Leigos Missionários Combonianos

[República Centro-Africana] Quando a guerra chegou a Mongoumba

“Vale a pena “sofrer” pela missão!”

Caríssimos  LMCs, amigos, familiares, conhecidos…

A todos PAZ e BEM!

Aqui estou mais uma vez para vos falar um pouco sobre a situação do país e de como tentamos dar continuidade às nossas actividades apesar do clima de instabilidade em que vivemos. Hoje falo em nome pessoal, sem a Tere pois não tivemos tempo de escrever em conjunto.

 Quando escrevemos em Janeiro, a Teresa e eu, falávamos dos nossos medos e angustias. Hoje, o tema não mudou só que, de espectadores longínquos. Passamos a espectadores mais próximos das cenas de violência e mesmo “vítimas de ameaças”.

 Os protagonistas mudaram, os “rebeldes” Seleka deram lugar aos “libertadores” Anti-balaka e a grupos de jovens que se autos denominam de auto defesa, estão presentes em todas as aldeias tendo como principal objectivo destruir tudo o que é muçulmano.

 Quando a Seleka chegou a Mongoumba nada de grave aconteceu à população, em grande parte devido à intervenção do presidente da camara (muçulmano). Com a progressiva tomada de posição dos Anti-balaka ou Siriri, os muçulmanos começaram a temer pela sua segurança. Quando as ameaças subiram de tom as mulheres e as crianças partiram para o país vizinho, tendo ficado apenas os homens que resistiram algum tempo apesar das ameaças tentando preservar alguns bens. Como não se sentiam em segurança nas suas casas, pediram asilo e dormiram algumas noites na missão, em casa dos missionários, mas também eles partiram tendo deixado à guarda dos padres duas motas e alguns artigos pessoais.

Enquanto, que na capital os maiores problemas e confrontos foram ente a Seleka e os Anti-balaka, em Mongoumba e noutras aldeias próximas foram e continuam a ser, grupos de jovens locais, incontroláveis, que em nome dos Anti-balaka começaram a criar a confusão, destruindo, roubando e queimando tudo o que é muçulmano e ameaçando quem de algum modo ajudou ou protege os poucos bens por eles deixados. São jovens adultos, pequenos bandidos que sob o efeito de drogas e álcool se deixam manipular por pessoas mais velhas que de algum modo tentam aproveitar a situação de caos para atingir objectivos pessoais. Têm todo o tipo de armas artesanais desde lanças, espadas, “machetes” a armas de caça. Formam um grupo bizarro vestido de forma bizarra, uns fardados como verdadeiros militares, outros parecendo saídos de um cortejo carnavalesco e todos, usam e abusam de amuletos não faltando ao conjunto crucifixos e terços, pois quase todos se dizem cristãos!

 O que mais nos tocou nesta onda de violência que assolou o nosso pequeno paraíso foi a indiferença e o silêncio quer das autoridades quer da população em geral. No Domingo a seguir às primeiras pilhagens foi feito um apelo em todas as igrejas, para um momento de oração junto da mesquita com o objectivo de alertar e sensibilizar para evitar a profanação e destruição do templo, mas a participação ficou reduzida a uma vintena de pessoas. Um apelo que caiu no vazio. Algumas horas mais tarde os martelos começaram a sua acção destruidora, que ninguém tentou evitar. Um espaço que poderia vir a ser aproveitado para outros fins é hoje um montão de destroços.

Da indiferença e silêncio grande parte da população passou a aplaudir as acções das milícias como se de heróis se tratassem. Facto que se verificou quando o grupo de “auto defesa” foi intimar o vice presidente da camara a entregar um fugitivo, não muçulmano, vindo de outra localidade, onde era procurado sob a acusação de ter denunciado cristãos às forças da Seleka. E o mesmo, mas de forma mais discreta quando foram exigir as motas dos muçulmanos escondidas na casa dos padres, onde entraram armados, de forma agressiva e arrogante. As motas, assim como o resto das coisas dos muçulmanos foram entregues na presença do comissário da polícia, (que não tem poder, mas sempre é uma autoridade) com documento de entrega assinado pelos receptores. Apesar da tensão o padre Jesus conseguiu gerir as coisas de modo que o grupo não aproveitou nada dos bens que no dia seguinte foram entregues aos Anti- balaka sediados a 20km de Mongoumba.

