Vos apresentamos uma entrevista à Cristina Souza sob a sua experiência missionária na República Centro-africana.
Leigos Missionários Combonianos
Vos apresentamos uma entrevista à Cristina Souza sob a sua experiência missionária na República Centro-africana.
Partilhar o amor de Deus com os demais, receber e dar, determinaram a nossa vocação missionária (Irmã Vicenta Llorca, Irmã Missionária Comboniana há mais de 40 anos na Etiópia e Pedro Nascimento, Leigo Missionário Comboniano, há dois anos na Etiópia). Tal como fez com Abraão, também a nós, através da oração e discernimento pessoal, Deus disse: “Deixa a tua terra e vai para a terra que eu te indicar” (Gen 12,1). O nosso destino foi a Etiópia, país cheio de sol e de hospitalidade. A Etiópia é um país lindíssimo, com uma grande riqueza histórica e cultural, cheio de tradições e com imensos povos, com grande diversidade linguística.
Benishangul-Gumuz faz parte de uma das regiões da Etiópia e uma das suas tribos aqui presente é a dos Gumuz, gente de carácter forte, disposta a lutar para defender-se em muitos sentidos. O nosso trabalho missionário é especialmente desenvolvido entre os Gumuz.
O nosso primeiro impacto foi muito bom, pois sempre quisemos partilhar a nossa vida com gente simples, como esta. A comunidade das Irmãs Combonianas, situada em Mandura, oferece serviços como a educação, a saúde e a pastoral catequética. A comunidade dos Leigos Combonianos (David Aguilera e Pedro Nascimento) vive com os Missionários Combonianos, em Guilguel Beles, a 10 quilómetros de distância de Mandura e procuram auxiliar ambas as comunidades nas áreas da educação e pastoral catequética, bem como no acompanhamento de alguns doentes.
Nós, Ir. Vicenta e Pedro, trabalhamos na pastoral e no serviço social, pois uma pessoa completa-se desenvolvendo alma e corpo. Uma das actividades que realizamos juntos é o acompanhamento da catequese das mulheres no seu desenvolvimento espiritual, humano e material. Sabemos que a mulher tem um papel importante na transformação da sociedade e aqui elas precisam de descobri-lo. A mulher Gumuz trabalha imenso e é muitas vezes negligenciada nas oportunidades tais como a educação, onde o aproveitamento escolar não é uma prioridade, especialmente, para as mulheres e raparigas. Estas têm, especialmente, que trabalhar no campo, apanhar lenha para cozinhar, carregar água do fontanário ou do rio, carregar pesados sacos com cereais (fruto do trabalho do campo), cuidar dos filhos, cozinhar… A vida da mulher Gumuz é difícil e cheia de sacrifícios e de trabalho árduo.
Reunimo-nos todas as semanas com um grupo de mulheres e elas elegeram um nome para o grupo: “Construtoras da Paz”, nome devido à situação de guerra que temos vivido por mais de dois anos, na nossa zona. Neste grupo partilhamos a Palavra de Deus, rezamos pela paz e tomamos juntos um café com a colaboração económica de todas, e fazemo-nos próximos nas experiências de dor e sofrimento que vivemos, fortalecemos a amizade, partilhamos sonhos e aspirações para o futuro. Estes encontros dão-nos a possibilidade de nos conhecermos e estar mais perto uns dos outros. É nosso desejo, segundo as nossas possibilidades, desenvolver actividades que possam ajudar as mulheres na parte económica, já que elas têm um papel importante na manutenção da família.
Tudo isto é muito bonito e atractivo, mas a vida humana está composta de tempos felizes e tempos dolorosos, dias de luz e dias de escuridão.
Devido a confrontos étnicos, sobretudo pela posse da terra, a estabilidade social piorou, muitos foram mortos, aldeias foram queimadas, algumas colheitas foram roubadas por oportunistas, muitos inocentes postos na prisão sem saber os motivos, as escolas e postos médicos fechados devido à insegurança, temendo que os estudantes sejam atacados pelos rebeldes e os professores e enfermeiros atacados e sequestrados, já que a maioria deles pertencem a outro grupo étnico. Infelizmente esta tem sido a nossa realidade nos últimos dois anos vivendo-se, ora momentos de paz, ora momentos de conflitos e insegurança. Porém, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor (Rom 14,8) e Ele connosco sempre está e nos acompanha.
Na missão das Irmãs, algumas mulheres pediram a protecção por umas semanas, ficando lá a dormir. A situação piorou e decidiram escapar para o bosque onde se podiam esconder. Quando a situação se acalmou, pouco a pouco, as famílias foram regressando às suas cabanas. Como referimos, anteriormente, esta situação tem-se repetido por dois anos e juntos experimentamos a dor, a insegurança mas também a protecção de Deus. As obras de Deus nascem e crescem aos pés da Cruz, dizia São Daniel Comboni.
