Leigos Missionários Combonianos

Notícias da Missão de República Centro-Africana

LMC Portugal

Espero que tudo vos esteja a correr bem e a todas as pessoas que me conhecem. Eu e todos os membros da C. A. (comunidade apostólica) estamos bem, graças a Deus.

Estou em Mbaiki a participar no retiro com os combonianos, estou a achar muito bom. Espero que venha a dar bons frutos! Que o Senhor nos ajude a segui-Lo cada vez melhor, com o coração e não só com a cabeça, a sermos-Lhe fiéis, e a nunca perdermos a confiança n´Ele porque Ele é sempre fiel e está sempre ao nosso lado. Na doença e nas dificuldades não devemos duvidar da Sua presença, porque aí Ele nos dá a Sua mão e, muitas vezes nos transporta, quando já estamos a desanimar.

Estes primeiros tempos têm sido difíceis, as matrículas dos alunos, a escolha dos professores que é muito difícil, pois o nível de estudos é muito baixo. São pais professores que têm o 9º, 10º… não temos nenhum professor diplomado. Fazemos testes para os admitir mas os resultados são muito fracos e assim não dá para os colocar diante de uma classe, é preciso saber um certo mínimo. Para além disso as classes têm cerca de 50 alunos o que dificulta mais o ensino. Dou graças a Deus que estão já todas as classes a trabalhar. Que o Senhor ajude os professores e os alunos a conseguirem boas aprendizagens é Ele que faz caminhar, avançar o trabalho na Missão. Nós somos simples servidores.

Domingo será a ordenação episcopal do Padre Jesus, em Bangui. Não se esqueçam de rezar por nós e de também rezar muito por ele. Que a paz volte o mais rapidamente para Bangassou a diocese que lhe está confiada. Eu não me esqueço de rezar por todos, cada dia. Boas melhoras a todos aqueles que estão doentes, que o Senhor vos conceda força e serenidade…

Aqui tem chovido muito. As estradas estão péssimas com muitos buracos, são muito cansativas as viagens. Desde que cheguei só fiz a viagem para Mongoumba que foi grande as outras viagens foram de poucos quilómetros. Espero que já tenha chovido bem aí e que tenham terminado os fogos. Terça voltarei para Mongoumba se o Senhor o permitir.

Estamos sempre unidos pela oração. Um abraço Missionário do tamanho do Mundo!

Maria August. LMCMongoumba

Testemunho – Fé e Missão em Carapira por Inês Gonçalinho

LMC Portugal

Bem, como começar este testemunho? Palavras não chegaram para descrever o turbilhão de emoções que senti, e a nostalgia que já acumulo no meu coração. Demorei dias ou até semanas para conseguir escrever o testemunho, talvez por medo ou mesmo por saudade. Cada dia que passo longe daquela terra sinto dor, mas acima de tudo saudade. É algo que se apodera de mim sem me pedir licença, que determina o meu estado de espírito, chegando mesmo a ditar os sonhos que tenho quando me deito. Não consigo descrever o que vivenciei, o que partilhei, o que amei, o que cresci, o que dei, mas acima de tudo o que recebi. Amei e amo aquela gente como se fosse minha. Sinceramente, como não amar? Fui adotada e acarinhada por todos o que se cruzaram no meu caminho, mesmo não falando a mesma língua não foi nenhum impedimento para trocas de amor constantes. Numa das idas ao bairro perto da casa da missão, cruzei-me com uma mamã que de imediato convidou-me para “mata-bichar” com eles. Quando dei por mim, estava rodeada de gente que me olhava atentamente, mas com um carinho infinito para me ensinar os seus costumes. Derretia-me o coração a hospitalidade e o amor que sentia diariamente, e a forma como nos olhávamos e abraçávamos era apaixonante. Estava em casa.

Sento-me e penso como me senti quando calcei aquela terra pela primeira vez, e é impossível conter as lágrimas. A excitação de começar, de conhecer, de estar, de ajudar, era tanta que logo na segunda-feira (dois dias após a nossa chegada), apresentei-me ao serviço no ITIC. Na noite anterior mal dormi com medo. Dei por mim a pensar se teria capacidade para tratar dos meninos que aparecessem na Enfermaria a pedir a minha ajuda, se tudo o que aprendi na faculdade realmente serviria para alguma coisa, se teria capacidade para me adaptar aos meios que tinha. Havia muitos “se’s”, muitas inseguranças, mas de uma coisa tinha a certeza, daria o meu melhor desde que acordasse até que me deitasse.

Organizei papeladas, reorganizei as vitrinas dos medicamentos, mas acima de tudo tratei dos alunos nas suas mais variadas formas. Entreguei-me sem medos, ficava horas depois do suposto naquele cubículo de 4 paredes, mas que me enchia tanto o coração. Ficava maravilhada quando os alunos me procuravam apenas só para me “saudar” para “ alegrar o meu dia”, como eles diziam.

