Olhos que buscam no marulhado da densa floresta o horizonte
Com a mesma intensidade de ontem, seu sorriso está carregado de esperança e alegria
Hoje os dias de escola fazem parte de um passado próximo, mas já longínquo.
Brinca à sobrevivência com a sua família
Sonha um dia poder ser passageiro, motorista ou simplesmente observador do lindo carro que passa ao lado de sua casa.
Sonha com roupa lavada, sempre que o homem branco reluz.
Sonha com o simples toque de mão, da saudação demorada
Este menino de pé descalço e de sorriso fácil, quer um dia ser como “Tu”.
Dentro da sua casa feita de papel verde e cola vermelha está a pequena fogueira que insiste em aquecer o frio que se faz sentir
O manto vermelho desta terra consumida pelo sol, ficou agora pintado com o calor incandescente dos corpos que se enroscam entre si formando uma grande tela, feita de tinta humana
Este menino quer um dia ser como “Tu”.
Sonha um dia poder ter uma árvore só para si cheia de frutos para comer e partilhar
Sonha com a possibilidade de entender o que os livros dizem
O sol espreita entre a bruma da manhã, é hora de levantar e escutar o que diz o vento
O dia é pautado pela preguiça da rotina diária e repetitiva.
Hoje o pequeno André vai partir à floresta profunda
Vai ao encontro das majestosas e antigas árvores, são elas as mestras do seu mundo
Caprichosamente, nesta época do ano, elas se vestem com as mais lindas e gostosas borboletas
A família está feliz, o perfume que as flores emanam falam de abundância.
Num ato pouco demorado tudo está pronto para a viajem
Mama de bebê atado ao peito, de cesto às costas e na cabeça o que ficava esquecido, serpenteia no Caminho já traçado pelo tempo
Papa de machete na mão vai abrindo caminho, pois o arvoredo insiste em tapar o que é seu.
André imita seu pai com a pequena faca sem cabo, rasga as folhas densas como um verdadeiro menino da floresta, faz vida com a sua alegria, ele pode sonhar com coisas que não são suas, mas sua pele suada brilha orgulho e honra de ser pigmeu.
Fogo que em lava escorre e brota no lugar mais recôndito do meu ser..
Ele nos deu a comer do Seu Pão e a beber do Seu Vinho …!!
E nesta simplicidade nos fez seus Filhos mais amados e desejados por Todos aqueles que o procuram Viver…
Viver do, com e por Seu Amor…
Ele está em mim, e eu Nele.
Meu coração é o Sacrário, o Templo da Ressurreição.
Ele se faz renascer nas feridas mais profundas deste Povo Irmão.
Povo que sofre de Sacrário aberto para Todos.
Povo que grita silenciosamente aos ouvidos doentes pela ambição.
Povo de pé descalço, de pé gretado pela terra seca e lameada.
Corpos magros, secos, fortes, bem delineados, cobertos pelas veias que palpitam carregadas da mesma lava que me sustenta.
A diferença entre nós é nenhuma, as lágrimas, os sorrisos, as dores, os suspiros abafados nas mãos carregadas de esperança e desejo de Amor. São iguais, os mesmos, autenticamente os mesmos…
São muitas as vezes que te vejo na carne vermelha e quente das feridas que tento cuidar com o toque das minhas mãos.
Com ternura e delicadeza aconchego no meu peito a tua dor e deixo chorar meu coração, pois és Tu que te apresentas para mim no rosto do papa, mama, crianças…
A desigualdade, a indiferença, o egoísmo, os direitos humanos mutilados me deixam completamente desintegrada…!!
O peso da minha realidade aumenta a minha capacidade de discernimento e resiliência.
Com muito carinho envolvo com tecido branco impregnado com teu bálsamo de amor, as feridas tuas que também são minhas…
São muitas as vezes que no meu consciente tenho presente o “Não” ao teu apelo.
Mas aqui estou Senhor ao Teu dispor dá-me as ferramentas para que possa trabalhar na seara do Teu vasto e grande Amor…”
A missão se faz em “Todo” o Lugar em que “Tu” estás…!!
Cristina Sousa, Leiga Missionária Comboniana em Mongoumba
1 de Junho de 2023. Missão de Mongoumba, África Central
A 1 de Junho de 1998, Teresa Monzón e Montserrat Benajes, Leigas Missionárias Combonianas (LMC) de Espanha, chegaram à missão de Mongoumba, na África Central. Vieram substituir as leigas italianas Marisa Caira, que prestou 21 anos de generoso serviço, e Lucia Belloti. Desde então, passaram pela missão mais leigos e leigas, incluindo um casal, de Espanha, Portugal, Itália e Polónia. E muito em breve chegará uma leiga do Brasil.
