Leigos Missionários Combonianos

Uma Igreja pobre para os pobres e o Pacto das Catacumbas

Catacumbas

Uns quarenta bispos que estavam a participar no Concílio Vaticano II reuniram-se nas Catacumbas de Domitilla para uma celebração eucarística, no dia 16 de Novembro de 1965. Depois da celebração, escreveram e assinaram um documento intitulado “Pacto das Catacumbas”, no qual se comprometiam a viver um estilo de vida pobre e a promover uma Igreja “serva e pobre”. Hoje, o papa Francisco insiste ainda sobre a urgência de termos uma “Igreja pobre para os pobres”. De facto, só uma Igreja pobre poderá caminhar com os pobres, fazendo-se voz dos seus direitos negados. Cinquenta anos depois do Pacto das Catacumbas, um grande número de religiosos, religiosas e leigos reuniram-se ontem, dia 16, para celebrar e fazer memória daquele grande evento eclesial.

Quando o Concílio Vaticano II se dirigia para a sua conclusão, no dia 16 de Novembro de 1965, quarenta Padres conciliares reuniram-se nas Catacumbas de Domitilla, em Roma, para uma celebração eucarística, depois da qual produziram um documento que representa um marco importante na vida da Igreja.

No texto, intitulado “Pacto das Catacumbas de Domitilla”, os Pastores comprometeram-se a viver um estilo de vida pobre e a promoverem uma Igreja serva dos pobres. O documento, com uma lucidez incomum, toca as questões mais prementes de então, mas que continuam sendo actuais, apesar da ausência da abordagem de temas como a ecologia e a globalização da guerra e do terrorismo.

Para comemorar o 50º aniversário do evento e do documento, convocados pelos coordenadores de Justiça e Paz dos institutos religiosos, masculinos e femininos, dezenas de religiosas, religiosos e cristãos comprometidos encontraram-se nas Catacumbas de Domitilla para uma celebração litúrgica de duas horas. Num clima de oração e de reflexão, leu-se o texto do Pacto e, em seguida, constituíram-se pequenos grupos, por línguas, para aprofundar a sua actualidade e apresentar algumas sugestões concretas para realizar nas comunidades religiosas de cada um.

Os organizadores expressaram a sua satisfação e reconhecimento pelo facto de o número dos participantes terem excedido as suas espectativas.

Elementos da espiritualidade comboniana

Comboni

Estamos a celebrar os 150 anos do Plano de São Daniel Comboni. O texto teve mais de uma edição. A nossa reflexão será baseada na IV ed., publicada em Verona pela tipografia Episcopal de A. Merlo, intitulado «Plano para a regeneração da África proposto pelo Padre Daniele Comboni missionário apostólico da África central, Superior dos institutos dos negros no Egipto».

ELEMENTOS DA ESPIRITUALIDADE COMBONIANA QUE EMERGEM DO PLANO PARA A REGENERAÇÃO DA NIGRICIA

Introdução
A primeira pergunta que nos colocamos é se será mais oportuno chamar o texto de Comboni plano ou projecto. Embora o termo hebraico que indica esta realidade seja constantemente traduzido por projecto, plano ou desígnio, a questão merece ser colocada. A palavra grega traduzida por “projecto” dá a ideia de movimento. A noção de plano indica algo de estático, ao passo que a noção de projecto implica dinamismo. O plano habitualmente é uma elaboração fria, sem qualquer envolvimento subjectivo, sem coração; o projecto é vivido desde dentro, com uma carga subjectiva forte, e é esse o caso do texto que São Daniel Comboni apresentou à Igreja. Há envolvimento do coração de Comboni no texto do plano, por isso seria talvez mais oportuno falar de «Projecto para a regeneração da Nigricia». São Daniel viveu a obra da regeneração da Nigricia desde dentro (é a imagem de Potier) antes de chegar às suas implicações práticas. Nas linhas que se seguem continuaremos a chamar o texto de Comboni plano, por respeito à memória do nosso Padre fundador, mas sem esquecer o aspecto dinâmico, aquele dinamismo que nasce da contemplação do Coração de Cristo Bom Pastor, fonte da sua missão.