Não compreendemos esta onda de ódio e violência contra pessoas com quem cresceram e viveram em harmonia numa localidade onde até ao momento nada de mal tinha acontecido, de onde os muçulmanos partiram de forma discreta… não compreendemos este ódio. É verdade que os relatos do que se passou e continua a passar noutras zonas do país influencia de forma negativa toda a gente. Ninguém diz uma palavra a favor dos chadianos sejam da Seleka, da MISCA ou simples civis. Toda a gente fala contra o Chade esquecendo que nem todos os muçulmanos do país são chadianos.

A nossa situação é precária, não somos bem vistos, mesmo tentando agir com a máxima discrição temos tomado algumas medidas impopulares como a suspensão, durante uma semana, de todas as actividades da paróquia (com excepção da missa). Não nos acusaram abertamente de ter protegido os muçulmanos, mas correram rumores que o padre Jesus era visto como pró- chadiano por ter estado vários anos em Missões no Chade. Ficamos na expectativa de possíveis ameaças, mas até ao presente nada aconteceu.

Faz algum tempo o silêncio da noite em Mongoumba devia-se ao facto das pessoas saírem para se refugiarem na floresta, hoje também há silêncio, não porque as pessoas partem, mas porque ao cair da noite se recolhem a casa para evitar confrontos numa terra onde não há autoridade e é rara a noite que não se ouvem tiros.

Comparando com o que se tem passado no resto do país e mesmo noutras vilas e aldeias da região a nossa situação continua a ser privilegiada “Deus continua a proteger Mongoumba”! Mbata, localidade a 40km da nossa, cuja paróquia foi assegurada até Dezembro pelos Missionários Combonianos de Mongoumba, foi parcialmente destruída tendo havido alguns mortos, muçulmanos e não muçulmanos. Hoje, ainda há muitas pessoas a viver na floresta porque não conseguem, por falta de meios, reparar as casas que foram totalmente queimadas.

As situações mais tensas na nossa diocese têm tido lugar nas paróquias de Ngoto e Boda que já foram pilhadas várias vezes, inclusive as missões que da última vez ficaram sem os carros, motas e mesmo alguns móveis. Nessas localidades há conflitos frequentes entre muçulmanos e não muçulmanos sendo o nosso Bispo, D. Rino, o principal mediador entre as duas partes.

As forças francesas e africanas têm tentado em conjunto desarmar e neutralizar os rebeldes da Seleka, que deixaram a capital mas continuam activos noutras zonas do país. Por outro lado com a tomada de posição dos “libertadores” Anti-balaka começou a perseguição aos muçulmanos tendo havido verdadeiros massacres. As milícias anti-balaka, que se dizem cristãos, são incitados e manipulados por homens com sede do poder. D. Nzapalainga, arcebispo de Bangui, que desde o início dos conflitos é acompanhado pelo Imã e por um Pastor representante das igrejas protestantes num esforço comum pelo restabelecimento da paz, disse há dias que, em conjunto, pedem que todos os que utilizam e manipulam os jovens sejam responsabilizados a nível nacional e internacional.

No meio de toda esta confusão surgem pequenos sinais de esperança, o Bispo de Bangassou, D. Aguirre, diz que na sua diocese as milícias de autodefesa foram neutralizadas logo no início pelas comissões de mediação inter-religiosa e que em algumas paróquias iniciou cursos de formação que são frequentados por jovens católicos, protestantes e muçulmanos.

Apesar da instabilidade e tensão em que vivemos temos continuado a trabalhar em todos os projectos de forma normal tentando ser resposta a esta missão a que fomos enviadas. Por vezes é difícil, há momentos de desânimo, mas quem diz que a missão é fácil?  

Muitos produtos começam a faltar (sal, açúcar, medicamentos…), os funcionários não recebem os salários e o dinheiro em circulação começa a diminuir, mas… há sempre um mas… as ONGs chegam em força e com as ONGs chegam: dinheiro, medicamentos, alimentos, roupas água potável… e também um emprego bem remunerado mesmo que seja temporário.

Para finalizar apenas tenho a dizer que vale a pena “sofrer” pela missão!É sempre bom sabermos que alguém pensa em nós, que não estamos sós!

Continuamos a contar com as vossas orações.

Unidos pela PAZ, um abraço.

por: Élia Gomes

1 comentário em “[República Centro-Africana] Quando a guerra chegou a Mongoumba”

  1. Hola Elia, muchas gracias por tu mensaje desde Mongumaba. En este tiempo de guerra estamos unidos en oracion con vosostros en Africa Central, especialmente en Momgumba. Dios os bendiga y os protege en esta situacion muy dificil. Roguemos por la paz y el coraje por la non-violenza.
    Que os vaya bien, P. Gunther Hofmann

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