Leigos Missionários Combonianos

No deserto com Comboni: desafios e alegrias da missão na pandemia.

Casa Comboni
Casa Comboni

Os desafios de hoje lembram-me os desafios de Comboni. Não que sejam iguais. É claro que no tempo de Comboni era bem mais desafiador. A travessia no deserto, as várias malárias, febres, o braço quebrado, que para colocar no lugar teve que ser quebrado novamente (me arrepia em imaginar), etc.

Vivemos também um tempo de deserto. A expectativa da viagem a África, o envio dos documentos, a pandemia, a espera da vacina, o pedido da renovação dos documentos e novamente a espera. Tudo por uma causa maior que é Jesus.

Mas durante tudo isso, não posso reclamar. Fui acolhida com muito amor e o trabalho está produzindo frutos.

Depois de uma parada pela vida: porque o vírus não brinca e prezamos o bem estar e a vida de nossa gente, o povo de Deus. Estamos aos poucos e seguindo todas as orientações da OMS retomando alguns trabalhos pastorais.

Reiniciamos o coral adulto e infantil, mas com apenas dois membros de cada vez. (fotos dos ensaios).

A catequese está sendo online para preservar a saúde das crianças. A participação é muito boa, mesmo com algumas dificuldades como a falta de internet em algumas famílias, algumas crianças usam o aparelho dos pais e os mesmos trabalham, ficam o dia inteiro fora. Para essas crianças não se prejudicarem, adotamos a visita sem entrar nas casas e sem eles saírem. É uma catequese a porta de casa, mas na rua, sem contato físico, sem proximidade.

Grupo de catequista da comunidade Nossa Senhora Aparecida (bairro Ipê Amarelo).

Retomamos a formação litúrgica com a equipe da comunidade, como são poucas pessoas fazemos presencial sem esquecer os cuidados.

Fizemos parte do tríduo do mártir pe. Ezequiel Ramín, juntamente com a paróquia e o grupo paroquial de espiritualidade comboniana.

Temos feito e participado de algumas lives.

Para os próximos dias temos a semana nacional da família na paróquia, o encontro de catequese com a turma do crisma, além dos trabalhos já existentes.

Alguns dias atrás descobri um talento escondido (risos), descobri-me pintora de parede. Junto com a família Camey, da Guatemala, pintamos a fachada da casa comboniana. Modéstia à parte, ficou lindo!

Casa Comboni
Casa Comboni

No social estamos junto cadastrando e distribuindo cestas básicas. Uma parceria com a cúria diocesana. Essas cestas vêm da multa que a mineradora Vale paga referente ao desastre de Brumadinho.

reparto

E assim vamos seguindo a missão do jeito que o Senhor nos apresenta.

É gratificante e posso dizer com certeza que vou sentir falta do Ipê Amarelo, das pessoas, em especial das crianças.

Maria Regimar, LMC na casa de missão Santa Teresinha, no Ipê Amarelo, em Contagem/MG. Brasil.

Comemorando A Páscoa

LMC Mexico
LMC Mexico

Para festejar a Páscoa é preciso estar preparado, é o que temos feito como grupo de Leigos Missionários Combonianos em Sahuayo (México), continuamos a trabalhar a partir da nossa realidade actual, não tem sido fácil ter que nos adaptar a uma modalidade em que temos que nos protegermos uns dos outros, cobrimos o rosto, mas não o Espírito, e assim realizamos as atividades necessárias para continuar caminhando em nossa jornada missionária. Favoravelmente, foi realizada nosso retiro de formação que já havia sido reagendado num outro momento, graças ao fato de Quique e Vero marcarem a data como coordenadores em consenso com o grupo, quando chegou o momento, nem todos os contemplados participaram, mas outras pessoas nos procuraram, questionaram o nosso Ser e o Fazer do grupo.

LMC Mexico

Na Formação Juan José foi quem preparou os nossos temas de crescimento, pede-se também o apoio aos Missionários Combonianos. Sempre fizeram parte do nosso crescimento formativo e espiritual, somado ao facto de, nesta ocasião, as Irmãs Combonianas partilharam o tema sobre a Família Comboniana conosco o que fez-nos experimentar a Riqueza do nosso Carisma e os aspectos a trabalhar e a serem melhorados, estes momentos de crescimento ajudaram-nos a ter presente que Deus tem uma missão específica para cada um e para o grupo, podemos compartilhar o que cada um possui para seu melhor uso.

