Leigos Missionários Combonianos

Elementos da espiritualidade comboniana

Comboni

Estamos a celebrar os 150 anos do Plano de São Daniel Comboni. O texto teve mais de uma edição. A nossa reflexão será baseada na IV ed., publicada em Verona pela tipografia Episcopal de A. Merlo, intitulado «Plano para a regeneração da África proposto pelo Padre Daniele Comboni missionário apostólico da África central, Superior dos institutos dos negros no Egipto».

ELEMENTOS DA ESPIRITUALIDADE COMBONIANA QUE EMERGEM DO PLANO PARA A REGENERAÇÃO DA NIGRICIA

Introdução
A primeira pergunta que nos colocamos é se será mais oportuno chamar o texto de Comboni plano ou projecto. Embora o termo hebraico que indica esta realidade seja constantemente traduzido por projecto, plano ou desígnio, a questão merece ser colocada. A palavra grega traduzida por “projecto” dá a ideia de movimento. A noção de plano indica algo de estático, ao passo que a noção de projecto implica dinamismo. O plano habitualmente é uma elaboração fria, sem qualquer envolvimento subjectivo, sem coração; o projecto é vivido desde dentro, com uma carga subjectiva forte, e é esse o caso do texto que São Daniel Comboni apresentou à Igreja. Há envolvimento do coração de Comboni no texto do plano, por isso seria talvez mais oportuno falar de «Projecto para a regeneração da Nigricia». São Daniel viveu a obra da regeneração da Nigricia desde dentro (é a imagem de Potier) antes de chegar às suas implicações práticas. Nas linhas que se seguem continuaremos a chamar o texto de Comboni plano, por respeito à memória do nosso Padre fundador, mas sem esquecer o aspecto dinâmico, aquele dinamismo que nasce da contemplação do Coração de Cristo Bom Pastor, fonte da sua missão.

A experiência carismática em São Pedro, por ocasião da canonização de Santa Margarida Maria Alacoque, foi o momento fundante deste plano mas não o único, como bem sublinha o Padre Geral: «O Plano não é o texto, mas a vida escondida nas palavras, nos pensamentos, nas intuições, nos sonhos e nos desejos que foram o motor capaz de mover as mãos de Comboni para deixar vestígios daquilo que o Espírito queria exprimir e que vai muito para além das ideias e das estratégias que serão de algum modo resposta ao grito que sobe e importuna os ouvidos de Deus para suscitar a sua misericórdia” (Il Piano di Comboni, Carta do Superior Geral, MCCJ Bulletin 258, Janeiro 2014).

Podemos dizer que o plano nasce, por um lado, de uma espiritualidade «com os pés assentes na terra», feita de estudo e de pesquisa, e, por outro, da experiência do amor de Deus feita por Comboni e que ele traduz neste texto a benefício dos seus irmãos e irmãs africanas.

O nosso contributo divide-se em cinco pontos:

  1. Um plano nascido de um olhar diferente.
  2. Um plano movido pela indignação.
  3. Um plano a realizar a várias mãos.
  4. Um plano com um toque de… «género».
  5. Um plano a pagar com a própria vida.

1. Um plano nascido de um olhar diferente

«Porém, o católico, habituado a julgar as coisas com a luz que lhe vem do alto, olhou a África não através do miserável prisma dos interesses humanos, mas do puro raio da sua fé; e descobriu lá uma infinidade de irmãos pertencentes à mesma família, que têm nos Céus um pai comum, ainda curvados sob o jugo de Satanás e à beira do mais horrendo precipício. Então, levado pelo ímpeto daquela caridade que se acendeu com divina chama aos pés do Gólgota e, saída do lado do Crucificado, para abraçar toda a família humana, sentiu que o seu coração palpitava mais fortemente; e uma força divina pareceu empurrá-lo para aquelas bárbaras terras, para apertar entre os seus braços e dar um ósculo de paz e de amor àqueles infelizes irmãos seus, sobre os quais pesa ainda o tremendo anátema de Cam» (Escritos, 2742).

