Leigos Missionários Combonianos

Chamados a viver e a ser comunidade

IMG_2997No fim-de-semana de 21 a 22 de Fevereiro os Leigos Missionários Combonianos reuniram-se em Viseu para o 6º encontro de Formação subordinado ao tema: “Comunidade: desafios e oportunidades” orientado pela comunidade de vida do Porto. Este encontro decorreu na Mosteiro de Santa Beatriz da Silva que muito amavelmente nos acolheram em sua casa e muito lhes estamos agradecidos por isso.

Ao longo de todo este encontro tivemos a oportunidade de refletir e perceber aprofundadamente sobre a comunidade. A comunidade surge logo no início da bíblia quando Deus afirma “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2, 20). Assim, de fato, somos chamados ao longo de toda a nossa vida a viver e a ser comunidade. Tal como afirmou a Susana: “O mundo é a nossa estrutura. As pessoas são a nossa casa. Sem este mundo não podemos ter outro. Sem as pessoas o ser humano não vive.” Desta forma, deve ser com as pessoas e para as pessoas que a comunidade deve existir.

 “devemos ser partes de um mesmo corpo”

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A comunidade está em todo lado, nos mais diversos campos da nossa vida: na escola, no trabalho, na família, nos amigos, na igreja, na catequese e na missão. Mas só falamos plenamente de comunidade se aceitarmos Jesus Cristo como membro da nossa comunidade, como o irmão que nos ama tanto que morreu na cruz com o peso dos nossos pecados. Jesus ama-nos e não só faz parte da nossa comunidade como com o Pai e o Espírito Santo são o centro, o cerne, de qualquer comunidade. A exemplo deles devemos ser uma só voz, ser uma só alma devemos ser partes de um mesmo corpo. Este é o verdadeiro desafio de ser comunidade. Isto porque, todos nós somos diferentes nos nossos defeitos e qualidades. E Deus chama-nos individualmente pelo nosso nome. Deus chama os diferentes, os pecadores. Deus chama-nos a nós. E somos nós que com tudo aquilo que nos caracteriza que formamos comunidade.

 “devemos ser partes de um mesmo corpo”

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 E a pergunta que tantas vezes nos colocamos é: Será que a comunidade vai funcionar apesar das diferenças entre as pessoas? Sim, não é fácil mas é definitivamente possível. Funciona se soubermos o nosso centro, se formos verdadeiros uns para com os outros, se utilizarmos os dons de cada um nas coisas que somos melhores. Funciona se tivermos a humildade de dividir tarefas. Mas não é para nos dividirmos mas para nos juntarmos. Desta forma a comunidade passa pela fé no outro. A comunidade é então uma questão de amor em que há um só coração, uma só alma e uma só voz. Em que deixa de existir um eu para existir um nós. Em que tudo é posto em comum.

 “Comunidade é Amor”

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 Comunidade é sem dúvida o Amor. O Amor que vem de Deus e que nasce d’Ele que nos ama primeiro de uma forma avassaladora. É esse amor que move o mundo que somos chamados a ter pelos nossos irmãos. E tal como São João Paulo II afirmou: “O amor é um ato de vontade”

Por isso parte de cada um de nós perdoar, desculpar, querer amar o outro, escolher amá-lo apesar de todos os seus defeitos e erros que eu também tenho e amarmo-nos nas nossas diferenças e amarmo-nos nas nossas fragilidades.

 Por: Paula Sousa

Assembleia anual LMC Brasil

LMC BrasilOs LMCs voltam ás origens da própria vocação, atualizam o Diretório e avaliam a caminhada feita ao longo de 2014

“Em breve, quem é o missionário? Resumindo, resumindo, é quem transmite o amor de Deus para que outros se tornem discípulos”. Em ocasião do primeiro dia da assembleia anual, começada no dia 5 de dezembro, os Leigos Missionários Combonianos (LMC) do Brasil tiveram a possibilidade de voltar ás origens da própria vocação refletindo com o Provincial, padre Alcides. Que frisou também a importância da igreja sair ao encontro dos povos e de se perguntar o que é que o Espirito fala hoje diante de uma realidade tão complexa. E o Provincial dos combonianos brasileiros – que citou várias vezes o Concílio Vaticano II e a exortação apostólica do Papa Francisco “A Alegria do Evangelho” – quis lembrar também que “todo mundo é terra de missão e quem salva é Cristo, não é igreja nenhuma”.

