimo-nos interpelados a confirmar e renovar o nosso desejo de um caminho de colaboração mais profunda entre nós. Um caminho já iniciado há muito tempo como família comboniana, mas que é necessário renovar e aprofundar cada vez mais.

Recordamos o documento sobre a «Colaboração para a missão», de 17 de Março de 2002, por ocasião do aniversário da beatificação de Daniel Comboni. Nessa carta desenvolveu-se em profundidade não só o caminho feito e as «indicações operativas», mas sobretudo os fundamentos evangélicos e combonianos da colaboração. De facto, o Espírito de Jesus é o Espírito de unidade que Comboni desejava desde o início para a sua família, «pequeno cenáculo de apóstolos… que juntos resplandecem e aquecem» revelando a natureza do Centro do qual procedem, ou seja o Coração do Bom Pastor (E 2648).

Familia CombonianaDurante a nossa reflexão apercebemo-nos de que já foi feito e ainda se faz um longo caminho de colaboração em diversos modos e situações de vida dos nossos Institutos: basta pensar na partilha a nível de secretariados e serviços gerais, mas também a nível de províncias através da participação em assembleias provinciais, retiros comunitários, celebrações combonianas, cursos de formação permanente. Há também bons exemplos de reflexão e acção pastoral conjunta nos lugares onde vivem juntos membros dos nossos Institutos e dos LMC.

Experimentamos intensamente que o desejo de dar novo vigor ao nosso ser e fazer missão juntos tem a sua origem na pessoa humana – ser em relação –, na Palavra de Deus e na herança deixada pelo nosso fundador Daniel Comboni. Ele queria que toda a Igreja se empenhasse como um só corpo na evangelização da África: «todas obras de Deus, as quais, separadas umas das outras, produzem frutos escassos e incompletos; pelo contrário, unidas e dirigidas ao único fim de implantar estavelmente a fé na África interior, obteriam maior vigor, desenvolver-se-iam mais facilmente e tornar-se-iam grandemente eficazes para alcançar a meta desejada» E1100). Vários são os seus apelos a esta colaboração e, olhando para o seu exemplo, sentimos renascer em nós com maior vigor este espírito de colaboração.

Estamos conscientes de que neste caminho existem também obstáculos que nos podem desencorajar, incluindo uma insuficiente maturidade humana e afectiva, a auto-
-referencialidade, o protagonismo, o individualismo, a falta de identidade, a partilha do dinheiro. Porém, estas situações são ao mesmo tempo um desafio a procurar juntos e com criatividade novas formas de colaboração. Apraz-nos mencionar algumas vantagens de um trabalho de conjunto como Institutos combonianos: a beleza própria da colaboração, a complementaridade, o enriquecimento recíproco, a ministerialidade, o testemunho de viver e trabalhar em comunidade com géneros diferentes, nacionalidades e culturas diversas… Deste modo, não só nos tornamos testemunhas da unidade na diversidade, mas somos sementes de novas comunidades cristãs de irmãos e irmãs testemunhas da Palavra que anunciamos.

Temos um lindo carisma comum que cresceu e se desenvolveu em diversas expressões. Assim a inspiração de Comboni caminha na história para se tornar anúncio do Evangelho a cada geração onde os povos são marginalizados. O carisma cresce e renova-se quando é partilhado com outros que o recriam na particularidade de cada estilo de vida cristã. A diversidade não é uma ameaça à forma própria de ser combonianos, mas reforça o sentido de pertença quando é vivido com simplicidade e se oferece espaço ao outro.

Permitimo-nos, com humildade, sublinhar alguns aspectos para os quais sentimos ser necessário um esforço criativo e audaz a fim de melhorar a nossa colaboração a nível de pessoas, comunidades, províncias e direcções gerais: «É preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós» (EG 235).

Comprometemo-nos a:

  • conhecer melhor a história dos nossos Institutos, fazendo, com gratidão, memória das maravilhas de Deus;
  • conhecer as pessoas e a vida actual dos nossos Institutos, comunicando aquilo que somos o que fazemos, através dos meios que temos para uma maior partilha das nossas actividades e projectos pastorais e missionários, apreciando os esforços que se fazem;
  • reflectir conjuntamente sobre a missão comboniana hoje no mundo: novos paradigmas de missão, ministerialidade (através de pastorais específicas) e interculturalidade. Mais do que dar resposta aos problemas é necessário parar e reflectir para oferecer perspectivas aos nossos Institutos;
  • iniciar comunidades ministeriais intercongregacionais (ou da família comboniana), onde viva no sinal da confiança recíproca. Olhando para o futuro, pensar como se pode reconfigurar a Família Comboninana para melhor testemunhar um trabalho de conjunto;
  • trabalhar juntos a nível de formação na iniciação dos nossos candidatos/as ao carisma e espiritualidade comboniana, partilhando cursos e encontros de formação permanente quando for possível (já foi escrita e distribuída uma carta a todos os formadores dos mccj durante a Assembleia de Formação da Maia, Portugal em Julho de 2017);
  • aprofundar a nossa espiritualidade comboniana e favorecer tempos de discernimento e oração na escuta da Palavra e dos sinais dos tempos em ocasiões específicas da vida dos nossos Institutos, promovendo encontros sobre a espiritualidade comboniana;
  • responder juntos a situações de emergência ou outras que impliquem um esforço comum.

Por ocasião do 150º aniversário do nascimento do Instituto dos Missionários Combonianos e do 25º aniversário do início da configuração dos Leigos Missionários Combonianos, sentimo-
-nos impelidos pelo Espírito a confirmar o esforço de colaboração.

Na certeza de que tudo quanto acima foi dito representa algumas das possíveis pistas para o caminho da colaboração, convidamos-vos a ser criativos e generosos, abrindo-nos ao sopro do Espírito Santo que faz novas todas as coisas e nos impele a seguir em frente com confiança: «O Espírito é o vento que nos empurra para a frente, que nos sustém no caminho, faz-nos sentir peregrinos e forasteiros e não nos permite encostar e tornar-nos um povo “sedentário”» (Papa Francisco, audiência de 31 de Maio de 2017).

Familia Comboniana

Roma, 10 de Outubro de 2017

 

Madre Luigia Coccia (Sup. Geral)

Ir. Rosa Matilde Tellez Soto

Ir. Kudusan Debesai Tesfamicael

Ir. Eulalia Capdevila Enriquez

Ir. Ida Colombo

 

Isabella Dalessandro (Resp. Geral)

Maria Pia Dal Zovo

Mariella Galli

Adília Maria Rodrigues Pascoal

Lucia Ziliotto

 

Alberto de la Portilla (Coordenador Comitê Central dos LMC)

 

Tesfaye Tadesse Gebresilasie (Sup. Geral)

Jeremias dos Santos Martins

Pietro Ciuciulla

Rogelio Bustos Juárez

Ir. Alberto Lamana Cónsola

 

 

 

 

 

 

Edição alemã dos Escritos (Schriften) de São Daniel Comboni

Escritos Comboni en Alemán

Foi um parto particularmente difícil, mas valeu a pena. O último dos filhos de uma família torna-se, às vezes, o filho predilecto de todos. Assim, por ocasião da festa de São Daniel Comboni, celebrada a 10 de Outubro de 2017, os seus escritos e as suas cartas surgem publicados também em alemão. Esta obra, publicada em dois volumes, foi apresentada aos confrades e amigos, durante o Simpósio Missionário de 7 e 8 de Outubro de 2017, em Ellwangen, na Alemanha. Os superiores provinciais ou os confrades que desejarem um exemplar destes Escritos, devem dirigir-se ao P. Anton Schneider, vice-provincial.

Um agradecimento muito especial a todos os que contribuíram e trabalharam incansavelmente para que esta edição se tornasse uma realidade e, em particular, aos padres Georg Klose e Alois Eder, pela tradução, e à Sra. Andrea Fuchs e ao P. Anton Schneider pela redacção final.

Esperamos que este esforço da DSP produza frutos abundantes, isto é, que lendo e meditando as cartas de Comboni, a sua figura se torne mais viva e presente em cada um de nós e entre nós, e se fortaleça, deste modo, a nossa identidade comboniana.

Escritos Comboni en Alemán

Na foto, desde a esquerda: P. Georg Klose, P. Alois Eder e P. Karl Peinhopf, superior provincial da Província de Língua Alemã (Deutschsprachige Provinz – DSP).

comboni.org

O acolhimento dos novos paradigmas e desafios da missão

Paradigma-missione

Retomando a visão do Concílio Vaticano II, o Papa Francisco elegeu o paradigma da «Igreja em saída» como programa missionário do nosso tempo. Esta retomada é significativa porque contextualizada num mundo, o hodierno, que está em forte descontinuidade com o passado. «Não vivemos numa época de mudanças, mas numa mudança de época»: com estas palavras o Papa Francisco recordou-nos que os velhos esquemas com os quais interpretávamos o mundo e a missão já não são eficazes para responder aos desafios de hoje. A nova realidade global pede uma «missão global», considerada em toda a sua complexidade e com pressupostos, estilos e instrumentos renovados relativamente à tradição do passado (EG, 33).