Como momento culminante, pudemos celebrar o Dia Missionário (JORNAMIS), onde os jovens têm a oportunidade de compartilhar temas que os ajudam a crescer, compartilhar seus sonhos, expressar o que pensam sobre o que o mundo hoje lhes oferece, aprender sobre as vocações. Descobrir a sua vocação e comprometer-se a servir aos mais necessitados, conscientizando-os de que somos irmãos em Cristo. Este espaço pôde ser recuperado após meses de paralises devido à pandemia e hoje é mais uma vez um apostolado para os LMC Mónica, Manuel e Ricardo que têm a Graça de trabalhar com os jovens.

LMC Mexico

Na época, a Semana Santa estava próxima, onde tivemos a oportunidade de celebrar de diferentes maneiras, em Família, trabalhando e alguns de nós pudemos ir em missão nas comunidades de Guerrero onde já trabalhamos como Leigos e também nas comunidades mais isoladas, perto da nossa cidade, onde não costumamos ir. Viver com pessoas que compartilham o que têm conosco sem esperar nada em troca nos encheu de força, abrindo as portas de suas casas para compartilhar alimentos com cada um de nós, apoiando-nos em tudo que precisávamos e, mais importante, compartilhando nossa Fé. Eles foram experiências que nos permitiram experimentar Jesus Ressuscitado desde a nossa vida particular, movendo aquilo que devia ser purificado e transformado com o seu Amor.

LMC Mexico

LMC Beatriz Maldonado Sánchez

Laudato si’ e Ciranda: juntos para fortalecer a agricultura familiar no Maranhão

Ciranda

Fonte: Vatican news

Ciranda
A cisterna concluída com sucesso em trabalho de equipe

O Ciranda, um acrônimo para Centro de Inovação Rural e de Desenvolvimento Agroecológico, dá formação teórica e técnica em agroecologia para 70 famílias da cidade de Açailândia, como alternativa econômica à cadeia de mineração e ao agronegócio da região, que se encontra bem no meio do percurso da Estrada de Ferro Carajás (EFC). Segundo o coordenador Xoán Couto, o projeto brasileiro se inspira na Laudato si’, já que percorre o mesmo caminho que une a fé e a ciência, em “resposta às necessidades das comunidades, valorizando também os conhecimentos tradicionais.”

Andressa Collet – Vatican News

A “ciranda” faz parte do patrimônio cultural da maioria das crianças brasileiras. Uma música, com dança de roda, que lembra as mulheres de pescadores do nordeste do país que cantavam esperando os maridos chegarem do mar. Uma dança comunitária, sempre à espera de mais um, assim como acontece com um projeto desenvolvido na cidade de Açailândia, no Estado do Maranhão, em plena Amazônia.

Uma brincadeira levada a sério desde 2018. O Ciranda, um acrônimo para Centro de Inovação Rural e de Desenvolvimento Agroecológico, resolveu apostar na agroecologia como alternativa econômica à cadeia de mineração e ao agronegócio da região, que se encontra bem no meio do percurso da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que liga a maior mina de minério de ferro a céu aberto no mundo, em Carajás, no sudeste do Pará, ao Porto de Ponta da Madeira, em São Luís, no Maranhão.

A ecologia integral, assim, surge como uma possibilidade real para que as famílias não dependam somente da mineração, mas que consigam resgatar a economia local, gerando renda pra dentro de casa, com menos impacto ao meio ambiente. O coordenador do Ciranda, Xoán Carlos Sanches Couto, leigo missionário comboniano, é quem explica essa nova relação com a Casa Comum que consegue ser adaptada à realidade de cada um: “O Ciranda promove tecnologias apropriadas para agricultores familiares e os camponeses. Aqui testamos e aplicamos tecnologias e formas de produção que são bem adaptadas à escala de tamanho das propriedades dos agricultores familiares aos seus conhecimentos, à força de trabalho que eles têm nas suas famílias, e ao meio ambiente que temos aqui nesta região.”