O parágrafo mais denso, que está na base de tudo e que constitui o fundamento em absoluto de todo o resto do texto é o n. 2742: «o católico, habituado a julgar as coisas com a luz que lhe vem do alto…». Comboni é este católico que, à força de julgar sempre a partir das inspirações divinas, ganhou um hábito que o leva a olhar a África não a partir dos interesses humanos e a descobrir irmãos que têm o seu mesmo Pai e aos quais é preciso levar a Boa Nova da Salvação. Evidentemente para julgar a partir do alto, é preciso renascer do alto (Jo 3); renascer do alto é um dom de Deus mas requer também uma ascese (esforço). A fonte deste olhar diferente sobre o africano, considerado um irmão pertencente à própria família, que Comboni quer apertar entre os braços dando o beijo de paz e de amor, é a caridade acesa pela divina chama no Gólgota, saída do lado do Crucificado. A experiência do amor do crucificado é o motor do ímpeto missionário que o empurra para esta periferia, a África, vista pelos outros sob o prisma dos interesses humanos. A experiência da fé, que altera o seu olhar sobre o africano, a experiência da caridade divina que o impele para estas «bárbaras terras» são portanto fonte da sua confiança no homem africano que ele associa como protagonista à obra de regeneração da África, «converter a África com a África». Hoje, nas nossas comunidades, nas nossas missões, este olhar de fé sobre os acontecimentos, sobre as pessoas e sobre a experiência do amor do Crucificado, que não está nunca separado do amor ao próximo, é um elemento importante para a construção de uma fraternidade e confraternidade que vai para além da cor da pele, da etnia, da proveniência provincial, etc. O plano nasce da fé que opera através da caridade em vista de uma libertação do homem africano: «A nossa Obra baseia-se na fé. É uma linguagem pouco entendida na Terra, até entre os bons. Mas compreenderam-na os santos, os únicos a quem devemos imitar» (Escritos, 6933).

O plano tem um centro espiritual, o Coração de Jesus, e alguns centros materiais, os institutos onde serão preparados os evangelizadores e as evangelizadoras, onde podem viver e trabalhar quer africanos quer europeus (cf. Escritos, 2764) e que irão para o centro da África.

“Podemos dizer que o plano nasce, por um lado, de uma espiritualidade «com os pés assentes na terra», feita de estudo e de pesquisa, e, por outro, da experiência do amor de Deus feita por Comboni e que ele traduz neste texto a benefício dos seus irmãos e irmãs africanas”.

2. Um plano movido pela indignação

150 years«Porém, a desoladora ideia de ver suspensa, talvez por muitos séculos, a obra da Igreja em favor de tantos milhões de almas que gemem ainda nas trevas e na sombra da morte, deve ferir profundamente e magoar o coração de todo o devoto e fiel católico, inflamado do espírito da caridade de Jesus Cristo. Por isso, para seguir o impulso desta força sobre-humana e para afastar para sempre do filantropo católico a desoladora ideia de deixar envolvidas na infidelidade e na barbárie essas imensas e povoadas regiões, sem dúvida das mais necessitadas e abandonadas do mundo, é preciso abandonar o caminho seguido até agora, mudar o antigo sistema e criar um novo plano que leve eficazmente ao desejado fim» (Escritos, 2752).

O plano nasce da indignação provocada em Comboni pelo estado de abandono em que encontrava a África do ponto de vista da fé, mas também do desenvolvimento a nível humano. Comboni é aquele católico cheio de piedade, inflamado pela caridade de Jesus Cristo, que se entristece e fica desolado perante a situação da África; que se indigna «perdoar-se-nos-á se o ímpeto do coração, onde manifestamos sentir forte o grito de angústia que a todos nós enviam aqueles infelizes filhos de Adão e irmãos nossos, tiver empurrado a mente para fora da linha da verdade e da certeza» (Escritos, 2754). Uma indignação que o impele à procura de um caminho para a evangelização da África, sem medo de errar, sem uma certeza absoluta; mesmo se erra, será perdoado. O medo de errar paralisa a acção evangelizadora e fecha-nos em nós mesmos, limitando a nossa audácia de ir à procura de novos caminhos. Prefiro, diz o Papa Francisco, «uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças» (EG 49).

O próprio Deus se indigna diante de todas as formas de não dignidade da pessoa humana. «Vi a opressão do meu povo que está no Egipto, e ouvi o seu clamor por causa dos seus inspectores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos» (Ex 3,7). É a indignação de Jesus perante as multidões prostradas como ovelhas sem pastor. Como toda a verdadeira indignação, que nasce da contemplação, a indignação de Comboni não permaneceu estéril, mas levou-o à compaixão e à acção. Uma acção que se caracteriza pela profunda partilha com a África: «A África e os pobres negros apoderaram-se do meu coração, que vive só para eles, sobretudo depois que o representante de Jesus Cristo, o Santo Padre, me encorajou a trabalhar pela África» (Escritos, 941).