O esquema clássico que via as Igrejas do Norte enviar missionários para o Sul do mundo foi superado pelas transformações dos últimos decénios, com a globalização e uma mobilidade humana que atingiram níveis nunca antes vistos. Também as circunscrições combonianas reflectem esta mudança: na composição do pessoal, no enviar missionários para outras províncias, no facto que a animação missionária é um empenho presente por toda a parte e não mais um campo de serviço exclusivo das províncias do Norte do mundo.

O critério geográfico da missão já não constitui o ponto de referência principal. Permanece a ideia de fronteira, mas esta, agora, qualifica-se nas periferias humanas e existenciais. É um grande desafio para os institutos missionários, cuja maioria dos membros de hoje provavelmente aderiu ao seu instituto identificando a missão com uma particular área geográfica. Há uma ligação afectiva com a geografia e a história; a noção de «missão global» desperta um certo desconforto, o receio de ver-se «bloqueados» no norte do mundo ou na sua província de origem pela ideia que «a missão é em toda a parte», ou «também na Europa». Na realidade, esta preocupação – compreensível e justificada – reflecte ainda o esquema geográfico, que é aquele que dizíamos superado. Como pensar, então, de  modo alternativo, mais correspondente à realidade de hoje?

O Papa Francisco convida-nos a partir das fronteiras, as «periferias que precisam da luz do Evangelho» (EG, 20). Estas não são simplesmente um dado geográfico, mas o resultado de um sistema económico-financeiro que gera exclusão, da cultura do descartável que produz empobrecimento e violência. Levar a luz do Evangelho a estas periferias requer antes de mais inserção, isto é:

  • uma presença radicada no território;
  • um envolvimento na vida quotidiana da gente;
  • uma solidariedade no seu sofrimento e instâncias;
  • um acompanhar esta humanidade ao longo de todos os seus processos, por muito duros e prolongados que possam ser.

Aqui está a chave da aproximação ministerial: este acompanhamento não é genérico, não é uma pastoral ordinária levada às periferias. No Capítulo Geral de 2015, sobressaiu que estamos presentes, inseridos em algumas periferias muito significativas para o nosso carisma, como por exemplo entre os afrodescendentes e os povos indígenas na América Latina, ou entre os povos pastoris e os residentes dos bairros de lata na África. Mas, frequentemente, não há uma pastoral específica que tenha em conta a particularidade do contexto, das situações, da cultura local, da unicidade daquele povo. Uma pastoral que, na complexidade do mundo de hoje, exige a articulação de diversos ministérios e um evangelizar como comunidade. Comunidades apostólicas que não só colaboram identificando e partilhando os próprios dons, mas também que testemunham o Reino vivendo a fraternidade e a comunhão na diversidade.

Todos estes elementos não são «novos»; tomados em si mesmos podem estar já presentes em várias experiências do Instituto e já se falou disso em diversos Capítulos. Mas somos chamados a assumi–los numa nova perspectiva, ou paradigma, ou seja um ponto de vista sobre a missão que reorganize todos os seus aspectos fundamentais. A imagem da «Igreja em saída» é um quadro que sugere uma ideia de missão e uma metodologia pastoral (tomar a iniciativa, envolver-se, acompanhar, frutificar, festejar, EG, 24). É paradigmática, porque pede também que outras dimensões fundamentais, como a formação e a organização do Instituto a vários níveis, se tornem coerentes e dirigidas a esta missão.

A este ponto, como podemos acolher na prática este paradigma e quais desafios temos de enfrentar? O Capítulo sugere-nos começar pela missão, partindo da identificação das prioridades continentais, partilhadas por mais circunscrições e vividas numa mais ampla colaboração, a nível interprovincial ou continental. No contexto de tais prioridades, somos chamados a desenvolver pastorais específicas como a requalificação da nossa presença e serviço missionário. Mantendo assente este ponto central, teremos um ponto de referência para repensar também a formação e a reorganização do Instituto.

  1. Desenvolver pastorais específicas

Desenvolver uma pastoral específica é uma tarefa eclesial, não se pode fazê-la sozinhos. Requer diálogo, participação, colaboração, multiplicidade de competências e experiências. Sobretudo, é preciso um método que permita valorizar todos os contributos, acolher experiências e perspectivas diversas, e criar comunhão na diversidade. Uma pastoral específica é assumida quando, não obstante as variedades de pontos de vista, perspectivas teológicas, sensibilidades e ministérios, todos possam reconhecer-se sem ter de anular o seu sentido de identidade. É um ponto de fundamental importância, especialmente num Instituto que está a crescer em internacionalidade e que começa a viver o desafio da interculturalidade.