A experiência carismática em São Pedro, por ocasião da canonização de Santa Margarida Maria Alacoque, foi o momento fundante deste plano mas não o único, como bem sublinha o Padre Geral: «O Plano não é o texto, mas a vida escondida nas palavras, nos pensamentos, nas intuições, nos sonhos e nos desejos que foram o motor capaz de mover as mãos de Comboni para deixar vestígios daquilo que o Espírito queria exprimir e que vai muito para além das ideias e das estratégias que serão de algum modo resposta ao grito que sobe e importuna os ouvidos de Deus para suscitar a sua misericórdia” (Il Piano di Comboni, Carta do Superior Geral, MCCJ Bulletin 258, Janeiro 2014).

Podemos dizer que o plano nasce, por um lado, de uma espiritualidade «com os pés assentes na terra», feita de estudo e de pesquisa, e, por outro, da experiência do amor de Deus feita por Comboni e que ele traduz neste texto a benefício dos seus irmãos e irmãs africanas.

O nosso contributo divide-se em cinco pontos:

  1. Um plano nascido de um olhar diferente.
  2. Um plano movido pela indignação.
  3. Um plano a realizar a várias mãos.
  4. Um plano com um toque de… «género».
  5. Um plano a pagar com a própria vida.

1. Um plano nascido de um olhar diferente

«Porém, o católico, habituado a julgar as coisas com a luz que lhe vem do alto, olhou a África não através do miserável prisma dos interesses humanos, mas do puro raio da sua fé; e descobriu lá uma infinidade de irmãos pertencentes à mesma família, que têm nos Céus um pai comum, ainda curvados sob o jugo de Satanás e à beira do mais horrendo precipício. Então, levado pelo ímpeto daquela caridade que se acendeu com divina chama aos pés do Gólgota e, saída do lado do Crucificado, para abraçar toda a família humana, sentiu que o seu coração palpitava mais fortemente; e uma força divina pareceu empurrá-lo para aquelas bárbaras terras, para apertar entre os seus braços e dar um ósculo de paz e de amor àqueles infelizes irmãos seus, sobre os quais pesa ainda o tremendo anátema de Cam» (Escritos, 2742).

O parágrafo mais denso, que está na base de tudo e que constitui o fundamento em absoluto de todo o resto do texto é o n. 2742: «o católico, habituado a julgar as coisas com a luz que lhe vem do alto…». Comboni é este católico que, à força de julgar sempre a partir das inspirações divinas, ganhou um hábito que o leva a olhar a África não a partir dos interesses humanos e a descobrir irmãos que têm o seu mesmo Pai e aos quais é preciso levar a Boa Nova da Salvação. Evidentemente para julgar a partir do alto, é preciso renascer do alto (Jo 3); renascer do alto é um dom de Deus mas requer também uma ascese (esforço). A fonte deste olhar diferente sobre o africano, considerado um irmão pertencente à própria família, que Comboni quer apertar entre os braços dando o beijo de paz e de amor, é a caridade acesa pela divina chama no Gólgota, saída do lado do Crucificado. A experiência do amor do crucificado é o motor do ímpeto missionário que o empurra para esta periferia, a África, vista pelos outros sob o prisma dos interesses humanos. A experiência da fé, que altera o seu olhar sobre o africano, a experiência da caridade divina que o impele para estas «bárbaras terras» são portanto fonte da sua confiança no homem africano que ele associa como protagonista à obra de regeneração da África, «converter a África com a África». Hoje, nas nossas comunidades, nas nossas missões, este olhar de fé sobre os acontecimentos, sobre as pessoas e sobre a experiência do amor do Crucificado, que não está nunca separado do amor ao próximo, é um elemento importante para a construção de uma fraternidade e confraternidade que vai para além da cor da pele, da etnia, da proveniência provincial, etc. O plano nasce da fé que opera através da caridade em vista de uma libertação do homem africano: «A nossa Obra baseia-se na fé. É uma linguagem pouco entendida na Terra, até entre os bons. Mas compreenderam-na os santos, os únicos a quem devemos imitar» (Escritos, 6933).

