Leigos Missionários Combonianos

O XVIII Capítulo Geral e a ministerialidade

Hno. Alberto Parise

Na visão da Evangelli Gaudium (EG), a missão da Igreja e todos os ministérios no seu interior são orientados a construir o Reino de Deus, esforçando-se por criar espaços no nosso mundo em que todas as pessoas, especialmente os pobres e os excluídos, possam experimentar a salvação de Jesus Ressuscitado. Os ministérios, portanto, assumem uma importância crucial enquanto lugar de encontro entre humanidade, Palavra e Espírito na história. (Ir. Alberto Parise, na foto)

O XVIII CAPÍTULO GERAL E A MINISTERIALIDADE

Ir. Alberto Parise

Há momentos na história que marcam passagens epocais ou transições de um sistema sociocultural a um outro, que é inédito, marcando uma importante descontinuidade. O tempo em que Comboni viveu foi certamente um destes momentos históricos. Era o tempo da revolução industrial, fruto de um grande salto que ciência e tecnologia estavam a operar, também a nível económico e político. A Igreja encontrava-se na defensiva, perante o chamado «modernismo» que entendia como uma ameaça. Era uma Igreja assediada, politicamente e culturalmente; e na sua resistência, corria o risco da autorreferencialidade. E, todavia, precisamente naquele tempo tão difícil, experimentou um grande renascimento: entre as contradições e os males sociais que emergiam com o novo sistema económico capitalista industrial, emergiu também um ímpeto para o apostolado social, através do serviço de leigos e de um grande número de novos institutos religiosos. O movimento colonial – que respondia a lógicas político-económicas e à ideologia dos estados nacionais em competição – era, por outro lado, acompanhado de um grande interesse cultural pelas explorações, o exótico, o espírito de aventura. Mas houve também o nascimento de um novo movimento missionário em direcção a terras e povos distantes. A Igreja entrava assim numa nova época, com um forte renovamento espiritual – como testemunha a espiritualidade do Sagrado Coração, que marcou aquele tempo – fazendo emergir um novo modelo missionário.

O XVIII Capítulo Geral foi celebrado numa viragem epocal análoga para a Igreja. O discernimento do Capítulo sintonizou-se na leitura de tal viragem que o Papa Francisco tinha feito na Evangelli Gaudium (EG): uma leitura teológica da nova época que abre, na prática pastoral, a um novo ímpeto missionário. Novo, no sentido de superação do paradigma a que estamos habituados: uma missão baseada no modelo geográfico, em que os protagonistas são «corpos especiais» missionários, autênticos pioneiros, cujo papel é fundar Igrejas locais. A realidade da globalização e a devastadora crise socioambiental do nosso tempo – consequência do preponderante modelo de desenvolvimento que é insustentável e que quase nos levou ao ponto de não retorno – requerem uma renovada abordagem de evangelização. De resto, tendo presente tão-somente a nossa realidade comboniana, apercebemo-nos que o modelo do passado já está ultrapassado nos factos. Por exemplo, o esquema de províncias (do norte do mundo) que enviam e províncias (do sul) que recebem missionários não corresponde mais àquilo que está realmente a acontecer. Tal como a ideia de que nos países do sul se faça «evangelização» e nos do norte «animação missionária». Nota-se a urgência da animação missionária, por exemplo, em África e – como depois indicou o Capítulo – da missão na Europa.

A Evangelli Gaudium indica então um novo paradigma de missão. Não mais simplesmente geográfico, mas existencial. A Igreja é chamada a superar a sua auto-referencialidade e a sair em direcção a todas as periferias humanas, onde se sofre a exclusão e se vivem todas as contradições devidas às desigualdades económicas, à injustiça social e ao empobrecimento. Tudo isso não é mais um aspecto disfuncional do sistema económico, mas um requisito sobre o qual este mesmo sistema prospera e se perpetua. A missão torna-se o paradigma de toda a acção pastoral e a Igreja local é o seu sujeito. Qual é então o papel dos institutos missionários? É o de animar as Igrejas locais para que vivam o seu mandato de ser missionárias, Igrejas em saída em direcção às periferias existenciais. Trata-se de caminhos de comunhão, no seio de realidades conotadas por diversidade e pluralismo, construindo juntas uma perspectiva comum, que valorize as diferenças e as «supere», sem as anular, construindo uma unidade a um nível superior. São caminhos caracterizados pela proximidade aos últimos, pelo serviço, pela capacidade de anunciar o Evangelho na essencialidade do kerigma com as palavras e com a vida. O Papa Francisco relança a visão de Igreja do Concílio Vaticano II, como «o sacramento, ou seja, o sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano». No novo mundo plasmado pela revolução digital e pela globalização dos mercados do capitalismo financeiro, a Igreja é chamada a convocar um «povo» que supere as fronteiras de pertença e caminhos em direcção ao Reino de Deus. Então, o testemunho cristão do Ressuscitado será generativo e também a Igreja crescerá: por atracção, não por proselitismo.