Ciranda
Os jovens do projeto Ciranda em estudo de campo

A agroecologia inspirada na Laudato si’

O engenheiro agrônomo é espanhol, há 20 anos no Brasil, trabalhando junto às famílias da Amazônia do Maranhão. No início, Xoán criou a Casa Família Rural, um tipo de escola agrícola comunitária para melhorar a vida e a educação dos jovens do campo. Hoje, junto com o Ciranda, os dois projetos ajudam na formação teórica e técnica de 70 famílias da região.

Nos cursos, os filhos de agricultores aprendem a se familiarizar com as formas de produzir as culturas agroecológicas, podendo reproduzir nas suas propriedades. São tecnologias apropriadas para a agricultura familiar que, uma vez aprendidas na escola, são repassadas para as famílias e comunidades num fluxo permanente de incentivo para permanecer no meio rural. Esse é um dos bons exemplos que vêm do Brasil, uma ação que não resolve os problemas globais, mas confirma “que o ser humano ainda é capaz de intervir de forma positiva” para melhorar o meio ambiente (Papa Francisco, Laudato si’, p. 40).

“Esta ideia do trabalho com agroecologia se inspira muito na Encíclica Laudato si’, assim como a encíclica que é uma junção da ciência e da fé – o Papa para dar essas exortações que ele dá na encíclica e a sua equipe buscaram o melhor que a ciência tem produzido para explicar a crise ambiental, para dar uma resposta desde a fé, mas também com base científica. Então, o Centro Ciranda também faz esse mesmo caminho. A gente usa o conhecimento científico, nós temos parceria com instituições de pesquisa, com universidades, mas, ao mesmo tempo, a nossa resposta é desde as necessidades das comunidades, valorizando também os conhecimentos tradicionais.”

Xoán dá exemplos das técnicas ensinadas, que vão desde a bioconstrução, uma forma de construção tradicional muito praticada na região com barro e telhas de material reciclado, até a fabricação de biogás e captação da água da chuva com cisternas. Mas também é praticada a avicultura caipira, a minhocultura, a piscicultura e a apicultura; os suínos são criados ao ar livre e os sistemas agroflorestais são incentivados através do plantio de árvores madeireiras e frutíferas, e também de culturas anuais que são a base alimentar dos moradores: “como milho, feijão, mandioca e etc. Tudo isso é plantado junto na forma chamada policultivo, onde não existe monocultura e uma espécie ajuda a outra de forma que temos um ambiente equilibrado e muito difícil de acontecer uma praga, algum inseto vir atacar e dar algum prejuízo econômico. Então, na forma de se inspirar na natureza – que tem a sua base científica também”.

Ciranda
A técnica da bioconstrução, com barro e telhas de material reciclado

Os desafios do Ciranda: das queimadas ao agronegócio

Apesar dos bons resultados, os desafios existem: é o caso das queimadas que chegam de outras propriedades. Xoán conta que geralmente conseguem salvar as culturas permanentes, mas as outras áreas, com experiências de pastagem ecológica e reserva de mata, são muito castigadas pelo fogo, como aconteceu nos dois últimos anos consecutivos. “Isso é um desafio que nos leva a pensar como, para os próximos anos, a gente pode fazer barreiras florestais que sejam menos suscetíveis ao fogo e que a gente consiga vencer esse problema. Mesmo assim, os resultados são promissores: a gente vê nas famílias essa empolgação e vontade de permanecer trabalhando na terra, sabendo que tem essa missão de fornecer alimento para humanidade e que isso pode ser feito preservando a nossa Casa Comum, sem degradar o meio ambiente.”

A aliança com a natureza já está muito presente na vida da maioria dos camponeses. Porém, não são todos que têm essa consciência, pois o agronegócio está muito presente localmente, “transformando economias, paisagens e mentes”. Como confirma o Papa, na Laudato si’ (p. 38), “com muita facilidade, o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum” e “qualquer tentativa das organizações sociais para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por sonhadores românticos”.

Ciranda
Xoan, ao centro, com um grupo de agricultores familiares

Xoán tem plena consciência de que o Ciranda é uma experiência que “contraria profundamente as bases do mercado capitalista, onde mais vale quem mais tem e quem mais ganha dinheiro”. “Por isso, muitas vezes, as famílias tendem ser ridicularizadas, a ser minimizadas, a dizer que isso não dá certo, que isso não consegue alimentar a humanidade, quando nós temos já várias pesquisas que dizem que, por exemplo: 1 hectare de agrofloresta – que é o método que nós trabalhamos, de sistema agroflorestal – se for considerar todos os serviços ambientais prestados, ele é mais produtivo que 1 hectare de monocultura de soja. Isso em termos monetários, mas também em termos ecológicos. Então, desmontar essa racionalidade monetarista é um dos desafios que nós temos e nisso iremos trabalhar nos próximos anos.”