Á reunião participaram vários LMCs brasileiros – João, Lourdes, Guilherma, Valdeci, Adélia -, três italianos – Emma, Valentina e Marco – e um paraguaio, Alejo. Pela tarde chegou também o padre Adriano, que foi nomeado representante MCCJ para os leigos.

Outro assunto importante do encontro foi a revisão do Diretório dos LMCs do Brasil, ou seja de um documento que tinha sido escrito quase 20 anos atrás e que estava precisando de uma atualização. Entre as outras coisas, no Diretório está prevista agora a chegada de LMCs do exterior e foram definidas as modalidades de colaboração com as outras Províncias nestes casos.

A reunião, como sempre, foi também a ocasião para conhecer melhor a caminhada que está sendo feita por vários LMCs, no Brasil como em outros Países do mundo: em Moçambique, no Peru, na Rondônia, em Nova Contagem (MG), em Itauna e em outras cidades (Apac). Foi anunciada também a disponibilidade dos LMCs de Moçambique em acolherem a Guilherma, LMC brasileira, já no ano que vem. Entre cânticos e dinâmicas, á tarde foi feito também um relatório sobre a economia dos LMCs.

O encontro foi também uma ocasião para os LMCs compartilharem a caminhada feita ao longo de 2014 de um jeito mais informal, almoçando e jantando juntos na casa comboniana de Nova Contagem. E sábado, dia 6 de dezembro, vai ter o segundo e último dia do encontro, com uma pauta bastante rica: programação para o próximo biênio, relação sobre o encontro da Guatemala e sobre a situação dos leigos em Açailândia (MA), da Adélia, eleição do coordenador dos LMCs do Brasil, reflexão com o psicólogo Richardson e outros encaminhamentos.

LMC Brasil

Elementos da espiritualidade comboniana

Comboni

Estamos a celebrar os 150 anos do Plano de São Daniel Comboni. O texto teve mais de uma edição. A nossa reflexão será baseada na IV ed., publicada em Verona pela tipografia Episcopal de A. Merlo, intitulado «Plano para a regeneração da África proposto pelo Padre Daniele Comboni missionário apostólico da África central, Superior dos institutos dos negros no Egipto».

ELEMENTOS DA ESPIRITUALIDADE COMBONIANA QUE EMERGEM DO PLANO PARA A REGENERAÇÃO DA NIGRICIA

Introdução
A primeira pergunta que nos colocamos é se será mais oportuno chamar o texto de Comboni plano ou projecto. Embora o termo hebraico que indica esta realidade seja constantemente traduzido por projecto, plano ou desígnio, a questão merece ser colocada. A palavra grega traduzida por “projecto” dá a ideia de movimento. A noção de plano indica algo de estático, ao passo que a noção de projecto implica dinamismo. O plano habitualmente é uma elaboração fria, sem qualquer envolvimento subjectivo, sem coração; o projecto é vivido desde dentro, com uma carga subjectiva forte, e é esse o caso do texto que São Daniel Comboni apresentou à Igreja. Há envolvimento do coração de Comboni no texto do plano, por isso seria talvez mais oportuno falar de «Projecto para a regeneração da Nigricia». São Daniel viveu a obra da regeneração da Nigricia desde dentro (é a imagem de Potier) antes de chegar às suas implicações práticas. Nas linhas que se seguem continuaremos a chamar o texto de Comboni plano, por respeito à memória do nosso Padre fundador, mas sem esquecer o aspecto dinâmico, aquele dinamismo que nasce da contemplação do Coração de Cristo Bom Pastor, fonte da sua missão.