Muitas das nossas indignações diante dos horrores do mundo permanecem estéreis porque, enquanto condenamos as situações de guerra que há no mundo, ao mesmo tempo reproduzimos nas nossas comunidades e nas nossas missões os mesmos mecanismos de guerra entre nós, ainda que a uma escala menor. «Dentro do povo de Deus e nas diferentes comunidades, quantas guerras! O mundanismo espiritual leva alguns cristãos a estar em guerra com outros cristãos que se interpõem na sua busca pelo poder, prestígio, prazer ou segurança económica» (EG 98).

Além disso, a nossa indignação permanece estéril quando nos indignamos diante da pobreza extrema na qual se encontram milhares de irmãos contemporâneos, mas somos incapazes de pequenos sacrifícios que a missão nos pede. Pensamos neste momento em certos missionários que aceitam a destinação com a condição que, no lugar para onde forem, haja meios tecnológicos, como por ex. internet. Quando existe a paixão pela missão e a compaixão pelas pessoas, o resto é supérfluo.

3. Um plano a realizar a várias mãos

Familia Comboniana«A obra deve ser católica, não espanhola, francesa, alemã ou italiana. Todos os católicos devem ajudar os pobres negros, porque uma nação só não pode socorrer toda a raça negra» (Escritos, 944).

No plano aparece claramente esta dimensão da colaboração. O apelo à colaboração para a obra da regeneração da África deriva da consciência que São Daniel Comboni tem de que a obra é de Deus e não um assunto pessoal, é assunto da Igreja: «Como a obra que tenho entre as mãos é toda de Deus, é com Deus especialmente com quem há que tratar todos os assuntos, grandes ou pequenos da Missão» (E 3615).

Esta colaboração manifesta-se no momento da formação dos evangelizadores e evangelizadoras. Embora valorizando as riquezas carismáticas de cada Instituto religioso na formação dos africanos e africanas, São Daniel Comboni indica aquilo que não deve faltar no caminho formativo. Em primeiro lugar, o Espírito de Jesus Cristo (cf. Escritos, 2770): trata-se de radicar nos seus corações (no coração dos formandos, homens e mulheres) o Espírito de Jesus Cristo.

O que é que entende Comboni por Espírito de Jesus Cristo? Na vida de Jesus Cristo há dois elementos fundamentais: a experiência de Deus como Pai (Abba) e a experiência do Reino. Radicar o espírito de Jesus Cristo no coração dos evangelizadores e das evangelizadoras quer dizer levá-los a fazer a experiência de Deus como Pai, isto é, ajudá-los a fazer experiência do cristianismo não como um conjunto de leis, como uma ideia, mas como um encontro com a pessoa de Jesus (cf. Deus Caritas est, 1); é o único modo para desenvolver neles a liberdade dos filhos de Deus contra qualquer medo de espíritos que paralisam o crescimento humano, espiritual e social.

O outro elemento é desenvolver nos africanos a paixão pelo anúncio do reino de Deus de amor, de paz, de justiça e de misericórdia; o único modo para dissipar as densas trevas que cobriam a vasta extensão da África Central (Escritos, 2741).

Um terceiro elemento que caracteriza o espírito de Jesus é a humildade: «sendo rico, fez-se pobre por vós, para que vos tornásseis ricos por meio da sua pobreza» (cf. 2Cor 8,9).

4. Um plano com um toque de… «género»

«O plano, portanto, que nós propomos é: a criação de outros tantos institutos de ambos os sexos, que deveriam rodear toda a África, criteriosamente situados em lugares oportunos, à menor distância possível das regiões interiores da Nigrícia, dentro de zonas seguras e algo civilizadas, nas quais pudesse viver e trabalhar tanto o europeu como o indígena africano» (Escritos, 2764).

A valorização da mulher na obra da evangelização por parte de São Daniel Comboni não é só uma opção estratégica no sentido de que as mulheres resistiriam mais ao clima duro da África (falando das europeias) ou entrariam mais facilmente em certos ambientes hostis ao cristianismo. A valorização da figura feminina no seu plano para a regeneração da Nigrícia é uma opção de vida. É uma das consequências daquele olhar contemplativo sobre a realidade: para aqueles que estão em Cristo, não há judeu nem grego, circunciso ou incircunciso… homem ou mulher, mas apenas Cristo, que é tudo e está em todos (cf. Col 3, 9-11).

Explica-se assim também a devoção de São Daniel a Nossa Senhora. A par do título “Virgem da Nigrícia”, encontramos, nos seus Escritos, diversos títulos com que Comboni se refere à Mãe de Deus. Um dos nossos confrades até preparou uma Litania com base nos títulos utilizados por Comboni para se dirigir a Maria.