Ciranda
Os jovens do projeto Ciranda em estudo de campo

Ouça a reportagem especial:

*Fotos e vídeo produzidos antes das últimas medidas tomadas para enfrentar a emergência da Covid-19

Sobre a missão entre os Gumuz

Gumuz situation
Gumuz situation

Quando, em Novembro de 2020, regressei de Portugal, nunca pensei viver os momentos que tenho experienciado nestes últimos meses.

Vivo em Guilguel Beles, na Região de Benishangul-Gumuz, Etiópia e, na missão, trabalhamos essencialmente com o povo Gumuz (nós, Leigos Missionários Combonianos, vivemos com os Missionários Combonianos, na mesma missão). Não fechamos as portas a ninguém, mas este é um dos povos mais esquecido e abandonado da Etiópia e do mundo.

Várias pessoas de outras etnias, tais como Amara, Agaw, Chinacha, também aqui vivem. O solo é fértil e isso leva a que seja uma zona apetecível. E, por isso, muitas vezes, os Gumuz perderam terrenos que lhes pertenciam.

Mas, mesmo assim, as pessoas viviam em paz, sem grandes problemas. Em 2019, já eu estava na Etiópia, uma aldeia Gumuz foi atacada, pessoas mortas, casas queimadas. A nossa missão foi pioneira em prestar auxílio aos deslocados.

Quando regresso, em Novembro de 2020, rebeldes Gumuz começaram a atacar não Gumuz. Com grande dor soube da morte de muitos inocentes. A vida humana é preciosa.

Porém, assisti também à persecução de Gumuz. Pessoas fugiram para a floresta, casas queimadas, dezenas de jovens presos sem qualquer justificação.

Recordo-me de ir com o David, LMC, meu colega de missão, até Debre Markos, na região Amara, com dois Gumuz, pois tinham receio de ser mortos. Várias vezes fomos prestar auxílio a detidos na estação policial.

Entretanto, o Governo começou a negociar com os rebeldes Gumuz e, durante quase dois meses conseguimos abrir escolas, clínica, biblioteca.

Porém, as negociações falharam e os rebeldes Gumuz mataram mais pessoas. Nem sempre é fácil concluir negociações quando as propostas exigidas são impossíveis de concretizar.

Como resposta, rebeldes Amara e Agaw, atacaram aldeias, mataram pessoas, queimaram casas. Os jovens com quem convivia, as mulheres do grupo que seguia, as crianças da escola e jardim-de-infância tiveram que fugir para a floresta: sem comida, sem roupa, sem nada. Pessoas que eu conhecia foram mortas: inocentes!

Na nossa missão muitas têm sido as pessoas que aqui vêm para pedir comida, dinheiro para comprar comida, assistência médica …

No início preparámos comida para todos os necessitados que vinham ao nosso encontro [“dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16)]; depois com a ajuda da Diocese oferecemos massa e, diariamente, todas as manhãs oferecemos uma refeição a mais de 200 crianças. Aos Domingos oferecemos uma refeição, depois da missa.

O David todos os dias se responsabiliza pela gestão das refeições e a Irmã Nives (irmã comboniana) diariamente presta cuidados médicos a dezenas de pessoas.

Eu alterno entre ajudar no trabalho com as crianças e ir a Mandura, à missão das Irmãs Combonianas (que tiveram que deixar a missão, devido a esta situação de guerrilha, vivendo por agora na nossa missão. Mas durante o dia procuram estar na missão onde estavam, Mandura, para acolherem as pessoas que aparecerem) onde ajudo com as tarefas doméstica, tais como buscar água para os animais, para a casa (pois as irmãs estão sem água em casa), entre outros e recebemos (eu e as irmãs Combonianas Vicenta e Cristiane) as pessoas que aparecem para cumprimentar ou pedir ajuda. Muitas delas arriscam vir à missão, depois de 3/4 horas a caminhar, para buscar cereais que guardaram na casa das Irmãs ou pedir ajuda.