LMC Portugal

A forma como me liguei aqueles meninos foi indiscritível, parecia que com um simples olhar tínhamos feito um juramento que cuidaríamo-nos mutuamente. Vivia intensamente as doenças ou as preocupações de cada um deles, e tratava de cada um como se fosse único, com todo o amor que carregava no meu peito. Muitas vezes, quando alguns deles estavam doentes e ficavam a dormir na enfermaria, custava-me tanto voltar para casa. Não conseguia pensar em mais nada, se não em arranjar estratégias para que melhorassem mais rapidamente. Então, muitas das vezes, passava as tardes ao lado deles, a jogar jogos no chão frio da Enfermaria, a fazer controle de febre de 30/30 minutos, ou simplesmente a vê-los dormir.

Havia dias mais fáceis que outros, mas todos eles eram um desafio constante. Todos os dias Ele ajudava-me a superar-me, e a perceber que as nossas barreiras estão apenas na nossa cabeça. Ajoelhei-me perante Deus várias vezes desorientada, e Ele falou-me ao coração mostrando-me que de mãos dadas ultrapassava todas as dificuldades.

Uma das milhares situações que vivi, foi quando olhei pela primeira vez para o rosto daquelas meninas das quais estava a acompanhar o estudo. Cada olhar penetrava no meu coração de uma forma tão intensa que jamais esquecerei. Tentavam aprender sozinhas, sem livros de apoio ou explicadores. Eram movidas por uma força interior indiscritível de querer ser mais, de alcançar um futuro melhor. Cada uma, carregava nos seus olhos histórias e vivenças que jamais esquecerão, mas sempre com uma alegria e um amor contagiante.

Tive a oportunidade de ajudar no posto médico da comunidade, e aí percebi que pertenço a este povo. Andei demasiado tempo a evitar o confronto com o estado de saúde da comunidade Macua e o sofrimento que iria sentir. Mas pelo contrário, arregacei as mangas e fui. Simplesmente fui. Corri todas as especialidades, desde os doentes com HIV, mamãs internadas com patologias ainda por descobrir, maternidade, consultas de pediatria, chegando mesmo há tuberculose. Sabia que estava a colocar a minha saúde em risco, mas de uma coisa tinha a certeza, Ele estava a olhar por mim, e por isso, não iria fazer disso um impedimento para não ajudar aquelas pessoas.

Filas intermináveis, preenchiam o átrio do posto, os gritos de crianças entoavam em todos as divisões, e a esperança que chegasse a sua vez era comum a todos. Por vezes, a língua era uma barreira para explicar a toma da medicação e as precauções que teriam que ter, mas fazia um esforço para que a mensagem chegasse. Agradeço-Lhe por me ter dado forças todos os dias para conseguir ajudar aqueles que procuravam, e que a impotência não se apoderasse de mim.

A cada dia que passava, laços eram fortalecidos e o meu medo de regressar a casa era constante. Sabia que o meu lugar era ali, pertencia-lhes. Foram a família que Deus escolheu durante a minha missão. E a cada dia que passava os amava mais, por isso, era impossível despedir-me sem juramentar o meu regresso. Agradeço-lhes de coração, a forma como me receberam de abraços abertos e todo o amor que me deram.

O mais engraçado desta missão não foi só as pessoas que conheci, os sorrisos que vi, ou as lágrimas que deitei, mas sim a forma como Deus invadiu o meu coração diariamente sem me aperceber. A necessidade de conversar com Ele diariamente, estava intrínseca na minha rotina diária, e a forma bela como ele me respondia era indescritível. Tenho a certeza que sem Ele, não iria conseguir suportar as minhas fraquezas nem contornar as minhas inquietações. Como foi bonita esta descoberta com o Senhor!

Obrigada Carapira, simplesmente obrigada!

LMC PortugalInés Gonçalinho, Fé e Missão

Aprender a amar…

LMC PortugalFoi um sonho… que se tornou realidade! Tudo surgiu desde a primeira vez que ouvi o testemunho de um padre missionário e pelo qual me maravilhei com tamanha intensidade de amor vivido e partilhado. Era adolescente e desde aí nasceu em mim uma enorme vontade de também querer amar assim.

O tempo foi passando e quase vi o sonho fugir entre rotinas, responsabilidades e trabalho… Mas, Deus sabe o que faz e não podia deixar um sonho tão rico morrer em vão. Ele soube-me levar pelo caminho certo, conduzindo-me pela caminhada do Fé e Missão que me ajudou a aproximar d’Ele, a conhecer o meu íntimo e a perceber que era chamada a fazer algo mais. E com milhões de medos e anseios Ele quis que eu fosse ainda mais longe e vivesse este mês, onde pude aprender e saborear um pouco da vida missionária.

Após toda a preparação, angariação de fundos e despedidas, só senti a realidade da situação quando me vi em Nampula. Assim que saí do avião, tirei a máquina para tirar fotos do local e fui logo impedida de o fazer, por um segurança do aeroporto. Aí sim, percebi que aquele não era mesmo o mundo em que cresci, a realidade a que sempre fui habituada.