A experiência carismática em São Pedro, por ocasião da canonização de Santa Margarida Maria Alacoque, foi o momento fundante deste plano mas não o único, como bem sublinha o Padre Geral: «O Plano não é o texto, mas a vida escondida nas palavras, nos pensamentos, nas intuições, nos sonhos e nos desejos que foram o motor capaz de mover as mãos de Comboni para deixar vestígios daquilo que o Espírito queria exprimir e que vai muito para além das ideias e das estratégias que serão de algum modo resposta ao grito que sobe e importuna os ouvidos de Deus para suscitar a sua misericórdia” (Il Piano di Comboni, Carta do Superior Geral, MCCJ Bulletin 258, Janeiro 2014).

Podemos dizer que o plano nasce, por um lado, de uma espiritualidade «com os pés assentes na terra», feita de estudo e de pesquisa, e, por outro, da experiência do amor de Deus feita por Comboni e que ele traduz neste texto a benefício dos seus irmãos e irmãs africanas.

O nosso contributo divide-se em cinco pontos:

  1. Um plano nascido de um olhar diferente.
  2. Um plano movido pela indignação.
  3. Um plano a realizar a várias mãos.
  4. Um plano com um toque de… «género».
  5. Um plano a pagar com a própria vida.

1. Um plano nascido de um olhar diferente

«Porém, o católico, habituado a julgar as coisas com a luz que lhe vem do alto, olhou a África não através do miserável prisma dos interesses humanos, mas do puro raio da sua fé; e descobriu lá uma infinidade de irmãos pertencentes à mesma família, que têm nos Céus um pai comum, ainda curvados sob o jugo de Satanás e à beira do mais horrendo precipício. Então, levado pelo ímpeto daquela caridade que se acendeu com divina chama aos pés do Gólgota e, saída do lado do Crucificado, para abraçar toda a família humana, sentiu que o seu coração palpitava mais fortemente; e uma força divina pareceu empurrá-lo para aquelas bárbaras terras, para apertar entre os seus braços e dar um ósculo de paz e de amor àqueles infelizes irmãos seus, sobre os quais pesa ainda o tremendo anátema de Cam» (Escritos, 2742).

O parágrafo mais denso, que está na base de tudo e que constitui o fundamento em absoluto de todo o resto do texto é o n. 2742: «o católico, habituado a julgar as coisas com a luz que lhe vem do alto…». Comboni é este católico que, à força de julgar sempre a partir das inspirações divinas, ganhou um hábito que o leva a olhar a África não a partir dos interesses humanos e a descobrir irmãos que têm o seu mesmo Pai e aos quais é preciso levar a Boa Nova da Salvação. Evidentemente para julgar a partir do alto, é preciso renascer do alto (Jo 3); renascer do alto é um dom de Deus mas requer também uma ascese (esforço). A fonte deste olhar diferente sobre o africano, considerado um irmão pertencente à própria família, que Comboni quer apertar entre os braços dando o beijo de paz e de amor, é a caridade acesa pela divina chama no Gólgota, saída do lado do Crucificado. A experiência do amor do crucificado é o motor do ímpeto missionário que o empurra para esta periferia, a África, vista pelos outros sob o prisma dos interesses humanos. A experiência da fé, que altera o seu olhar sobre o africano, a experiência da caridade divina que o impele para estas «bárbaras terras» são portanto fonte da sua confiança no homem africano que ele associa como protagonista à obra de regeneração da África, «converter a África com a África». Hoje, nas nossas comunidades, nas nossas missões, este olhar de fé sobre os acontecimentos, sobre as pessoas e sobre a experiência do amor do Crucificado, que não está nunca separado do amor ao próximo, é um elemento importante para a construção de uma fraternidade e confraternidade que vai para além da cor da pele, da etnia, da proveniência provincial, etc. O plano nasce da fé que opera através da caridade em vista de uma libertação do homem africano: «A nossa Obra baseia-se na fé. É uma linguagem pouco entendida na Terra, até entre os bons. Mas compreenderam-na os santos, os únicos a quem devemos imitar» (Escritos, 6933).