Tem sido muito duro escutar tanto sofrimento: pessoas que estão a sofrer, subnutrição, crianças gravemente doentes, pessoas que perderam familiares, que perderam os seus cereais. Quantas vezes me é difícil adormecer a pensar nesta realidade.

Gumuz situation

A missão são rostos e tenho presente tantos rostos sofridos. Quando na Igreja rezo e olho para a cruz de Jesus vejo imensos rostos, contemplo esta realidade sofredora e percebo que Jesus está naquela cruz por nós e que continua a sofrer diariamente por nós. Mas, ao mesmo tempo, sinto estas palavras na minha mente: não tenhais medo! Eu estou convosco!

Não é fácil viver estes momentos de sofrimento, mas a vivência da fé em Jesus, que passou a vida fazendo o bem, que sofreu, foi morto mas ressuscitou ajuda-nos a ser testemunhas do Amor de Deus entre as pessoas.

Obrigado a todos e todas que têm contribuído a vários níveis, de oração, amizade, carinho e ajuda para a missão. Sem a vossa partilha não teríamos hipótese de prestar auxílio. Muito obrigado de coração!

As tribulações não faltam, mas estai certos de que a vossa oração nos sustenta. A missão é de Deus e é nEle que devemos colocar a nossa confiança.

Abraço fraterno,

Pedro Nascimento, LMC en Etiópia

Maiata organiza exposição sobre missão de voluntariado em África

Cristina Sousa

Aos 51 anos, a maiata Cristina Sousa tem já uma experiência enriquecedora de dois anos de voluntariado na República Centro-Africana para mostrar através de fotografias.

Como Leiga Missionária Comboniana não quis deixar de registar fotos, como amadora, um povo que a aproximou do melhor que há no mundo. Agora, está a organizar com a Câmara da Maia uma exposição de que ouviremos falar em breve.

Cristina Sousa

Cristina Sousa é de Gueifáes, Maia, e em janeiro de 2018 partiu em missão de voluntariado para a República Centro-Africana, para a região de Mongoumba, onde esteve em contacto com o povo Pigmeu. Quando regressou a Portugal, dois anos depois, sentiu a necessidade de partilhar os registos audiovisuais que foi coletando ao longo da jornada para dar mais visibilidade ao quotidiano deste “povo maravilhoso”.

Cristina Sousa é Leiga Missionária Comboniana e, segundo ela, ser missionária é uma vocação, algo que nos acompanha no interior”. Cristina afirma que para se tornar missionária teve de integrar uma formação de três anos. “Somos preparados espiritualmente, aguardamos e depois somos enviados”, explica. Envio esse, que é feito pela equipa responsável pelos Leigos, mas para que Cristina “é algo interior, onde sentimos que é Deus que nos envia”.

A missionária já integra este caminho há cerca de 5 anos e segundo ela “não precisamos de ir para fora para sermos missionários”. A necessidade de ir ao encontro “do nosso irmão”, como explica Cristina, “é algo que nasce e que ferve dentro de nós” e se a necessidade não for alimentada “não andamos bem”.

Povo Pigmeu é “extraordinário”

A sua primeira e única missão até à data foi na República Centro-África, “mesmo no coração de África”, onde partilhou experiências com os Pigmeus. Segundo Cristina Sousa, o povo Pigmeu é “extraordinário e muito particular, são de uma humildade e de uma simplicidade que só la senti e vivi”. Por isso, considera que foi um “privilegio viver com este povo, ser acolhida, conquistada e conquista-los também”.

O povo Pigmeu mora em acampamentos “pouco populosos” e espalhados pela floresta, e o objetivo dos Leigos Missionários Combonianos é ajudar na integração em aldeias. “Quase nunca são bem acolhidos, porque vivem na floresta e são bastante discriminados”, explica Cristina. “Eles são explorados e não têm acesso à escola, nem ao hospital”. Assim, o papel dos Leigos é servir de “ponte nessa integração”.

Atualmente, devido ao trabalho feito por missionários como esta maiata, já existem muitas crianças a frequentar escolas e mais acesso à saúde, no entanto a discriminação continua a ser bastante visível entre os povos. Cristina afirma que uma das suas maiores preocupações é o facto de não existirem registos deste povo “como pessoas, é quase como se não existissem”.