No caminho percorrido até Carapira, mais certezas tinha de estar a viver uma outra vida, num mundo completamente diferente. Da estrada alcatroada, sem marcações e com retas infinitas foi-me permitido ver a verdadeira realidade de viver em Moçambique. Da janela fui vendo as barracas junto à estrada com imensas feirinhas, onde se vendia de tudo um pouco, vi também muitas mulheres a carregarem os seus filhos às costas e outras que carregavam baldes de água ou outras cargas nas suas cabeças. A terra vermelha, as típicas árvores e a planície infinita com alguns rochedos ao alto identificavam a paisagem. Em alguns locais viam-se palhotas e pequenos barracos que identificavam as povoações.

Chegamos a Carapira com uma receção calorosa que me fez lembrar da existência de um mundo parecido com o que estava habituada a viver. As instalações eram bastante agradáveis à semelhança do que tinha idealizado anteriormente.

Os primeiros dias permitiram conhecer o local onde passaríamos maior parte do tempo, as casas dos diferentes ramos da família Comboniana e o seu trabalho desenvolvido ao longo do tempo. Foram distribuídas tarefas por toda a comunidade do Fé e Missão, entre as quais relacionadas essencialmente com o trabalho do Instituto Técnico Industrial de Carapira (ITIC) e no apoio ao estudo das meninas do lar das Irmãs Combonianas.

O trabalho que nos tinha sido atribuído foi sendo feito ao longo do mês e com a adaptação do ritmo que ali se vivia. O tempo era muito relativo e a pressa não existia, havendo sempre a possibilidade de uma conversa extra sempre que caminhávamos para algum lado.

Todos os dias participávamos nas laudes e vésperas, realizadas na igreja juntamente com a comunidade Comboniana. No início, não foi propriamente fácil acordar cedo para as laudes, mas há medida que ia entrando no ritmo, estranho seria se algum dia faltasse a uma das orações. Era um momento de paragem para estar junto Dele e por aí relembrar todas as razões que me levaram a estar ali.

LMC PortugalAlém das tarefas atribuídas inicialmente, tive a oportunidade de visitar uma comunidade fora de Carapira, com a irmã Eleonora, onde pela primeira vez me senti “inculturada” ao almoçar juntamente com a comunidade, tive também a oportunidade de rezar o terço em Macua no bairro de Carapira e de acompanhar a irmã Maria José na visita aos doentes. Todos estes momentos permitiram conhecer um pouco mais sobre os costumes e a vida do povo Macua. Eles ficavam muito contentes sempre que nos ouviam falar na sua língua, por mais pequena que fosse a expressão.

As maravilhas foram acontecendo ao longo dos dias. E em cada um deles havia um toque especial, que me fazia gostar de estar ali e onde já nada mais importava! Apesar das saudades de Portugal, a vontade de ficar ali aumentava a cada dia que passava. E aos poucos fui aprendendo mais e mais e o melhor de tudo surgiu com as meninas do lar.

Desde o primeiro dia em que as conheci fiquei logo apaixonada pelos seus sorrisos, canções e alegria contagiante. O meu coração se enchia, sempre que estava com elas! Elas cativaram-me com a sua simplicidade e apesar de ter a tarefa de lhes ensinar e ajudar com os estudos senti que aprendi muito mais. Partilhavam o pouco lanche que tinham e ainda davam um pouco do delas. Ensinavam palavras em Macua e divertiam-se sempre que eu as tentava pronunciar.

Quando já sentia o coração a rebentar com tanto amor e a pensar que já não era possível mais, eis que me surge uma pequenita a precisar de falar comigo a sós. Confesso, foram mil e um pensamentos e alguns receios, junto com muita curiosidade. O que me queria ela dizer? Surge então a oportunidade e a pergunta é tão simples, dita de uma forma tão doce: “Queres ser minha amiga?” Fiquei sem reação e sem palavras. Não contava com tão pequena pergunta que carregava tanto sentimento. Abracei-a e disse-lhe com todo o meu amor que já eramos amigas sem ter de o pedir. Mas aquele coraçãozinho ainda me quis surpreender mais. Apesar de eu ter tentado não aceitar, veio com um presente para mim. Sim, nós que temos tanto e eles que têm tão pouco. Como é possível? Um pequeno caderno com um texto escrito por ela. Ao longo do mês, as pequenas atitudes desta menina mexeram comigo de uma forma muito especial, mexendo também com o meu mundo e a minha forma de pensar sobre o amor. Afinal ele é tão simples!

Tudo isto fez-me ver a vida com muito mais simplicidade deixando de dar valor a muita coisa que tinha e refletir sobre esse amor que pouco falava e muito transmitia. Foi assim que Deus me levou ao deserto e me falou ao coração…

Mónica Silva (Fe e Missão)