O plano tem um centro espiritual, o Coração de Jesus, e alguns centros materiais, os institutos onde serão preparados os evangelizadores e as evangelizadoras, onde podem viver e trabalhar quer africanos quer europeus (cf. Escritos, 2764) e que irão para o centro da África.

“Podemos dizer que o plano nasce, por um lado, de uma espiritualidade «com os pés assentes na terra», feita de estudo e de pesquisa, e, por outro, da experiência do amor de Deus feita por Comboni e que ele traduz neste texto a benefício dos seus irmãos e irmãs africanas”.

2. Um plano movido pela indignação

150 years«Porém, a desoladora ideia de ver suspensa, talvez por muitos séculos, a obra da Igreja em favor de tantos milhões de almas que gemem ainda nas trevas e na sombra da morte, deve ferir profundamente e magoar o coração de todo o devoto e fiel católico, inflamado do espírito da caridade de Jesus Cristo. Por isso, para seguir o impulso desta força sobre-humana e para afastar para sempre do filantropo católico a desoladora ideia de deixar envolvidas na infidelidade e na barbárie essas imensas e povoadas regiões, sem dúvida das mais necessitadas e abandonadas do mundo, é preciso abandonar o caminho seguido até agora, mudar o antigo sistema e criar um novo plano que leve eficazmente ao desejado fim» (Escritos, 2752).

O plano nasce da indignação provocada em Comboni pelo estado de abandono em que encontrava a África do ponto de vista da fé, mas também do desenvolvimento a nível humano. Comboni é aquele católico cheio de piedade, inflamado pela caridade de Jesus Cristo, que se entristece e fica desolado perante a situação da África; que se indigna «perdoar-se-nos-á se o ímpeto do coração, onde manifestamos sentir forte o grito de angústia que a todos nós enviam aqueles infelizes filhos de Adão e irmãos nossos, tiver empurrado a mente para fora da linha da verdade e da certeza» (Escritos, 2754). Uma indignação que o impele à procura de um caminho para a evangelização da África, sem medo de errar, sem uma certeza absoluta; mesmo se erra, será perdoado. O medo de errar paralisa a acção evangelizadora e fecha-nos em nós mesmos, limitando a nossa audácia de ir à procura de novos caminhos. Prefiro, diz o Papa Francisco, «uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças» (EG 49).

O próprio Deus se indigna diante de todas as formas de não dignidade da pessoa humana. «Vi a opressão do meu povo que está no Egipto, e ouvi o seu clamor por causa dos seus inspectores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos» (Ex 3,7). É a indignação de Jesus perante as multidões prostradas como ovelhas sem pastor. Como toda a verdadeira indignação, que nasce da contemplação, a indignação de Comboni não permaneceu estéril, mas levou-o à compaixão e à acção. Uma acção que se caracteriza pela profunda partilha com a África: «A África e os pobres negros apoderaram-se do meu coração, que vive só para eles, sobretudo depois que o representante de Jesus Cristo, o Santo Padre, me encorajou a trabalhar pela África» (Escritos, 941).

Muitas das nossas indignações diante dos horrores do mundo permanecem estéreis porque, enquanto condenamos as situações de guerra que há no mundo, ao mesmo tempo reproduzimos nas nossas comunidades e nas nossas missões os mesmos mecanismos de guerra entre nós, ainda que a uma escala menor. «Dentro do povo de Deus e nas diferentes comunidades, quantas guerras! O mundanismo espiritual leva alguns cristãos a estar em guerra com outros cristãos que se interpõem na sua busca pelo poder, prestígio, prazer ou segurança económica» (EG 98).