São Daniel Comboni está em sintonia com o património da grande tradição católica: longe de qualquer devocionismo, Maria é o coração da Igreja. Na Igreja, dizia von Balthasar, Maria tem um lugar mais alto que Pedro e na Evangelii Gaudium, o Papa Francisco diz que Maria é mais importante que os bispos. É preciso portanto revalorizar esta componente feminina na Igreja em equilíbrio com a masculina para não cair, por um lado, no machismo e no clericalismo, e, por outro, no feminismo exasperado ou simplesmente em certas teorias de género que tão mal fazem à humanidade. Na vida de São Daniel Comboni este equilíbrio existiu, porque ao lado da Virgem Maria, está também São José, seu esposo, e no seu carácter – podemos dizer – os dois elementos entrecruzam-se: Comboni é capaz de defender-se com virilidade quando é caluniado e conferir verdade aos factos com palavras por vezes muitos duras mas, ao mesmo tempo, é capaz de perdoar profundamente quem o acusa falsamente. Ao vigor, une o elemento da misericórdia, da compaixão e da ternura, que são tipicamente femininos. Não é por acaso que a comissão que o encarregou de executar o plano se chama «Sociedade dos SS. Corações de Jesus e de Maria para a regeneração da Nigrícia, sob o patrocínio da Virgem Imaculada, de São José, seu esposo, e dos príncipes dos Apóstolos».

5. Um plano a pagar com a própria vida

Comboni y la Virgen«Sobre esta grande ideia se fixou o nosso pensamento e a regeneração da África com a África parece-nos ser o único programa que se deve seguir para realizar tão brilhante conquista. Por isso, em nossa pequenez, julgámos lícito sugerir humildemente um caminho que, ao segui-lo, permita alcançar com maior probabilidade a alta meta para a qual se orientam sempre todos os pensamentos da nossa vida e pela qual estaremos contentes de derramar o nosso sangue até à ultima gota» (E 2753).

Existe uma estreita relação entre o plano elaborado por São Daniel Comboni e a sua vida concreta. Todos os seus pensamentos são dirigidos para o plano pelo qual estará disposto a dar o seu sangue até à última gota. É a imagem do Bom Pastor que veio para que todos tenham a vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10,10).

Esta afirmação por parte de Comboni não é retórica. São Daniel, a 10 de Outubro de 1881, morrerá em Cartum, no auge de uma vida inteiramente dedicada à África e aos Africanos. Por trás do plano de Comboni há nomes, apelidos, rostos de africanos e africanas pelos quais Comboni dá a própria vida. Podemos dizer que aquilo que o Papa Francisco afirma a propósito dos pastores da Igreja é inteiramente verdade no caso de São Daniel Comboni: podemos sentir o cheiro dos africanos sob a veste do infatigável missionário da África. Portanto, para que um plano pastoral, para que um projecto comunitário possa sair do papel e ser apurado – ensina-nos São Daniel Comboni – é preciso pôr aí coração, amor, com a consciência de que por trás daquele plano há milhares de vidas que esperam a sua regeneração simultaneamente espiritual e humana, é preciso estar dispostos a dar o seu próprio contributo, a dar o seu próprio sangue pela sua realização. Porque é que por vezes, efectivamente, os nossos planos pastorais não saem do papel? Talvez careçam daquele envolvimento afectivo e efectivo com as pessoas para as quais o plano se torna um pedaço de papel a mais, ou porque não estamos dispostos a dar qualquer gota de sangue pela sua realização, energia, tempo, etc.

Conclusão

No fim desta breve reflexão, podemos dizer que para compreender o plano, é preciso entrar em profundo diálogo com o seu autor, São Daniel Comboni, com a sua vida e com toda a sua obra. É preciso descobrir o espírito que anima o plano, para além das pobres palavras que o traduzem, para não se perder em debates estéreis, como por ex. «filho de Cam» ou outros do género.

Salvar Africa con Africa

O plano traduz a paixão de São Daniel Comboni pela África, a sua preocupação em conquistar a pérola negra para a Igreja de Jesus Cristo. O plano nasceu de uma visão de fé que move à indignação-compaixão-acção diante da situação de abandono na qual se encontrava a África. São Daniel Comboni compreendeu que a evangelização da África não era um assunto pessoal, mas da Igreja. Procurou o confronto e o diálogo com o pontífice, com o prefeito de Propaganda Fide e com personalidades ligadas à experiência africana, em suma procurou colaboração envolvendo estreitamente a figura feminina. Para a elaboração e a execução do plano, São Daniel Comboni deu a vida, porque, por trás do plano, compreendeu que há uma multidão de vidas, uma multidão de irmãos e irmãs que esperam a mensagem da regeneração.

