Correm os últimos dias da minha passagem por Londres, onde cheguei sensivelmente há mês e meio. Revejo-me neste preciso momento, enquanto escrevo, numa cena quase digna de filme: estou sentada numa estação do metro à espera daquele que me levará a casa, «a olhar para ontem» ou para «tudo» e para «nada». Vou antecipando mentalmente a viagem para a Polónia, cada vez mais próxima, mas, em simultâneo, não consigo evitar lembrar-me dos dias «por cá».
Nisto tudo, quase sem me dar conta, a expressão de aviso gravada no chão, «mind the gap[1]», chama-me à atenção. Guardar espaço…Quanto espaço é suficiente para que estejamos seguros? A partir de quando e até quando guardamos este espaço? À espera de quê? Do «momento certo»? Para ir onde?
Repetidamente o Papa Francisco lembra-nos que somos convidados a sair da nossa comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias. Devemos sentir-nos impelidos a querer ir mais longe, mais perto, mais alto, mais fundo. A peregrinar mais.
Estas semanas foram e continuam a ser essenciais neste tempo de preparação para a Missão. Para além da oportunidade de estar em lugares em que nunca estivera, de conhecer pessoas novas, do treino e aprendizagem da língua, etc. … tenho aprendido muito sobre a vida em comunidade e o espaço. Tenho aprendido que este tempo, este em que vivemos, qualquer que ele seja, é o tempo da aprendizagem. Somos aprendizes e herdeiros de um amor como o de Cristo. Ainda que por vezes possa parecer difícil, ainda que hajam momentos em que a admiração converge para a impaciência, tenho maturado a ideia que amar a Deus significa aceitar com paciência e atenção os encontros com os outros como mensagens cheias de sentido, ainda que me sinta incapaz de as compreender logo e devidamente.
Recordo que no primeiro dia de aulas, num dos panfletos que me foram dados pouco depois da inscrição, estava escrito num deles, com grande destaque «o presente é agora e o futuro começa agora mesmo». De facto, se não nos demitirmos estamos sempre a começar. Cada dia que o Senhor nos dá é uma bênção e um sinal de fé em nós. Nesta comunidade tenho aprendido sobre a importância de construir uma vida que não seja uma vida fechada e intransigente, a não me ficar pela linha do seguro e do cómodo, ainda que a espera e a paciência façam parte.
Confio que a minha viagem não começou aqui, nem vai acabar tão pouco aqui. Nas verdadeiras viagens, na grande viagem, não creio que as perguntas sobre o que fazemos interessem muito. Viemos, estamos e vamos. E então faz sentido a viva e concreta expressão das palavras dos Livros Santos: não temos no mundo uma morada estável. O cenário do mundo é passageiro, tudo tem uma dimensão provisória.
Heidegger comparou a viagem da vida a uma pessoa que caminha numa grande floresta, onde é escuro, onde chove, onde há tempestades e nos podemos perder do caminho. Surge um relâmpago e o caminho torna-se claro por um instante. Depois escurece novamente e tudo o que a pessoa pode fazer é continuar na direção que conseguiu ver, iluminada pelo relâmpago. É também este o nosso desafio: continuar a caminhar, confiar que Deus é fiel, lembrar a forma como a luz dos momentos-chave em que Deus se manifesta nas nossas vidas.
Marisa Santos. LMC Portugal
[1] [advertência para os passageiros guardarem espaço de segurança entre o metro e a plataforma, permanecendo atrás da linha].