Actualmente, são três as LMC que desenvolvem o seu trabalho missionário em Mongoumba: Marcelina (Polónia), Cristina (Portugal) e Teresa (Espanha). Esta última é a mesma leiga que iniciou a missão dos LMC há 25 anos, e desta vez veio para servir durante uma temporada.
O grupo dos LMC, que juntamente com os padres combonianos formam a comunidade apostólica da missão, assumiu várias tarefas durante este tempo, como os cuidados de saúde, a reabilitação física, a educação escolar e o povo Aka (pigmeu). Acompanharam também os grupos pastorais da paróquia. A sua presença e o seu trabalho missionário têm como objectivo ser um testemunho para os fiéis da paróquia, para os motivar a viver a sua fé com maior entusiasmo e dedicação.
Aos LMC não faltaram momentos de provação, como quando em 2000 tiveram de se ocupar, juntamente com os Médicos Sem Fronteiras, de numerosos refugiados da República Democrática do Congo, onde uma aldeia vizinha da missão de Mongoumba estava a ser vítima de bombardeamentos. Também quando tiveram de assumir o trabalho pastoral, porque durante dois anos ficaram sem padre na missão. E nas vésperas do golpe de Estado de 2003, tiveram de viver o saque da missão por soldados congoleses que apoiavam o presidente que foi deposto. Sem esquecer o golpe que se seguiu em 2013, onde testemunharam a insegurança e a desolação em que a população se encontrava.
Mas estas mesmas provações, como tantos outros desafios, longe de enfraquecerem o seu espírito missionário, deram-lhes coragem para resistir e enfrentar uma missão que ainda está a dar os primeiros passos, com a firme esperança de que o Senhor fará frutificar a semente que agora é a sua vez de lançar. Uma missão que a leiga Cristina resume com estas palavras: “Para além das actividades, o mais importante é ser com as pessoas e estar para as pessoas”.
Parabéns aos LMC pelos 25 anos de presença na República Centro-Africana.
P. Fernando Cortés Barbosa, Missionário Comboniano
Aos 51 anos, a maiata Cristina Sousa tem já uma experiência enriquecedora de dois anos de voluntariado na República Centro-Africana para mostrar através de fotografias.
Como Leiga Missionária Comboniana não quis deixar de registar fotos, como amadora, um povo que a aproximou do melhor que há no mundo. Agora, está a organizar com a Câmara da Maia uma exposição de que ouviremos falar em breve.
Cristina Sousa é de Gueifáes, Maia, e em janeiro de 2018 partiu em missão de voluntariado para a República Centro-Africana, para a região de Mongoumba, onde esteve em contacto com o povo Pigmeu. Quando regressou a Portugal, dois anos depois, sentiu a necessidade de partilhar os registos audiovisuais que foi coletando ao longo da jornada para dar mais visibilidade ao quotidiano deste “povo maravilhoso”.
Cristina Sousa é Leiga Missionária Comboniana e, segundo ela, ser missionária é uma vocação, algo que nos acompanha no interior”. Cristina afirma que para se tornar missionária teve de integrar uma formação de três anos. “Somos preparados espiritualmente, aguardamos e depois somos enviados”, explica. Envio esse, que é feito pela equipa responsável pelos Leigos, mas para que Cristina “é algo interior, onde sentimos que é Deus que nos envia”.
A missionária já integra este caminho há cerca de 5 anos e segundo ela “não precisamos de ir para fora para sermos missionários”. A necessidade de ir ao encontro “do nosso irmão”, como explica Cristina, “é algo que nasce e que ferve dentro de nós” e se a necessidade não for alimentada “não andamos bem”.
Povo Pigmeu é “extraordinário”
A sua primeira e única missão até à data foi na República Centro-África, “mesmo no coração de África”, onde partilhou experiências com os Pigmeus. Segundo Cristina Sousa, o povo Pigmeu é “extraordinário e muito particular, são de uma humildade e de uma simplicidade que só la senti e vivi”. Por isso, considera que foi um “privilegio viver com este povo, ser acolhida, conquistada e conquista-los também”.
O povo Pigmeu mora em acampamentos “pouco populosos” e espalhados pela floresta, e o objetivo dos Leigos Missionários Combonianos é ajudar na integração em aldeias. “Quase nunca são bem acolhidos, porque vivem na floresta e são bastante discriminados”, explica Cristina. “Eles são explorados e não têm acesso à escola, nem ao hospital”. Assim, o papel dos Leigos é servir de “ponte nessa integração”.