Além disso, a nossa indignação permanece estéril quando nos indignamos diante da pobreza extrema na qual se encontram milhares de irmãos contemporâneos, mas somos incapazes de pequenos sacrifícios que a missão nos pede. Pensamos neste momento em certos missionários que aceitam a destinação com a condição que, no lugar para onde forem, haja meios tecnológicos, como por ex. internet. Quando existe a paixão pela missão e a compaixão pelas pessoas, o resto é supérfluo.

3. Um plano a realizar a várias mãos

Familia Comboniana«A obra deve ser católica, não espanhola, francesa, alemã ou italiana. Todos os católicos devem ajudar os pobres negros, porque uma nação só não pode socorrer toda a raça negra» (Escritos, 944).

No plano aparece claramente esta dimensão da colaboração. O apelo à colaboração para a obra da regeneração da África deriva da consciência que São Daniel Comboni tem de que a obra é de Deus e não um assunto pessoal, é assunto da Igreja: «Como a obra que tenho entre as mãos é toda de Deus, é com Deus especialmente com quem há que tratar todos os assuntos, grandes ou pequenos da Missão» (E 3615).

Esta colaboração manifesta-se no momento da formação dos evangelizadores e evangelizadoras. Embora valorizando as riquezas carismáticas de cada Instituto religioso na formação dos africanos e africanas, São Daniel Comboni indica aquilo que não deve faltar no caminho formativo. Em primeiro lugar, o Espírito de Jesus Cristo (cf. Escritos, 2770): trata-se de radicar nos seus corações (no coração dos formandos, homens e mulheres) o Espírito de Jesus Cristo.

O que é que entende Comboni por Espírito de Jesus Cristo? Na vida de Jesus Cristo há dois elementos fundamentais: a experiência de Deus como Pai (Abba) e a experiência do Reino. Radicar o espírito de Jesus Cristo no coração dos evangelizadores e das evangelizadoras quer dizer levá-los a fazer a experiência de Deus como Pai, isto é, ajudá-los a fazer experiência do cristianismo não como um conjunto de leis, como uma ideia, mas como um encontro com a pessoa de Jesus (cf. Deus Caritas est, 1); é o único modo para desenvolver neles a liberdade dos filhos de Deus contra qualquer medo de espíritos que paralisam o crescimento humano, espiritual e social.

O outro elemento é desenvolver nos africanos a paixão pelo anúncio do reino de Deus de amor, de paz, de justiça e de misericórdia; o único modo para dissipar as densas trevas que cobriam a vasta extensão da África Central (Escritos, 2741).

Um terceiro elemento que caracteriza o espírito de Jesus é a humildade: «sendo rico, fez-se pobre por vós, para que vos tornásseis ricos por meio da sua pobreza» (cf. 2Cor 8,9).

4. Um plano com um toque de… «género»

«O plano, portanto, que nós propomos é: a criação de outros tantos institutos de ambos os sexos, que deveriam rodear toda a África, criteriosamente situados em lugares oportunos, à menor distância possível das regiões interiores da Nigrícia, dentro de zonas seguras e algo civilizadas, nas quais pudesse viver e trabalhar tanto o europeu como o indígena africano» (Escritos, 2764).

A valorização da mulher na obra da evangelização por parte de São Daniel Comboni não é só uma opção estratégica no sentido de que as mulheres resistiriam mais ao clima duro da África (falando das europeias) ou entrariam mais facilmente em certos ambientes hostis ao cristianismo. A valorização da figura feminina no seu plano para a regeneração da Nigrícia é uma opção de vida. É uma das consequências daquele olhar contemplativo sobre a realidade: para aqueles que estão em Cristo, não há judeu nem grego, circunciso ou incircunciso… homem ou mulher, mas apenas Cristo, que é tudo e está em todos (cf. Col 3, 9-11).