O plano tem um centro espiritual, o Coração de Jesus, e alguns centros materiais, os institutos onde serão preparados os evangelizadores e as evangelizadoras, onde podem viver e trabalhar quer africanos quer europeus (cf. Escritos, 2764) e que irão para o centro da África.

“Podemos dizer que o plano nasce, por um lado, de uma espiritualidade «com os pés assentes na terra», feita de estudo e de pesquisa, e, por outro, da experiência do amor de Deus feita por Comboni e que ele traduz neste texto a benefício dos seus irmãos e irmãs africanas”.

2. Um plano movido pela indignação

150 years«Porém, a desoladora ideia de ver suspensa, talvez por muitos séculos, a obra da Igreja em favor de tantos milhões de almas que gemem ainda nas trevas e na sombra da morte, deve ferir profundamente e magoar o coração de todo o devoto e fiel católico, inflamado do espírito da caridade de Jesus Cristo. Por isso, para seguir o impulso desta força sobre-humana e para afastar para sempre do filantropo católico a desoladora ideia de deixar envolvidas na infidelidade e na barbárie essas imensas e povoadas regiões, sem dúvida das mais necessitadas e abandonadas do mundo, é preciso abandonar o caminho seguido até agora, mudar o antigo sistema e criar um novo plano que leve eficazmente ao desejado fim» (Escritos, 2752).

O plano nasce da indignação provocada em Comboni pelo estado de abandono em que encontrava a África do ponto de vista da fé, mas também do desenvolvimento a nível humano. Comboni é aquele católico cheio de piedade, inflamado pela caridade de Jesus Cristo, que se entristece e fica desolado perante a situação da África; que se indigna «perdoar-se-nos-á se o ímpeto do coração, onde manifestamos sentir forte o grito de angústia que a todos nós enviam aqueles infelizes filhos de Adão e irmãos nossos, tiver empurrado a mente para fora da linha da verdade e da certeza» (Escritos, 2754). Uma indignação que o impele à procura de um caminho para a evangelização da África, sem medo de errar, sem uma certeza absoluta; mesmo se erra, será perdoado. O medo de errar paralisa a acção evangelizadora e fecha-nos em nós mesmos, limitando a nossa audácia de ir à procura de novos caminhos. Prefiro, diz o Papa Francisco, «uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças» (EG 49).

O próprio Deus se indigna diante de todas as formas de não dignidade da pessoa humana. «Vi a opressão do meu povo que está no Egipto, e ouvi o seu clamor por causa dos seus inspectores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos» (Ex 3,7). É a indignação de Jesus perante as multidões prostradas como ovelhas sem pastor. Como toda a verdadeira indignação, que nasce da contemplação, a indignação de Comboni não permaneceu estéril, mas levou-o à compaixão e à acção. Uma acção que se caracteriza pela profunda partilha com a África: «A África e os pobres negros apoderaram-se do meu coração, que vive só para eles, sobretudo depois que o representante de Jesus Cristo, o Santo Padre, me encorajou a trabalhar pela África» (Escritos, 941).

Muitas das nossas indignações diante dos horrores do mundo permanecem estéreis porque, enquanto condenamos as situações de guerra que há no mundo, ao mesmo tempo reproduzimos nas nossas comunidades e nas nossas missões os mesmos mecanismos de guerra entre nós, ainda que a uma escala menor. «Dentro do povo de Deus e nas diferentes comunidades, quantas guerras! O mundanismo espiritual leva alguns cristãos a estar em guerra com outros cristãos que se interpõem na sua busca pelo poder, prestígio, prazer ou segurança económica» (EG 98).

Além disso, a nossa indignação permanece estéril quando nos indignamos diante da pobreza extrema na qual se encontram milhares de irmãos contemporâneos, mas somos incapazes de pequenos sacrifícios que a missão nos pede. Pensamos neste momento em certos missionários que aceitam a destinação com a condição que, no lugar para onde forem, haja meios tecnológicos, como por ex. internet. Quando existe a paixão pela missão e a compaixão pelas pessoas, o resto é supérfluo.