Nada disto estava contemplado quando cheios de ilusão, chegámos a esta missão, mas decidimos fazer causa comum com este povo, partilhando os momentos bons e os maus, decidimos permanecer aqui e abandonarmo-nos nas mãos de Deus. Viveram-se tempos muitos difíceis e a nossa presença aqui, no meio das dificuldades, pretende ser testemunho da fidelidade a Deus manifestada na fidelidade ao povo com quem partilhamos a vida. Foi Jesus quem nos disse: “Eis que estou convosco todos os dias, até ao fim dos tempos” (Mt. 28,20).
No meio da dor, de ver sofrer a gente que escapa, dos que sofrem quando choram os seus entes queridos seja porque estão mortos ou porque privados de liberdade, tudo isto se converteu em tempo de graça que nos ajuda a fortalecer a fé e a fidelidade a um povo que vive tempos de sofrimento. Fazer minha a dor do outro, demonstra-nos o quanto o outro é importante para nós, o quanto lhes queremos bem. Ensinava São Daniel Comboni, faço causa comum convosco e o dia mais feliz da minha vida será aquele em que der a minha vida por vós.
Neste momento fazem-se negociações de paz entre o governo e os grupos rebeldes, as escolas e postos médicos (alguns) começam a abrir. Em nós, há a esperança de que se possam viver momentos de paz, felicidade e prosperidade.
Rezem por nós e por estes povos da Etiópia, pois a esperança não a podemos perder, rezem para que consigamos arranjar suporte para desenvolver actividades económicas com as mulheres e ajudar as famílias em necessidade, rezem pela paz e pela comunhão fraterna.
Vicenta Llorca, Irmã Missionária Comboniana e Pedro Nascimento, Leigo Missionário Comboniano
No passado dia 31 de Janeiro transmitimos em direto através da página de facebook dos Leigos Missionários Combonianos de Portugal as “Conversas Missionárias com Etiópia”. Nesta conversa entre os três LMC, David Aguilera – LMC de Espanha – e Pedro Nascimento – LMC de Portugal – partilharam sobre a vida que brota na missão que vivem como comunidade desde 2019 na Etiópia. Responderam sobre assuntos relativos à resposta ao chamamento para a vocação missionária, a preparação para a partida para a missão e as vivências e dificuldades em missão.
“Para mim foi uma partilha muito bonita e intensa, também com um significado especial para mim, já que também vivi durante algum tempo aquela missão e a sigo trazendo no meu coração a ela e a todas as pessoas que conheci na Etiópia e em todo o percurso que me levou até esta missão enquanto LMC. É muito bom sentir que os meus companheiros de missão fazem um caminho bonito, difícil mas com a vontade de servir e de se deixarem conduzir pelas mãos de Deus!”, refere Carolina Fiúza, a LMC Portuguesa que entrevista os dois LMC, e que esteve também com eles em missão em 2019.
Assim, em pleno tempo de confinamento que vivemos atualmente, no intuito de estimular o ritual de ficar em casa mas com amor, partilhamos um testemunho missionário que, certamente, tocou muitos.
LMC Portugal
Descobrir a missão e cuidá-la é também olhar para pequenos retratos e imagens que captam a alegria imensa que é ser missão, neste caso, entre os GUMUZ. Os Gumuz (habitantes na região de Benishangul-Gumuz) são o povo que Deus destinou aos nossos amigos LMC na Etiópia como lugar de missão e de partilha. Foi para ali que foram ao encontro do amor e hoje, neste vídeo, vemos um pouco (só um pouquinho…) daquilo que é o trabalho missionário. O resto do que possa ser partilhado (e que é tanto) fica para uma boa dose de conversa e escuta sobre o testemunho destes missionários.
LMC Etiópia
Queridos familiares, amigas e amigos,
Espero que este e-mail vos encontre bem. Espero que toda a família esteja bem.
Graças a Deus estou bem.
Começo a sentir o forte calor, quase sempre de 40 graus que aqui se faz sentir. O calor que não se compara ao mesmo calor que sinto quando visito famílias, brinco com crianças ou trabalho com esta gente maravilhosa. Como dizia São Pedro, “como é bom estar aqui” (Mt 17,4).