Na tentativa de conceder alguma identidade a este povo, Cristina Sousa viu-se confrontada com a realidade do mesmo, porque “eles são nómadas, as suas casas não são protegidas da chuva, nem têm como guardar documentos nas suas roupas”. Deste modo, a existência de documentos de identificação pessoal é quase inviável.

Segundo a Leiga Missionária Comboniana “o processo de Inculturação requer muito cuidado”, pois “vamos com os nossos ideais e temos de perceber que eles têm os deles. O nosso carisma principal é Salvar África com África. Ou seja, ajudar na formação do africano para que ele caminhe por si próprio”. Deste modo, a função dos Leigos é “estar, testemunhar e transmitir a Boa Nova”. A partilha de conhecimentos ao povo africano é, segundo Cristina, “bastante difícil, porque depois vamos embora e eles podem até nem ter percebido muito bem o que foi transmitido”.

Cristina Sousa regressou da república Centro-Africana mesmo no limite do 1º confinamento.

Quando Cristina Sousa regressou para Portugal, em fevereiro de 2020, afirma que foi uma questão de sorte não ter sido “apanhada nos aeroportos” pois, duas semanas depois, o país entrou no primeiro confinamento. Para receber notícias de África, Cristina tenta estabelecer contacto com “compatriotas portugueses que se encontram na capital, padres e irmãos”.

A pandemia do Covid-19 é “incontrolável na República Centro-africana”. Segundo Cristina, por carência de recursos económicos e “falta de locais próprios, as pessoas não têm acesso a testes e por isso, nunca se sabe a real causa da morte”, No entanto, “devido à esperança média de vida rondar os 40 anos, o número de idosos é extremadamente reduzido e por isso acredito que lá a Covid-19 não seja tão agressiva e resistente”.

Relativamente às medidas de prevenção como a utilização de proteção facial que “às vezes enviam-me fotografias ou vídeos e vê-se as pessoas de máscara”. O que para ela “não faz muito sentido, pois na hora de dormir estão todos juntinhos”.

Para ela falar em covid nestes cenários é ainda mais difícil, até porque existem outras doenças mais graves há vários anos a matar, como a malária, a ébola e a lepra, por exemplo, em que morrem milhares de pessoas diariamente. “Há imenso tempo que isto acontece e ainda não existe uma vacina”, acrescenta.

As desigualdades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento “mantêm-se muito presentes” e Cristina Sousa explica que não compreende “a falta de manifestações sobre os direitos dos povos africanos”.

Cristina gostava de ver mais luta pelos direitos dos africanos.

“Vejo muitas manifestações dos direitos humanos e dos animais, mas e estas pessoas? É importante irmos para a rua manifestar a desigualdade”.

Contudo, Cristina reflete que nem tudo é mau. “Se calhar também estragamos um pouco o equilíbrio destes povos, porque fomos para lá mostrar uma realidade diferente da que eles conhecem. Eles vivem da natureza e não podemos tirar-lhes a natureza”. Segundo ela “existe aqui um paradoxo que exige reflexão”.

A Leiga Missionária Comboniana refere também que viu “crianças morrer com picadas de serpentes e outras coisas simples”. Coisas que “se se passassem no ocidente, não culminavam em mortes. É difícil gerir as emoções, porque pensamos sempre que se essas pessoas tivessem nascido noutro lugar, não era assim”.

Ao longo da sua missão, Cristina Sousa foi capturando com uma máquina fotográfica os tempos que passou com o povo Pigmeu. De forma amadora, esta maiata foi registando o quotidiano deste povo sui generis com o propósito de “divulgar a mensagem que a imagem transmite, isto é, dar a conhecer este povo maravilhoso. O nosso dever como missionários é trazer a realidade deles para cá e de alguma forma sensibilizar um pouco as pessoas para outras realidades”.

Cristina Sousa está atualmente em negociações com a Câmara Municipal da Maia para que os seus registos fotográficos possam ser expostos e partilhados com a comunidade de onde é natural. Ainda com local e data por definir, Cristina Sousa espera poder partilhar o quotidiano dos Pigmeus com os seus conterrâneos.

A missionária defende que “a partilha do que nós temos e do que os outros nos podem dar é o que nos desenvolve com pessoas. A troca de experiências de diferentes realidades é, no fundo, o que nos enriquece e faz crescer”.

Cristina Sousa
Cristina Sousa