3. Um plano a realizar a várias mãos

Familia Comboniana«A obra deve ser católica, não espanhola, francesa, alemã ou italiana. Todos os católicos devem ajudar os pobres negros, porque uma nação só não pode socorrer toda a raça negra» (Escritos, 944).

No plano aparece claramente esta dimensão da colaboração. O apelo à colaboração para a obra da regeneração da África deriva da consciência que São Daniel Comboni tem de que a obra é de Deus e não um assunto pessoal, é assunto da Igreja: «Como a obra que tenho entre as mãos é toda de Deus, é com Deus especialmente com quem há que tratar todos os assuntos, grandes ou pequenos da Missão» (E 3615).

Esta colaboração manifesta-se no momento da formação dos evangelizadores e evangelizadoras. Embora valorizando as riquezas carismáticas de cada Instituto religioso na formação dos africanos e africanas, São Daniel Comboni indica aquilo que não deve faltar no caminho formativo. Em primeiro lugar, o Espírito de Jesus Cristo (cf. Escritos, 2770): trata-se de radicar nos seus corações (no coração dos formandos, homens e mulheres) o Espírito de Jesus Cristo.

O que é que entende Comboni por Espírito de Jesus Cristo? Na vida de Jesus Cristo há dois elementos fundamentais: a experiência de Deus como Pai (Abba) e a experiência do Reino. Radicar o espírito de Jesus Cristo no coração dos evangelizadores e das evangelizadoras quer dizer levá-los a fazer a experiência de Deus como Pai, isto é, ajudá-los a fazer experiência do cristianismo não como um conjunto de leis, como uma ideia, mas como um encontro com a pessoa de Jesus (cf. Deus Caritas est, 1); é o único modo para desenvolver neles a liberdade dos filhos de Deus contra qualquer medo de espíritos que paralisam o crescimento humano, espiritual e social.

O outro elemento é desenvolver nos africanos a paixão pelo anúncio do reino de Deus de amor, de paz, de justiça e de misericórdia; o único modo para dissipar as densas trevas que cobriam a vasta extensão da África Central (Escritos, 2741).

Um terceiro elemento que caracteriza o espírito de Jesus é a humildade: «sendo rico, fez-se pobre por vós, para que vos tornásseis ricos por meio da sua pobreza» (cf. 2Cor 8,9).

4. Um plano com um toque de… «género»

«O plano, portanto, que nós propomos é: a criação de outros tantos institutos de ambos os sexos, que deveriam rodear toda a África, criteriosamente situados em lugares oportunos, à menor distância possível das regiões interiores da Nigrícia, dentro de zonas seguras e algo civilizadas, nas quais pudesse viver e trabalhar tanto o europeu como o indígena africano» (Escritos, 2764).

A valorização da mulher na obra da evangelização por parte de São Daniel Comboni não é só uma opção estratégica no sentido de que as mulheres resistiriam mais ao clima duro da África (falando das europeias) ou entrariam mais facilmente em certos ambientes hostis ao cristianismo. A valorização da figura feminina no seu plano para a regeneração da Nigrícia é uma opção de vida. É uma das consequências daquele olhar contemplativo sobre a realidade: para aqueles que estão em Cristo, não há judeu nem grego, circunciso ou incircunciso… homem ou mulher, mas apenas Cristo, que é tudo e está em todos (cf. Col 3, 9-11).

Explica-se assim também a devoção de São Daniel a Nossa Senhora. A par do título “Virgem da Nigrícia”, encontramos, nos seus Escritos, diversos títulos com que Comboni se refere à Mãe de Deus. Um dos nossos confrades até preparou uma Litania com base nos títulos utilizados por Comboni para se dirigir a Maria.