Novembro de 2014

P. Fidèle Katsan, mccj

Ecos do Simpósio Comboniano

Comboni

Realizou-se, em Roma, de 15 a 19 de setembro, a reflexão sobre atualidade do Plano de Comboni para a regeneração da África passados 150 anos da altura em que foi inspirado e escrito. Para esta reflexão vieram representantes das diferentes Províncias dos Missionários Combonianos (MCCJ), assim como, estiveram presentes representantes das Irmãs Missionárias Combonianas (IMC), das Missionárias Seculares Combonianas (MSC) e dos Leigos Missionários Combonianos (LMC).

Ao longo desta semana de trabalhos, chegou-se a algumas conclusões que serão “provocação” para o próximo capítulo dos MCCJ e que também nos podem ajudar a uma maior reflexão:

  • O Plano de Comboni tem atualidade na medida em que nos chama a perceber as urgências e prioridades da nossa atualidade. Fazemos muitas coisas importantes, mas na impossibilidade de responder a todas as necessidades, temos que discernir o que é vital para o mundo de hoje e redimensionar a nossa ação e vivência missionária em função disso.
  • Comboni tem a inspiração do Plano porque se coloca aos pés da cruz. Hoje a missão já não tem um cariz “geográfico”, por isso, aos pés da cruz temos de procurar perceber os movimentos do Espírito e de que forma podemos responder ao nosso mundo, independentemente do lugar onde somos chamados a estar.
  • O “salvar a África com a África” não pode limitar a nossa ação. Ao contrário, deve levar-nos a adotar uma renovada metodologia, à medida das nossas forças. Assim, a missão na Europa implica re-acreditar nos valores da cultura Europeia e adotar a sua linguagem como meio de libertação e evangelização. O mesmo se aplica noutras culturas onde reconhecemos ser “vital” a presença comboniana.
  • «Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças», afirma o Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (nº49). Com este apelo do Papa somos interpelados a ousar crescer e especializarmo-nos no âmbito dos ministérios que consideramos ser os mais urgentes e prioritários no mundo de hoje.

Depois de uma semana de trabalho e reflexão, partindo do Plano de Comboni e dos apelos da própria Igreja, concluiu-se que a missão de hoje passará sempre, e sobretudo, pela luta em favor da Vida.

Assim, animados pelo carisma de Comboni, todos somos chamados a repensar e redimensionar o nosso ser missionário em vista a que muitos “tenham vida e a tenham em abundância”.

Susana Vilas Boas

Feliz Páscoa a todos do Brasil

Muito longe de sermos como Jesus, mas a caminho nesta vocação LMC na qual fomos chamados.

Na quinta feira do Lava Pés, em comunhão com todos os LMC espalhados pelo mundo a comunidade  LMC do Ipê Amarelo pela manha viveu algumas horas de silencio e as 11:00 da manha nós os quatro que aqui vivemos e Sueli do Bairro Ipê, repetimos o geste de Jesus, para que a semana santa fosse de fato verdade em nossa caminhada comunitária.

Não é nada fácil viver longe de tudo, pouco acesso à internet, agora bloqueador na penitenciaria dificultando ainda mais o sinal da rede celular.

Este caminho de escolha nem sempre fácil, onde além de estarmos na periferia somos muitas vezes surpreendidos pelas nossas periferias da existência humana.

Com tudo acreditamos na vocação e temos a certeza da Ressurreição.

Juntamente como família Comboniana nós LMC aqui do Brasil desejamos uma Santa e Feliz Pascoa.

Lourdes (LMC Brasil)

Missão, Morte e Ressurreição

“A missão permite-nos compreender a ressurreição como o milagre da vida que não se deixa destruir pelo egoísmo e pela ambição sem limites, mas que se impõem como alegria que surge do coração de Deus que nós trazemos na fragilidade do nosso ser humano. Por isso, não há missão verdadeira que não implique morte na nossa vida, morte não como sinónimo de destruição, mas morte que se transforma em oportunidade para renascer, finalmente, para a vida verdadeira que só o Senhor nos pode oferecer como presente do Pai”.

Com estas palavras termina a mensagem de Páscoa enviada pelo P. Enrique Sánchez G., superior geral, a todos os confrades combonianos.

Abaixo publicamos a mensagem.

Feliz Páscoa para todos.