Explica-se assim também a devoção de São Daniel a Nossa Senhora. A par do título “Virgem da Nigrícia”, encontramos, nos seus Escritos, diversos títulos com que Comboni se refere à Mãe de Deus. Um dos nossos confrades até preparou uma Litania com base nos títulos utilizados por Comboni para se dirigir a Maria.

São Daniel Comboni está em sintonia com o património da grande tradição católica: longe de qualquer devocionismo, Maria é o coração da Igreja. Na Igreja, dizia von Balthasar, Maria tem um lugar mais alto que Pedro e na Evangelii Gaudium, o Papa Francisco diz que Maria é mais importante que os bispos. É preciso portanto revalorizar esta componente feminina na Igreja em equilíbrio com a masculina para não cair, por um lado, no machismo e no clericalismo, e, por outro, no feminismo exasperado ou simplesmente em certas teorias de género que tão mal fazem à humanidade. Na vida de São Daniel Comboni este equilíbrio existiu, porque ao lado da Virgem Maria, está também São José, seu esposo, e no seu carácter – podemos dizer – os dois elementos entrecruzam-se: Comboni é capaz de defender-se com virilidade quando é caluniado e conferir verdade aos factos com palavras por vezes muitos duras mas, ao mesmo tempo, é capaz de perdoar profundamente quem o acusa falsamente. Ao vigor, une o elemento da misericórdia, da compaixão e da ternura, que são tipicamente femininos. Não é por acaso que a comissão que o encarregou de executar o plano se chama «Sociedade dos SS. Corações de Jesus e de Maria para a regeneração da Nigrícia, sob o patrocínio da Virgem Imaculada, de São José, seu esposo, e dos príncipes dos Apóstolos».

5. Um plano a pagar com a própria vida

Comboni y la Virgen«Sobre esta grande ideia se fixou o nosso pensamento e a regeneração da África com a África parece-nos ser o único programa que se deve seguir para realizar tão brilhante conquista. Por isso, em nossa pequenez, julgámos lícito sugerir humildemente um caminho que, ao segui-lo, permita alcançar com maior probabilidade a alta meta para a qual se orientam sempre todos os pensamentos da nossa vida e pela qual estaremos contentes de derramar o nosso sangue até à ultima gota» (E 2753).

Existe uma estreita relação entre o plano elaborado por São Daniel Comboni e a sua vida concreta. Todos os seus pensamentos são dirigidos para o plano pelo qual estará disposto a dar o seu sangue até à última gota. É a imagem do Bom Pastor que veio para que todos tenham a vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10,10).

Esta afirmação por parte de Comboni não é retórica. São Daniel, a 10 de Outubro de 1881, morrerá em Cartum, no auge de uma vida inteiramente dedicada à África e aos Africanos. Por trás do plano de Comboni há nomes, apelidos, rostos de africanos e africanas pelos quais Comboni dá a própria vida. Podemos dizer que aquilo que o Papa Francisco afirma a propósito dos pastores da Igreja é inteiramente verdade no caso de São Daniel Comboni: podemos sentir o cheiro dos africanos sob a veste do infatigável missionário da África. Portanto, para que um plano pastoral, para que um projecto comunitário possa sair do papel e ser apurado – ensina-nos São Daniel Comboni – é preciso pôr aí coração, amor, com a consciência de que por trás daquele plano há milhares de vidas que esperam a sua regeneração simultaneamente espiritual e humana, é preciso estar dispostos a dar o seu próprio contributo, a dar o seu próprio sangue pela sua realização. Porque é que por vezes, efectivamente, os nossos planos pastorais não saem do papel? Talvez careçam daquele envolvimento afectivo e efectivo com as pessoas para as quais o plano se torna um pedaço de papel a mais, ou porque não estamos dispostos a dar qualquer gota de sangue pela sua realização, energia, tempo, etc.