São Daniel Comboni está em sintonia com o património da grande tradição católica: longe de qualquer devocionismo, Maria é o coração da Igreja. Na Igreja, dizia von Balthasar, Maria tem um lugar mais alto que Pedro e na Evangelii Gaudium, o Papa Francisco diz que Maria é mais importante que os bispos. É preciso portanto revalorizar esta componente feminina na Igreja em equilíbrio com a masculina para não cair, por um lado, no machismo e no clericalismo, e, por outro, no feminismo exasperado ou simplesmente em certas teorias de género que tão mal fazem à humanidade. Na vida de São Daniel Comboni este equilíbrio existiu, porque ao lado da Virgem Maria, está também São José, seu esposo, e no seu carácter – podemos dizer – os dois elementos entrecruzam-se: Comboni é capaz de defender-se com virilidade quando é caluniado e conferir verdade aos factos com palavras por vezes muitos duras mas, ao mesmo tempo, é capaz de perdoar profundamente quem o acusa falsamente. Ao vigor, une o elemento da misericórdia, da compaixão e da ternura, que são tipicamente femininos. Não é por acaso que a comissão que o encarregou de executar o plano se chama «Sociedade dos SS. Corações de Jesus e de Maria para a regeneração da Nigrícia, sob o patrocínio da Virgem Imaculada, de São José, seu esposo, e dos príncipes dos Apóstolos».

5. Um plano a pagar com a própria vida

Comboni y la Virgen«Sobre esta grande ideia se fixou o nosso pensamento e a regeneração da África com a África parece-nos ser o único programa que se deve seguir para realizar tão brilhante conquista. Por isso, em nossa pequenez, julgámos lícito sugerir humildemente um caminho que, ao segui-lo, permita alcançar com maior probabilidade a alta meta para a qual se orientam sempre todos os pensamentos da nossa vida e pela qual estaremos contentes de derramar o nosso sangue até à ultima gota» (E 2753).

Existe uma estreita relação entre o plano elaborado por São Daniel Comboni e a sua vida concreta. Todos os seus pensamentos são dirigidos para o plano pelo qual estará disposto a dar o seu sangue até à última gota. É a imagem do Bom Pastor que veio para que todos tenham a vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10,10).

Esta afirmação por parte de Comboni não é retórica. São Daniel, a 10 de Outubro de 1881, morrerá em Cartum, no auge de uma vida inteiramente dedicada à África e aos Africanos. Por trás do plano de Comboni há nomes, apelidos, rostos de africanos e africanas pelos quais Comboni dá a própria vida. Podemos dizer que aquilo que o Papa Francisco afirma a propósito dos pastores da Igreja é inteiramente verdade no caso de São Daniel Comboni: podemos sentir o cheiro dos africanos sob a veste do infatigável missionário da África. Portanto, para que um plano pastoral, para que um projecto comunitário possa sair do papel e ser apurado – ensina-nos São Daniel Comboni – é preciso pôr aí coração, amor, com a consciência de que por trás daquele plano há milhares de vidas que esperam a sua regeneração simultaneamente espiritual e humana, é preciso estar dispostos a dar o seu próprio contributo, a dar o seu próprio sangue pela sua realização. Porque é que por vezes, efectivamente, os nossos planos pastorais não saem do papel? Talvez careçam daquele envolvimento afectivo e efectivo com as pessoas para as quais o plano se torna um pedaço de papel a mais, ou porque não estamos dispostos a dar qualquer gota de sangue pela sua realização, energia, tempo, etc.

Conclusão

No fim desta breve reflexão, podemos dizer que para compreender o plano, é preciso entrar em profundo diálogo com o seu autor, São Daniel Comboni, com a sua vida e com toda a sua obra. É preciso descobrir o espírito que anima o plano, para além das pobres palavras que o traduzem, para não se perder em debates estéreis, como por ex. «filho de Cam» ou outros do género.