Atualmente, devido ao trabalho feito por missionários como esta maiata, já existem muitas crianças a frequentar escolas e mais acesso à saúde, no entanto a discriminação continua a ser bastante visível entre os povos. Cristina afirma que uma das suas maiores preocupações é o facto de não existirem registos deste povo “como pessoas, é quase como se não existissem”.
Na tentativa de conceder alguma identidade a este povo, Cristina Sousa viu-se confrontada com a realidade do mesmo, porque “eles são nómadas, as suas casas não são protegidas da chuva, nem têm como guardar documentos nas suas roupas”. Deste modo, a existência de documentos de identificação pessoal é quase inviável.
Segundo a Leiga Missionária Comboniana “o processo de Inculturação requer muito cuidado”, pois “vamos com os nossos ideais e temos de perceber que eles têm os deles. O nosso carisma principal é Salvar África com África. Ou seja, ajudar na formação do africano para que ele caminhe por si próprio”. Deste modo, a função dos Leigos é “estar, testemunhar e transmitir a Boa Nova”. A partilha de conhecimentos ao povo africano é, segundo Cristina, “bastante difícil, porque depois vamos embora e eles podem até nem ter percebido muito bem o que foi transmitido”.
Cristina Sousa regressou da república Centro-Africana mesmo no limite do 1º confinamento.
Quando Cristina Sousa regressou para Portugal, em fevereiro de 2020, afirma que foi uma questão de sorte não ter sido “apanhada nos aeroportos” pois, duas semanas depois, o país entrou no primeiro confinamento. Para receber notícias de África, Cristina tenta estabelecer contacto com “compatriotas portugueses que se encontram na capital, padres e irmãos”.
A pandemia do Covid-19 é “incontrolável na República Centro-africana”. Segundo Cristina, por carência de recursos económicos e “falta de locais próprios, as pessoas não têm acesso a testes e por isso, nunca se sabe a real causa da morte”, No entanto, “devido à esperança média de vida rondar os 40 anos, o número de idosos é extremadamente reduzido e por isso acredito que lá a Covid-19 não seja tão agressiva e resistente”.
Relativamente às medidas de prevenção como a utilização de proteção facial que “às vezes enviam-me fotografias ou vídeos e vê-se as pessoas de máscara”. O que para ela “não faz muito sentido, pois na hora de dormir estão todos juntinhos”.
Para ela falar em covid nestes cenários é ainda mais difícil, até porque existem outras doenças mais graves há vários anos a matar, como a malária, a ébola e a lepra, por exemplo, em que morrem milhares de pessoas diariamente. “Há imenso tempo que isto acontece e ainda não existe uma vacina”, acrescenta.
As desigualdades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento “mantêm-se muito presentes” e Cristina Sousa explica que não compreende “a falta de manifestações sobre os direitos dos povos africanos”.
Cristina gostava de ver mais luta pelos direitos dos africanos.
“Vejo muitas manifestações dos direitos humanos e dos animais, mas e estas pessoas? É importante irmos para a rua manifestar a desigualdade”.
Contudo, Cristina reflete que nem tudo é mau. “Se calhar também estragamos um pouco o equilíbrio destes povos, porque fomos para lá mostrar uma realidade diferente da que eles conhecem. Eles vivem da natureza e não podemos tirar-lhes a natureza”. Segundo ela “existe aqui um paradoxo que exige reflexão”.
A Leiga Missionária Comboniana refere também que viu “crianças morrer com picadas de serpentes e outras coisas simples”. Coisas que “se se passassem no ocidente, não culminavam em mortes. É difícil gerir as emoções, porque pensamos sempre que se essas pessoas tivessem nascido noutro lugar, não era assim”.
Ao longo da sua missão, Cristina Sousa foi capturando com uma máquina fotográfica os tempos que passou com o povo Pigmeu. De forma amadora, esta maiata foi registando o quotidiano deste povo sui generis com o propósito de “divulgar a mensagem que a imagem transmite, isto é, dar a conhecer este povo maravilhoso. O nosso dever como missionários é trazer a realidade deles para cá e de alguma forma sensibilizar um pouco as pessoas para outras realidades”.
Cristina Sousa está atualmente em negociações com a Câmara Municipal da Maia para que os seus registos fotográficos possam ser expostos e partilhados com a comunidade de onde é natural. Ainda com local e data por definir, Cristina Sousa espera poder partilhar o quotidiano dos Pigmeus com os seus conterrâneos.
A missionária defende que “a partilha do que nós temos e do que os outros nos podem dar é o que nos desenvolve com pessoas. A troca de experiências de diferentes realidades é, no fundo, o que nos enriquece e faz crescer”.
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