Conclusão

No fim desta breve reflexão, podemos dizer que para compreender o plano, é preciso entrar em profundo diálogo com o seu autor, São Daniel Comboni, com a sua vida e com toda a sua obra. É preciso descobrir o espírito que anima o plano, para além das pobres palavras que o traduzem, para não se perder em debates estéreis, como por ex. «filho de Cam» ou outros do género.

Salvar Africa con Africa

O plano traduz a paixão de São Daniel Comboni pela África, a sua preocupação em conquistar a pérola negra para a Igreja de Jesus Cristo. O plano nasceu de uma visão de fé que move à indignação-compaixão-acção diante da situação de abandono na qual se encontrava a África. São Daniel Comboni compreendeu que a evangelização da África não era um assunto pessoal, mas da Igreja. Procurou o confronto e o diálogo com o pontífice, com o prefeito de Propaganda Fide e com personalidades ligadas à experiência africana, em suma procurou colaboração envolvendo estreitamente a figura feminina. Para a elaboração e a execução do plano, São Daniel Comboni deu a vida, porque, por trás do plano, compreendeu que há uma multidão de vidas, uma multidão de irmãos e irmãs que esperam a mensagem da regeneração.

Novembro de 2014

P. Fidèle Katsan, mccj

Ecos do Simpósio Comboniano

Comboni

Realizou-se, em Roma, de 15 a 19 de setembro, a reflexão sobre atualidade do Plano de Comboni para a regeneração da África passados 150 anos da altura em que foi inspirado e escrito. Para esta reflexão vieram representantes das diferentes Províncias dos Missionários Combonianos (MCCJ), assim como, estiveram presentes representantes das Irmãs Missionárias Combonianas (IMC), das Missionárias Seculares Combonianas (MSC) e dos Leigos Missionários Combonianos (LMC).

Ao longo desta semana de trabalhos, chegou-se a algumas conclusões que serão “provocação” para o próximo capítulo dos MCCJ e que também nos podem ajudar a uma maior reflexão:

  • O Plano de Comboni tem atualidade na medida em que nos chama a perceber as urgências e prioridades da nossa atualidade. Fazemos muitas coisas importantes, mas na impossibilidade de responder a todas as necessidades, temos que discernir o que é vital para o mundo de hoje e redimensionar a nossa ação e vivência missionária em função disso.
  • Comboni tem a inspiração do Plano porque se coloca aos pés da cruz. Hoje a missão já não tem um cariz “geográfico”, por isso, aos pés da cruz temos de procurar perceber os movimentos do Espírito e de que forma podemos responder ao nosso mundo, independentemente do lugar onde somos chamados a estar.
  • O “salvar a África com a África” não pode limitar a nossa ação. Ao contrário, deve levar-nos a adotar uma renovada metodologia, à medida das nossas forças. Assim, a missão na Europa implica re-acreditar nos valores da cultura Europeia e adotar a sua linguagem como meio de libertação e evangelização. O mesmo se aplica noutras culturas onde reconhecemos ser “vital” a presença comboniana.
  • «Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças», afirma o Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (nº49). Com este apelo do Papa somos interpelados a ousar crescer e especializarmo-nos no âmbito dos ministérios que consideramos ser os mais urgentes e prioritários no mundo de hoje.

Depois de uma semana de trabalho e reflexão, partindo do Plano de Comboni e dos apelos da própria Igreja, concluiu-se que a missão de hoje passará sempre, e sobretudo, pela luta em favor da Vida.

Assim, animados pelo carisma de Comboni, todos somos chamados a repensar e redimensionar o nosso ser missionário em vista a que muitos “tenham vida e a tenham em abundância”.

Susana Vilas Boas

Ecos da missão LMC

SusanaDesde cedo desejei estar o mais perto possível daqueles que nada têm e, sobretudo, de ser uma com eles, de modo que pudesse ser ponte entre os mais pobres de entre os pobres e as suas autoridades locais e, claro, entre estes e a Europa.