Tudo isto é possível partindo da partilha das experiências mais transformadoras em relação à pastoral específica tomada em consideração, com uma aproximação de «inquérito elogioso» (Appreciative Inquiry). A reflexão comum sobre tais experiências regeneradoras faz surgir novas intuições e compreensões daquilo que torna um ministério frutuoso naquele contexto.

Para melhor compreender o porquê da eficácia e para aprofundar as dinâmicas, estas experiências devem ser depois confrontadas com uma análise sociocultural dos contextos da pastoral específica, para captar o quadro de conjunto, as dinâmicas e as tendências.

Da mesma forma, uma reflexão teológica e ministerial específica sobre essa realidade ajuda-nos a concentrar os nossos ministérios de forma mais precisa e a identificar as ferramentas operacionais mais apropriadas.

O próximo passo é o discernimento de alguns princípios que nos podem guiar nesse contexto pastoral específico. Precisamente,  enquanto linhas orientadoras, estes não dão soluções prefabricadas, mas deixam espeço para adaptar-se às situações particulares e para a criatividade. Sobre esta base será possível construir um caminho de comunhão onde experimentar, pesquisar, aprender, partilhar, trocar experiências e pessoal, documentar descobertas e resultados, e assim por diante em ciclos sucessivos de acção-reflexão (Action Learning).

  1. A reorganização

Para conseguir desenvolver e sustentar pastorais específicas é necessário chegar gradualmente a uma reorganização das nossas presenças e modo de operar. Até agora a nossa presença missionária foi principalmente baseada no critério geográfico: os confrades são destinados a uma província e depois, conforme as necessidades, são destinados a uma comunidade. Esta estrutura reflecte o pressuposto que – para lá de alguns serviços particulares – geralmente o trabalho missionário consista em fundar ou levar ao amadurecimento comunidades cristãs ou paróquias. Mas este não é o único modo possível de pensar a organização do trabalho missionário.

Por exemplo, os jesuítas, desde há uns decénios começaram a pensar o seu serviço missionário também como resposta às necessidades humanas dos refugiados (JRS), de pessoas afectadas pela SIDA (AJAN), e às situações de injustiça (centros de fé-justiça – faith-justice). O pessoal é adequadamente preparado e destinado para estes serviços.

Em anos recentes, também o Instituto comboniano empreendeu uma reflexão sobre a aproximação ministerial, visando em particular alguns grupos humanos que sofrem exclusão e ministérios em âmbitos prioritários (DC ’03 n.º 43 e 50; DC ’09 n.º 62-63; DC ’15
n.º 45). Obviamente, o elemento geográfico é imprescindível, porque também estes grupos humanos estão espacialmente colocados, a inserção na Igreja local exige também uma presença paroquial, mas o critério norteador é o ministério específico para com estes povos que requer:

  1. Equipas pastorais. São compostas por diversos ministros, com competências específicas e uma variedade de dons pessoais, que colaboram como equipa. Vista a complexidade do mundo de hoje, é oportuno juntar competências de vários géneros, incluindo, por exemplo, as competências nas ciências humanas e sociais. A diversidade de competências é de ajuda na colaboração; a diversidade de nacionalidades e culturas no seio da equipa, vividas na fraternidade, são um sinal profético num mundo cada vez mais dividido e em conflito. Esta comunhão/solidariedade é o que distingue uma equipa pastoral, que não é só uma equipa de trabalho harmonizada e eficaz, mas uma fraternidade de discípulos-missionários. Evidentemente, comunidades de grandeza média terão maiores possibilidades de ser significativas, podendo reunir competências e ministérios complementares e transversais (como por exemplo JPIC), absorver melhor as ausências devido a férias ou por motivos de saúde, desenvolver uma reflexão mais rica e partilhar competências e recursos com outras comunidades empenhadas na mesma pastoral específica. Isso exige uma redução do número de comunidades, mas facilita o trabalho em rede, desde o nível local ao interprovincial.
  2. Trabalho em rede. A equipa pastoral não trabalha isoladamente, mas, acima de tudo, está inserida e colabora com a Igreja local. Até vai mais além, cooperando com várias componentes da sociedade civil para uma transformação social inspirada nos valores do Reino. Há também outros níveis de colaboração que a experiência nos mostra como críticos: por exemplo, o fazer rede com outras comunidades e equipas ministeriais, seja a nível regional, seja à escala internacional. Sem este suporte e contínuo estímulo à abertura e ao crescimento, ao intercâmbio e à partilha de recursos, uma equipa local bem depressa se encontrará com pouco oxigénio. Sobretudo no que diz respeito à pesquisa, à experimentação, à aprendizagem contínua e à reflexão sobre as boas práticas e a inovação. O mundo continua a deslocar-se, ao passo que a equipa se arrisca a deter-se e a fossilizar-se, ou a reagir às situações em vez de responder-lhes criativamente.
  3. Estruturas de apoio. As várias equipas empenhadas numa mesma pastoral específica a nível local têm necessidade de estruturas de ligação e de apoio. Este seria também o melhor contexto para propor percursos de formação permanente, pesquisa e experimentação para melhor acompanhar a gente no seu caminho de inclusão e transformação. A colaboração com instituições académicas e de pesquisa, por exemplo, pode ser um recurso útil, como também secretariados específicos e processos de pesquisa e acção participada. É preciso também repensar as estruturas em que vivemos ou que administramos no nosso ministério. Estas, de facto, podem entrepor um certo distanciamento entre a gente e os missionários, ou até simplesmente absorvê-los tanto na administração que percam o contacto directo com as pessoas ou a disponibilidade para caminhar ao lado delas. De notar, além disso, como também o Fundo Comum Total é uma oportunidade que pode ajudar-nos a fazer uma programação participativa e responsável no contexto de uma pastoral provincial específica. A dimensão económica, de facto, relaciona-se com as escolhas de estilo, meios, cooperação e programação de um sector pastoral, com o qual interagem os projectos comunitários. Por fim, a redução dos empenhos e a requalificação das presenças e serviços missionários requeridos pelo último Capítulo Geral tornar-se-ão uma realidade se tivermos os instrumentos e o método para os realizar através de caminhos de comunhão, inclusivos e participados. É nesta vertente que se joga a eficácia de uma liderança que não seja apenas administrativa, mas que nos conduza a uma nova primavera.
  1. Uma formação visada

Também a formação de base deve ser revista para desenvolver competências ministeriais, sobretudo no que concerne o curriculum dos escolásticos. Os programas de Teologia, que geralmente oferecem uma preparação teológica e académica, não formam necessariamente para as atitudes e competências úteis à aproximação ministerial, nem fornecem apoio, metodologias e instrumentos práticos que tanto ajudariam a uma pastoral específica. É óbvio que um curriculum de estudos será tanto mais útil quanto for ao encontro das escolhas de ministérios específicos do Instituto. Poder-se-ia, portanto, pensar na possibilidade de caracterizar a formação nos escolasticados como orientações coerentes com as prioridades ministeriais do continente em que se encontram. Ainda que depois um confrade se encontre a trabalhar noutros contextos, as competências ministeriais adquiridas serão em parte transferíveis e, em qualquer caso, uma melhor base para aprender outras.

Em conclusão, o acolhimento do novo paradigma de missão não significa deitar fora o passado para introduzir só coisas completamente novas. Antes, trata-se de reorientar e integrar os diversos aspectos da vida e do serviço missionário (pastorais específicas, pessoas, reorganização, economia) em torno da visão de missão indicada pelo Capítulo e dos processos participativos de requalificação das nossas presenças e serviço missionário.

Ir. Alberto Parise mccj

Perguntas

  1. Para desenvolver pastorais específicas é pedida uma leitura aprofundada da realidade. É prática comum (nas comunidades, zonas, circunscrições e continentes) uma leitura da realidade (através da adopção, por exemplo, do circulo hermenêutico) para identificar necessidades pastorais e adoptar modalidades de presença e de intervenção que encontrem tais necessidades?
  2. Quais passos foram dados na circunscrição para repensar os objectivos, a estrutura, o estilo e os métodos de evangelização segundo uma óptica ministerial?
  3. Ministérios específicos (que concernem, por exemplo, os afrodescendentes e os povos indígenas na América Latina, os povos pastoris em África e os residentes dos bairros de lata, os refugiados, etc.) exigem, além de equipas pastorais, um trabalho em rede e estruturas de apoio que tenham perspectivas pastorais continentais. Quanto é que a nossa programação pastoral consegue superar os limites geográficos das circunscrições e adoptar uma aproximação continental? Quais estruturas continentais deveriam ser reforçadas para favorecer um critério continental às necessidades pastorais comuns?