Salvar Africa con Africa

O plano traduz a paixão de São Daniel Comboni pela África, a sua preocupação em conquistar a pérola negra para a Igreja de Jesus Cristo. O plano nasceu de uma visão de fé que move à indignação-compaixão-acção diante da situação de abandono na qual se encontrava a África. São Daniel Comboni compreendeu que a evangelização da África não era um assunto pessoal, mas da Igreja. Procurou o confronto e o diálogo com o pontífice, com o prefeito de Propaganda Fide e com personalidades ligadas à experiência africana, em suma procurou colaboração envolvendo estreitamente a figura feminina. Para a elaboração e a execução do plano, São Daniel Comboni deu a vida, porque, por trás do plano, compreendeu que há uma multidão de vidas, uma multidão de irmãos e irmãs que esperam a mensagem da regeneração.

Novembro de 2014

P. Fidèle Katsan, mccj

Encontro dos LMC sobre a “Evangelii Gaudium”, em Nürnberg

Grupo LMC AlemaniaDe 17 a 19 de Outubro de 2014, os Leigos Missionários Combonianos (LMC) alemães encontraram-se na Casa dos Combonianos em Nürnebrg. Nem a greve dos maquinistas conseguiu impedir o encontro! 🙂

O dia de sábado foi dedicado a um estudo intenso da encíclica “Evangelii Gaudium”, orientados pela Pia Schildmair. No domingo, reflectiram sobre os pontos essenciais da Encíclica, relacionando-os com a espiritualidade comboniana. Depois identificaram os pontos concretos para aplicar à vida de cada um(a) e do grupo e definiram os próximos passos a dar para os porem em prática. “Pedimos para que a alegria do Evangelho nos continue a acompanhar ao longo do nosso caminho!”

Barbara Ludewig

Ecos do Simpósio Comboniano

Comboni

Realizou-se, em Roma, de 15 a 19 de setembro, a reflexão sobre atualidade do Plano de Comboni para a regeneração da África passados 150 anos da altura em que foi inspirado e escrito. Para esta reflexão vieram representantes das diferentes Províncias dos Missionários Combonianos (MCCJ), assim como, estiveram presentes representantes das Irmãs Missionárias Combonianas (IMC), das Missionárias Seculares Combonianas (MSC) e dos Leigos Missionários Combonianos (LMC).

Ao longo desta semana de trabalhos, chegou-se a algumas conclusões que serão “provocação” para o próximo capítulo dos MCCJ e que também nos podem ajudar a uma maior reflexão:

  • O Plano de Comboni tem atualidade na medida em que nos chama a perceber as urgências e prioridades da nossa atualidade. Fazemos muitas coisas importantes, mas na impossibilidade de responder a todas as necessidades, temos que discernir o que é vital para o mundo de hoje e redimensionar a nossa ação e vivência missionária em função disso.
  • Comboni tem a inspiração do Plano porque se coloca aos pés da cruz. Hoje a missão já não tem um cariz “geográfico”, por isso, aos pés da cruz temos de procurar perceber os movimentos do Espírito e de que forma podemos responder ao nosso mundo, independentemente do lugar onde somos chamados a estar.
  • O “salvar a África com a África” não pode limitar a nossa ação. Ao contrário, deve levar-nos a adotar uma renovada metodologia, à medida das nossas forças. Assim, a missão na Europa implica re-acreditar nos valores da cultura Europeia e adotar a sua linguagem como meio de libertação e evangelização. O mesmo se aplica noutras culturas onde reconhecemos ser “vital” a presença comboniana.
  • «Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças», afirma o Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (nº49). Com este apelo do Papa somos interpelados a ousar crescer e especializarmo-nos no âmbito dos ministérios que consideramos ser os mais urgentes e prioritários no mundo de hoje.

Depois de uma semana de trabalho e reflexão, partindo do Plano de Comboni e dos apelos da própria Igreja, concluiu-se que a missão de hoje passará sempre, e sobretudo, pela luta em favor da Vida.

Assim, animados pelo carisma de Comboni, todos somos chamados a repensar e redimensionar o nosso ser missionário em vista a que muitos “tenham vida e a tenham em abundância”.

Susana Vilas Boas