Jesus

MISSÃO, MORTE E RESSURREIÇÃO

«As grandes obras de Deus só nascem ao pé do Calvário»

(Escritos 2325)

A celebração da Páscoa, mistério por excelência, que nos faz entrar na morte que marca a nossa humanidade e na vida sem limites, dom de Deus, que na ressurreição do Senhor Jesus nos faz viver no tempo da esperança e da fé.

Como podemos viver este mistério de modo que seja fonte de vida neste tempo de contrastes, tempo em que a aridez das nossas fragilidades se confronta com o convite a viver a alegria do Evangelho redescobrindo a presença sempre nova do Senhor que, do fundo do túmulo vazio, nos recorda que está vivo entre nós?

Vida e morte, passado e futuro, dor e alegria, trevas e luz, guerra e paz, ódio e amor. Além destes, quantos binómios mais marcam a nossa existência, o nosso peregrinar humano pelos caminhos divinos que nos conduzem à eternidade que não conseguiremos definir e muito menos pronunciar, com as palavras pobres do nosso atuar quotidiano?

Submergidos na corrida frenética dos nossos empreendimentos e dos nossos esforços para mudar o mundo, cada um passa a caminhada inteira com a sua visão, os seus interesses, as suas ideias e os seus programas, pretendendo ter toda a verdade, saber e poder; até mais que os outros.

Vivemos com uma arrogância convertida em doença contagiosa, que não distingue entre pobres e ricos, pequenos e grandes, todos nos sentimos com o direito de criticar, de assinalar os limites, os defeitos, e os pecados dos outros. Os critérios da desconfiança, da suspeição, da superioridade, e da competição tentam impor-se e a confiança, a partilha, o apoio, a misericórdia e o perdão soam como música que irrita o ouvido e não penetra o coração.

Não é este por ventura o cenário em que nos calha viver a missão como uma proposta sempre antiga e sempre nova que impede perder-se na visão trágica, pessimista e deprimente do hoje da nossa história? Não é esta a missão vivida no silêncio, no escondimento, e no anonimato que nos faz ser «pedras escondidas» que falam de uma vida que não faz barulho, que não necessita de publicidade? Não é esta a missão que nos faz viver a partir de dentro o mistério que se converte em vida?

Morte que não tem a última palavra

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Hoje, mais do que nunca, enfrentamos situações que vão para lá do imaginável. As notícias transformam-se em crónicas de desgraças de todas as cores.

A violência e a guerra destroem populações inteiras e condenam milhões de pessoas a fugir não se sabe até onde, como refugiados, prófugos, migrantes ou prisioneiros em seus próprios países. Estas imagens transformaram-se em coreografia de capítulos televisivos que fazem dos dramas humanos episódios de um filme que se desenrola na realidade, mas se apresenta para nós como se fosse uma obra que ganhou um óscar.

Graças a Deus que a missão nos permite narrar a história de outra maneira: é impossível calar o testemunho de todos os que viram a destruição e a morte, não através do ecrã mas no rosto e nos corpos de irmãos e irmãs com quem se trabalhava, se celebrava a eucaristia, se estudava nas escolas pequenas de tetos de palha e se festejava a vida e a alegria de estar neste mundo.

Já não vemos mais a morte de Cristo sobre a cruz de madeira. Descobrimos como missionários, com os olhos e a dor do coração de tantos irmãos nossos, que o Senhor sobe à cruz da indiferença dos poderosos dos nossos dias, do esquecimento dos pobres, da exaltação do poder e da idolatria do dinheiro.

As revoltas, os protestos, e as contestações recolhem o grito desesperado de tantos irmãos e irmãs que não conseguem ir para a frente, que não sabem como fazer para sobreviver numa realidade que parece negar as condições mínimas necessárias para chamar vida à existência.

A grande tentação é cair na armadilha de pensar que a sombra da morte tomou posse do nosso tempo e que se impôs como critério para governar a nossa história. Mas quantas outras mortes descobrimos mais próximas de nós? Por acaso, não é morte a destruição das missões onde estamos presentes no Sudão do Sul ou a violência interminável na República Centro-Africana onde há ainda tantas pessoas obrigadas a abandonar as suas casas por medo de serem assassinadas?

Não será a morte, a diminuição do número de missionários do nosso Instituto? Ou ter que renunciar a certas presenças missionárias que vemos, claramente, que ainda podiam fazer tanto bem? E não será certo que vivemos como um verdadeiro funeral o facto de ter que fechar comunidades, porque não temos ninguém para enviar?