Continuo envolvido na Biblioteca. Graças a Deus e à generosidade de algumas pessoas, foi possível comprar mais alguns livros para a Biblioteca. Os estudantes que aparecem podem ter acesso aos livros escolares básicos. Duas senhoras portuguesas, que aqui vieram trouxeram calculadoras e outro material. Muitas vezes procuro ter cadernos escolares e canetas e oferecer àqueles que não têm possibilidades económicas mas que revelam grande interesse. Sempre que solicitam algum livro em específico tentamos comprar. O seu tempo não é como o meu e posso ter dias em que me aparecem 2 ou 3 como ter dias em que me aparecem 20. Mas, como os compreendo. Jovens, com trabalho a fazer no campo, a estudar, com família e alguns com 2 ou 3 filhos, já. Como poderão ter tempo para a Biblioteca. A verdade é que arranjam e quando vêm estudam, há silêncio e isso deixa-me bastante alegre.
Continuo a ter um grupo fiel nas aulas de inglês e de informática. Eles gostam, têm desejo de aprender e eu, não sendo um especialista, tenho muito gosto em ensinar-lhes.
Tenho um grupo de estudo da Bíblia, em inglês, com 4 catequistas. Lemos a Bíblia, explico palavras em inglês, meditamos os textos, por vezes vemos filmes religiosos em inglês. Sinto-me muito feliz com eles.
Costumo ir brincar na escola que ainda alberga famílias refugiadas. Comprámos uma bola e isso é suficiente para reunir os jovens e para desfrutarmos de bons momentos.
Duas vezes por semana, no mínimo, acompanhamos os catequistas nas aldeias, visitamos famílias, brincamos com as crianças. São momentos que nos enchem o coração. Estar com as pessoas é fundamental na vocação missionária.
Com os Missionários Combonianos, com quem vivemos, todos os dias temos missa às 6.30 e todos os sábados fazemos uma hora de adoração eucarística. Às quintas-feiras vamos a casa das Irmãs Missionárias Combonianas, também com elas, temos uma hora de adoração eucarística e jantamos juntos. Às quartas-feiras eu e o David temos oração comunitária.
Apesar de todo este trabalho é desejo dos Leigos Missionários Combonianos, eu e o David (meu companheiro de comunidade) incluídos, iniciar uma nova presença missionária entre o povo Gumuz. Não somos os primeiros LMC na Etiópia mas somos os primeiros a trabalhar e a viver entre os Gumuz.
Assim sendo, estamos a visitar as comunidades, falamos com as pessoas, analisamos a situação concreta de cada vila e das famílias.
Infelizmente o carro que temos não nos permite esse trabalho contínuo. As estradas são péssimas e requerem uma carrinha razoável. Depois de um mês, só agora retomámos a brincar com as crianças das aldeias pois o nosso carro estava no mecânico, o que acontece com muita frequência. Para além de que continuamente estamos a pagar essas despesas. Será necessário comprar um novo carro que nos permita continuar o nosso trabalho.
Para além disso é nossa intenção construir uma casa numa das aldeias, junto das pessoas, e viver com elas. Juntamente com a casa iremos iniciar projectos. Ainda estamos a definir os projectos mas a construção de um jardim de infância para as crianças que passam o dia sozinhas, sem qualquer adulto e de um Lar de estudantes, que permita a alunos irem à escola, quando muitos não podem ir ou fazem 30 quilómetros diários para irem à escola são os projectos que nos parecem mais viáveis, tendo em conta o que já analisámos e ouvimos de jovens e adultos.
Infelizmente para realizar estes projectos será necessário dinheiro. Por isso peço a vossa oração para que possamos realizar a vontade de Deus junto deste povo lindo. Caso saibam de ONG´s que financiam este tipo de projectos, informem-nos, por favor. Toda a ajuda, por mínima que seja, é preciosa para Deus. E como sei que não estou sozinho aqui, tenho a certeza que estais comigo!
As adversidades por vezes aparecem, tais como tifo ou tifóide, mas estou alegre por ter sido enviado para este lugar onde Deus já se encontrava no meio destas pessoas.
Estou quase a completar um ano neste país lindo! Não duvido disso! É um país lindo! Estou feliz! Sinto-me feliz! Vivo feliz! Isso não significa que, não haja sofrimento. Significa que, apesar de todas as contrariedades que aparecem, vale a pena estar aqui, significa que Deus nos fortalece e nos dá os instrumentos necessários para realizar a sua vontade!
Continuo a ter-vos presentes na minha oração, continuo a sentir a vossa amizade bem perto de mim, continuo a aprender que a distância não quebra laços antes os fortalece, recordando-me diariamente o quanto a vossa amizade e amor são importantes para mim.
Beijinhos e abraços deste amigo que muito vos quer,
Pedro Nascimento, LMC Etiópia