Tal como o foi para Comboni no tempo da revolução industrial, assim para nós hoje a época da revolução digital é uma grande oportunidade missionária. Tratando-se de um novo paradigma, o desafio é o de pensar, estruturar-nos e formar-nos consequentemente. O primeiro passo é reconhecer a graça do carisma comboniano, muito actual e talhado à medida para o novo paradigma de missão. Antes de mais, a ideia central da «regeneração da África com a África», uma imagem sintética que relata uma história muito complexa e articulada: há a ideia da geração de um «povo», capaz de construir uma sociedade alternativa, em sintonia com a acção do Espírito. O anúncio do Evangelho ajuda a levar a cumprimento aquelas «sementes do verbo» já presentes nas culturas e na espiritualidade das gentes. Comboni sublinhava também a importância de que esta obra devesse ser «católica», isto é, universal: longe da auto-referencialidade, via-se como parte integrante de um movimento missionário muito maior, muito mais articulado, com diversidade de dons e carismas. Compreendia o seu papel como o de um animador que «manifestou particularmente através de incansáveis esforços para sacudir as consciências dos pastores da Igreja sobre as suas responsabilidades missionárias, para que a hora da África não passasse em vão» (RV 9). Na visão da EG, a missão da Igreja e todos os ministérios no seu interior são orientados a construir o Reino de Deus, esforçando-se por criar espaços no nosso mundo em que todas as pessoas, especialmente os pobres e os excluídos, possam experimentar a salvação de Jesus Ressuscitado.

Os ministérios, portanto, assumem uma importância crucial enquanto lugar de encontro entre humanidade, Palavra e Espírito na história. Um encontro regenerativo, como muito bem tinha compreendido Comboni. Por isso tinha pensado no seu Plano em toda uma série de pequenas universidades teológicas e científicas ao longo das costas do continente africano, para preparar ministros em vários campos que se irradiariam depois para o interior, para fazer suscitar comunidades pelo espírito evangélico, capazes de transformação social, como nos testemunha o modelo de Malbes e de Gezira.

No espírito do Capítulo, a requalificação sobre linhas ministeriais do nosso serviço missionário requer, como tinha intuído Comboni, uma nova «arquitectura» da missão, que sustente e promova:

  • = uma requalificação ministerial do nosso empenho, desenvolvendo participativamente e em comunhão pastorais específicas, segundo as prioridades continentais. No Capítulo, de facto, emergiu que se, por um lado, estamos presentes nestas «fronteiras» da missão, por outro, muitas vezes carecemos de abordagens contextuais aos grupos humanos que acompanhamos;
  • = o ministério colaborativo, ao longo de caminhos de comunhão. Somos ainda sujeitos de práticas e modos de operar individualistas e fragmentados;
  • = o repensar as nossas estruturas, à procura de maior simplicidade, partilha e capacidade de acolhimento, para ser mais próximos às gentes, mais humanos e mais felizes;
  • = a reorganização das circunscrições. O discurso sobre a unificação não tem meramente uma justificação na insuficiência do pessoal, mas sobretudo tem um valor em relação à passagem de um modelo geográfico a um ministerial, que necessita de coligação, trabalho em rede, partilha de recursos e percursos;
  • = a reorganização da formação, para desenvolver as competências necessárias nas várias pastorais específicas.

Em síntese, como atestam os Documentos Capitulares, «cresce a consciência de um novo paradigma de missão que nos impele a reflectir e a reorganizar as actividades sobre linhas ministeriais» (DC 2015, n. 12). Retomando o convite do Papa Francisco (EG 33), o Capítulo indicou o caminho de uma conversão pastoral, abandonando o critério do «sempre se fez assim» e iniciando percursos de acção-reflexão para repensar os objectivos, as estruturas, o estilo e os métodos de evangelização (DC 2015, n. 44.2-3). (Ir. Alberto Parise).

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