Não nos sentimos morrer quando nos negam a autorização para entrar em determinado país ou se nos nega a possibilidade de continuar o nosso serviço aos pobres e à Igreja local, só porque os políticos de turno vivem de ideologia? Não é morte a mediocridade que nos ameaça cada vez que tentamos organizar a nossa vida segundo os nossos interesses pessoais, quando procuramos pretextos para justificar a nossa falta de disponibilidade para sair, para obedecer, e para aceitar a missão como um dom que devia ser acolhido sem se por condições?

A missão introduz-nos e acompanha-nos no mistério da morte, porque quando é vivida com honestidade total, não podemos dizer outra coisa que aquilo que o Senhor bradou do profundo do seu espírito: Pai, faça-se a tua vontade.

São Daniel Comboni disse-o com palavras que descrevem o cenário contemplado no coração da África: «Perante tantas aflições, entre montanhas de cruzes e de dor … o coração do missionário católico ressentiu-se por estas enormes complicações. Contudo, ele não deve perder o ânimo por isso: a força, a coragem, a esperança nunca podem abandoná-lo» (E 5646).

catedral_064A missão introduz-nos no mistério e na beleza da ressurreição

Há um mais além da morte que para a missão é fundamento de tudo, a garantia de um futuro que se constrói não na base dos nossos recursos, capacidades ou forças.

A missão permite-nos tocar com a mão e contemplar com os nossos olhos aquele projecto sempre actual de Deus que não descansa, tratando de construir uma humanidade em que todos se possam descobrir como irmãos e irmãs.

Deus está sempre em acção e, apesar de irmos por outros caminhos que não nos conduzem à vida, Ele não renuncia ao seu sonho de ver um dia a todos os seus filhos e filhas reunidos numa só família, onde não seja mais necessário colocar etiquetas de religiões, ideologias, preferências políticas, raças, culturas ou cores. Cristo ressuscitado recorda-nos que para Deus o tempo já chegou, mas Ele não tem pressa, estará sempre disposto a esperar pelo nosso regresso, desejando que, neste tempo de espera, não haja vidas sacrificadas por causa da nossa incapacidade de raciocinar menos com a cabeça e mais com o coração.

A missão permite-nos compreender a ressurreição como o milagre da vida que não se deixa destruir pelo egoísmo e pela ambição sem limites, mas que se impõem como alegria que surge do coração de Deus que nós trazemos na fragilidade do nosso ser humano.

Por isso, não há missão verdadeira que não implique morte na nossa vida, morte não como sinónimo de destruição, mas morte que se transforma em oportunidade para renascer, finalmente, para a vida verdadeira que só o Senhor nos pode oferecer como presente do Pai.

«Ele levou os nossos pecados no seu corpo, para que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça: pelas suas chagas fostes curados» (1 Pe 2:24).

Para todos uma Feliz Páscoa.

P. Enrique Sánchez G., mccj Superior Geral

Pôr os pés sobre as pegadas do Fundador

Comboni

São Daniel Comboni nasceu no dia 15 de Março de 1831, em Limone sul Garda, na Itália. No colégio do padre Nicolau Mazza, em Verona, descobriu os seus princípios fundamentais: a santidade, a procura da verdade e o ímpeto missionário. Fundou os institutos dos Combonianos e das Combonianas que hoje estão um pouco por todo o mundo para anunciar o Evangelho entre os mais pobres e abandonados. Há dez anos, Comboni foi proclamado santo. Publicamos um guião de celebração para nos ajudar como Família Comboniana a pôr os pés sobre as pegadas do santo Fundador.

 

ORAÇÃO COMBONIANA

15 DE MARÇO DE 2014

Celebramos o aniversário de Comboni durante o tempo da quaresma, onde tudo na Palavra nos convida à conversão, a despertar do sono, a dedicar-nos às obras da luz. Comboni, homem de fé, soube acordar e deixar-se iluminar por Cristo; e também soube despertar o mundo à sua volta com a sua incansável e apaixonada animação missionária.

Hoje, no contexto da celebração do décimo aniversário da sua canonização, unimo-nos em oração com a Família Comboniana, para invocar o Deus da Luz sobre cada um de nós e sobre todos os povos que vivem na «sombra da morte» por causa das guerras, da injustiça, da pobreza e da opressão. Com Comboni, pedimos-lhe que nos desperte do sono.