Recordo que, quando parti, com 24 anos, para a missão na República Centro-Africana não tinha nenhuma ideia do que me esperava. Sabia apenas que Deus me chamava e que o coração da África precisava de mim tanto como eu precisava dele.

Neste sentido, a formação com os Leigos Missionários Combonianos (LMC) foi muito importante e ajudou a confirmar a minha vocação como leiga e missionária dentro do carisma de Comboni, mas, se naquela altura eu amava a África, e não concebia a ideia de «ser feliz» sem lutar activamente por um mundo mais feliz, mais justo e verdadeiro, hoje, após 5 anos vividos no coração da África, posso afirmar que a doação à Missão traz-me mais do que a felicidade, traz-me o sentido para a vida, a força para a esperança no manhã e, sobretudo, faz-me sentir o amor e a presença de Deus mais do que nunca, afinal, estando entre os mais pobres do mundo inteiro, estou entre os mais amados de Deus.

Esquecidos pelos homens

PigmeosNa República Centro-Africana, este país tão esquecido pelos homens e tão amado por Deus, integrei aquela que foi a primeira comunidade LMC internacional: Mongoumba, em plena floresta, vivendo e trabalhando com os pigmeus e com os bantús (não pigmeus).

Uma das minhas lutas quotidianas foi a luta para que a crescente desflorestação acabesse. Com efeito, se o abate das árvores não cessar, dentro em breve não existirão mais pigmeus na região e os bantús, que vivem nas aldeias, tornar-se-ão mão-de-obra barata de quem quiser explorar a região.

Actualmente, por causa desta situação, os pigmeus e os não pigmeus são obrigados a viver demasiado próximos e, claro, o choque cultural – para o qual ninguém estava preparado e que foi, naturalmente, imposto pelos interesses das empresas europeias de madeira – faz que os pigmeus vivam numa situação de escravatura e exclusão social total. Para ajudar a fazer frente a esta exclusão social, a missão criou e gere seis escolas de integração para os pigmeus. Escolas, estas, que estão espalhadas pela floresta num raio de cerca de 60 km. Tentamos, assim, através de um método específico, que as crianças pigmeias frequentem os primeiros anos de ensino para depois serem mais bem integradas nas escolas públicas.

Outros problemas, que aqui abundam, têm a ver com a saúde. Como os pigmeus vivem da floresta, esta, ao ser destruída, abre um caminho de fome e de doença. Por um lado, de fome, porque as árvores, que são a base da alimentação, são abatidas. Por outro, de saúde, porque as doenças aumentam e as árvores e plantas medicinais, usadas nas curas tradicionais, começam a ser difíceis de encontrar. Neste sentido, e também para ajudar neste caminho de integração dos pigmeus no sistema de saúde público, a missão gere um posto de saúde. Este está especialmente direccionado para os pigmeus e para os mais pobres da aldeia. Aqui, não fazemos as consultas, servimos apenas de ponte entre os doentes e o centro de saúde público, dando também o apoio necessário para a toma de medicamentos. Connosco trabalha um enfermeiro-socorrista centro-africano que nos ajuda a acompanhar os doentes para a correcta toma de medicamentos e a fazer a sensibilização sanitária nos acampamentos pigmeus.

Nesta área, as lutas são mais que diárias: são de minuto a minuto! A todo o momento deparo com erros clínicos graves no centro de saúde público que resultam tanto da ignorância e negligência de quem lá trabalha, como da discriminação e da falta de consciência da importância e valor da vida.

Assim, há dias que este centro de saúde parece produzir mais a morte que a vida. Por isso, quando as mortes acontecem «sem terem de acontecer», isto leva-nos a lutas que terminam ora em tribunal ora no Ministério da Saúde.