Celebração litúrgica

Cântico

Da Carta de São Paulo aos Efésios (5, 8-14)
É que outrora éreis trevas, mas agora sois luz, no Senhor. Procedei como filhos da luz – pois o fruto da luz está em toda a espécie de bondade, justiça e verdade – procurando discernir o que é agradável ao Senhor. E não tomeis parte nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, denunciai-as. Porque o que por eles é feito às escondidas, até dizê-lo é vergonhoso. Mas tudo isso, se denunciado, é posto às claras pela luz; pois tudo o que é posto às claras é luz. Por isso se diz: «Desperta, tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo brilhará sobre ti».
Palavra do Senhor

Carta de Comboni a cada um de nós
Estou convosco, vivo a sede de água viva e o desejo de REGENERAR. Rezo convosco.

«Desperta, tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo brilhará sobre ti.»

Sim, é hora do despertar, de deixar-se despertar pelo Ressuscitado, que sempre antecede os nossos dias e nos indica a aurora de novos horizontes. Despertar, destrancar as portas da nossa vida para deixar entrar a vida de Deus através da vida da humanidade.

Despertai do sono, ponde os vossos pés sobre as pegadas que os nossos povos estão a completar no sulco da vida para colherem a hora da esperança pascal que com sabedoria e de mil modos continuam a indicar, testemunhar, partilhar connosco.

Despertai com o canto de esperança que têm a coragem de entoar até na noite escura.

Despertai do torpor da mediocridade para deixar ecoar na história o anúncio alegre de Isaías, prelúdio do evangelho: «Não vos lembreis dos acontecimentos de outrora, não penseis mais no passado, pois vou realizar algo de novo, que já está a aparecer: não o notais? Vou abrir um caminho no deserto, e fazer correr rios na estepe» (Is 42: 18-19).

Despertai com o grito dos empobrecidos, oprimidos, excluídos, esquecidos, daqueles que têm fome e sede de justiça, daqueles que não ainda não conheceram a Esperança anunciada por Cristo Jesus.

Despertai à brisa do vento para abrir os vossos ouvidos e entender o eco da sabedoria dos vossos povos que vos sustêm no dia-a-dia, o eco das vossas Igrejas locais que vibram de vida nova, o eco do testemunho fiel e mártir de tanta irmãs e irmãos vossos de ontem e de hoje. Estai vivos como a semente que apodrece na terra mas que tem em si a força para gerar.

Estai despertos e atentos como as mulheres na manhã da Páscoa, as únicas que foram ao sepulcro, movidas pela coragem de uma fé que sabe ver para lá da pedra que bloqueia a vida.

São Daniel Comboni:
«… Agora não há hora ou momento em que não pense em vós» (Escritos 162). Vós sois a minha herança…

Cântico

Pergunta para reflexão:
De que apatias sentes que Comboni te pede para despertares para levar por diante a sua obra com paixão, alegria e radicalidade?

Silêncio breve

Partilha

Consagração ao Coração de Jesus e Pai-Nosso…

Rezemos todos juntos:

Obrigado, Daniel!
porque acreditaste no teu sonho.
Tu nos ensinas que é possível ver a África com o olhar de Deus.
Obrigado porque viste e permaneceste fascinado com os africanos
vendo-os com o puro raio da fé, um olhar de irmão e não de imperialista ou esclavagista.
Acreditaste nas capacidades humanas dos africanos, e viste já a África protagonista no seu processo de libertação.
O teu sonho era o sonho de Deus, tu que acreditaste e nos ensinas a acreditar.
A tua vida fala-nos de dois encontros fundamentais:
o primeiro com Deus e o segundo com os africanos.
Foste testemunha audaz da exploração da África e não ficaste indiferente, nem te refugiaste num conformismo desesperado mas sentiste dentro a chama da libertação e quiseste fazer história com os africanos. A sua causa tornou-se tua.
O Espírito sussurrou-te um Plano sapiente:
a regeneração da África através da própria África, e foi primavera, foi força, foi paixão, foi libertação integral.
Obrigado porque o teu sonho nos ilumina hoje perante os projectos neo-imperialistas que continuam a escavar a divisão entre Norte e Sul do mundo.
O teu sonho guia-nos e faz-nos tomar posição perante o deus-dinheiro, perante o ídolo que desumaniza as pessoas.
Hoje estamos mergulhados numa humanidade perdida e débil, e tu dizes-nos para acreditarmos na humanidade, para anunciar Jesus Cristo com paixão e credibilidade.
Não é fácil viver num mundo plural e dividido, mas tu provaste-nos que o amor tudo pode.
Pedimos-te que nos mantenhas unidos a ti e entre nós, teus filhos e filhas, para permanecermos fiéis ao sonho de Deus.
Que as nossas diferenças sejam fonte de riqueza e criatividade.
Obrigado, Daniel, porque acreditaste no teu sonho.