Dar voz

Escola Pigmea Olho este povo – pigmeu e bantú – e percebo que este não é senão vítima da corrupção mundial que ajuda o governo centro-africano a preocupar-se mais com abastecer-se de armas do que com a Saúde e a Educação. Como podemos nós, neste contexto, remar contra a corrente? Certamente, esta não é tarefa fácil mas isto não nos desanima, ao contrário, faz-nos lutar em favor da vida e da verdadeira liberdade deste país que, teoricamente independente, continua a sofrer diariamente os abusos da colonização.

Hoje, a comunidade LMC aqui presente, conta com a ajuda dos Missionários Combonianos e das Missionárias Seculares combonianas. Assim, em Família Comboniana, e trabalhando em comunidade apostólica, desenvolvem-se projetos nas mais diversas áreas, procurando, com o testemunho de vida, anunciar Aquele que nos envia, a todos, à Missão.

De facto, a missão, em todos os lugares do mundo, precisa de testemunhos de vida que sejam chave para a libertação dos povos. Hoje, na missão, o desafio não é «fazer alguma coisa para os outros», mas «ser alguma coisa com os outros». A oração sem a acção é vã e distante dos valores do Evangelho.

Hoje, a missão desafia-nos a viver de acordo com os valores que defendemos e em favor de um mundo onde todos, sem excepção, sejam considerados, de verdade, filhos de Deus, para que n’ELE encontrem Vida em abundância.

Susana Vilas Boas

LMC

[Moçambique] Jubileu do plano de regeneração da África

Há coisas difíceis de contar, como é popular ouvir, só dá vendo. A paróquia do Imaculado Coração de Maria de Carapira está em festa, em grande festa. Comemora neste ano (2014) cento e cinquenta (150) anos do plano de Comboni para a regeneração da África. Um plano concebido para aliviar o sofrimento do povo africano. Um povo pobre, sofredor, sujeito a escravatura, que não conhece a boa nova de Jesus. O sonho de Daniel Comboni, ou seja, o plano de Deus se transformou em obra, uma obra rodeada de grandes dificuldades mas cheio de vida e progressivo. Uma das formas que Daniel Comboni adotou para amainar essas dificuldades foi a de “Salvar a África com a África”.

Ainda neste ano comemorou os cinquenta (50) anos da inauguração da maravilhosa igreja da paróquia construída pelos discípulos de Jesus orientados pelo carisma de Daniel Comboni. Foi muito bonito e encantador ouvir, dos membros mais velhos da comunidade cristã, a história da paróquia, desde a chegada dos primeiros missionários, passando pela construção e inauguração da Igreja até os dias de hoje. Não se esqueceram de contar os momentos da guerra civil e os missionários e missionárias combonian@s com os quais passaram esses momentos difíceis os quais prestaram importantes e valiosas ajudas.

É neste ano que a presença das irmãs combonianas em Moçambique completam 60 anos, fazendo uma recordação da história visitaram a Ilha de Moçambique e a paróquia de Mossuril onde tiveram sua primeira missão.

Comemora também os cinquenta anos da criação da Escola Industrial de Carapira pelos missionário combonianos, uma obra que tem como objetivo dar resposta ao lema “Salvar África com a África”. Uma escola que, diante de muitas dificuldades, sempre pautou na formação de jovens moçambicanos com elevado nível técnico-profissional e humano para o serviço do povo. É dentro destes jubileus que a paróquia assistiu a ordenação do P. José Alberto moçambicano e a consagração da Ir. Lília Karina mexicana, engrossando assim a família comboniana.

É maravilhoso o modo como a família comboniana – padres, irmãs, irmãos e leigos (estrangeiros e moçambicanos) – coordena os trabalhos de evangelização. Esta equipa trabalha em estreita colaboração, nas tarefas que a realidade propõe, mesmo nos momentos de preparação e realização de eventos ou festas.

Toda a África, em particular Moçambique, graças ao Comboni o evangelho está sendo vivido por maior número da população. Agradecimentos a Deus pelo legado.

Casal Martinho.