Leigos Missionários Combonianos

O Projecto APAC e as promessas de reinserção dos presos

Valdeci

Aqui está uma entrevista muito interessante com Valdeci Ferreira, um LMC brasileiro que trabalha há 39 anos para recuperar pessoas que falharam nas suas vidas e que foram presas.

Ele explica o método APAC onde os próprios recuperandos (prisioneiros) detêm as chaves da prisão, se ajudam mutuamente e onde a pessoa é recuperada para a sociedade. “Ninguém é irrecuperável” é um dos lemas das APACs e tornam possível este sonho de dar uma nova possibilidade àqueles que uma vez cometeram um erro.

PS. Está em português, onde as legendas podem ser adicionadas.

Sonhar a missão

LMC Portugal

Em setembro de 2021, chegamos a Camarate, mais propriamente ao bairro de Fetais, cheios de expetativas quanto ao trabalho que iriamos desenvolver junto da comunidade local. Sabíamos que havia muito que fazer, mas não conhecíamos as necessidades. Nem tudo correu como esperávamos, mas sim como Deus quis e, apesar das dificuldades encontradas, “sentimos” que devemos continuar nesta missão.

Com a saída do Pedro Nascimento novos desafios se colocam pois, apenas ficamos as duas, Maria Augusta e Élia, e continuamos a sonhar que é possível fazer de Fetais terreno de missão onde a presença LMC seja uma realidade e não apenas um lugar de passagem. Pedimos ao Senhor da messe que oriente os nossos passos para que, com humildade e sabedoria sejamos mensageiras do Evangelho junto destas gentes vindas, de lugares tao distantes e diferentes, em busca de um mundo melhor que têm dificuldade em encontrar.

Sonhar mais missão na paróquia de Camarate passa pelo que tem sido a nossa experiência ao longo deste tempo, pelo que temos recebido sem nada dar, que nos incentiva a prosseguir este caminho por vezes nada fácil. Queremos estar mais nesta missão porque:

… aquece-nos o coração o abraço apertado de uma criança; o bom dia sorridente de um idoso, o ouvir o nosso nome gritado desde o recreio de uma escola; uma mãe que diz à filha de três anos para dar um beijo à “tia” (que conheceu no autocarro) …

… aquecem-nos o coração os vizinhos da “ladeira” que já nos chamam para dois dedos de conversa; as romãs oferecidas com sabor a amizade; o gato da casa ao lado que se deixa afagar e o dono do gato que já diz boa noite quando nos cruzamos na rua …

… aquecem-nos o coração as pessoas que perguntam pelo Pedro e falam dele com reconhecimento e carinho pelos momentos que lhes dedicou…

… e, também nos aquece o coração as pequenas/grandes vitórias conseguidas junto das crianças que frequentam o Jovem Despertar onde já passamos “dias frios”, mas onde há calor e alegria e, porque o “melhor do mundo são as crianças” tudo o que fazemos por elas e com elas será sempre pouco.

Se Deus nos chama a fazer a diferença, a ser presença junto de diferentes comunidades, com simplicidade apenas podemos dizer: “Senhor estamos aqui para Te servir, ilumina o nosso caminho”.

Na certeza que não estamos sós nesta missão.

Abraço em Cristo

Maria Augusta e Élia- LMC em Camarate

Sobre a missão entre os Gumuz

Gumuz situation
Gumuz situation

Quando, em Novembro de 2020, regressei de Portugal, nunca pensei viver os momentos que tenho experienciado nestes últimos meses.

Vivo em Guilguel Beles, na Região de Benishangul-Gumuz, Etiópia e, na missão, trabalhamos essencialmente com o povo Gumuz (nós, Leigos Missionários Combonianos, vivemos com os Missionários Combonianos, na mesma missão). Não fechamos as portas a ninguém, mas este é um dos povos mais esquecido e abandonado da Etiópia e do mundo.

Várias pessoas de outras etnias, tais como Amara, Agaw, Chinacha, também aqui vivem. O solo é fértil e isso leva a que seja uma zona apetecível. E, por isso, muitas vezes, os Gumuz perderam terrenos que lhes pertenciam.

Mas, mesmo assim, as pessoas viviam em paz, sem grandes problemas. Em 2019, já eu estava na Etiópia, uma aldeia Gumuz foi atacada, pessoas mortas, casas queimadas. A nossa missão foi pioneira em prestar auxílio aos deslocados.

Quando regresso, em Novembro de 2020, rebeldes Gumuz começaram a atacar não Gumuz. Com grande dor soube da morte de muitos inocentes. A vida humana é preciosa.

Porém, assisti também à persecução de Gumuz. Pessoas fugiram para a floresta, casas queimadas, dezenas de jovens presos sem qualquer justificação.

Recordo-me de ir com o David, LMC, meu colega de missão, até Debre Markos, na região Amara, com dois Gumuz, pois tinham receio de ser mortos. Várias vezes fomos prestar auxílio a detidos na estação policial.

Entretanto, o Governo começou a negociar com os rebeldes Gumuz e, durante quase dois meses conseguimos abrir escolas, clínica, biblioteca.

Porém, as negociações falharam e os rebeldes Gumuz mataram mais pessoas. Nem sempre é fácil concluir negociações quando as propostas exigidas são impossíveis de concretizar.

Como resposta, rebeldes Amara e Agaw, atacaram aldeias, mataram pessoas, queimaram casas. Os jovens com quem convivia, as mulheres do grupo que seguia, as crianças da escola e jardim-de-infância tiveram que fugir para a floresta: sem comida, sem roupa, sem nada. Pessoas que eu conhecia foram mortas: inocentes!

Na nossa missão muitas têm sido as pessoas que aqui vêm para pedir comida, dinheiro para comprar comida, assistência médica …

No início preparámos comida para todos os necessitados que vinham ao nosso encontro [“dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16)]; depois com a ajuda da Diocese oferecemos massa e, diariamente, todas as manhãs oferecemos uma refeição a mais de 200 crianças. Aos Domingos oferecemos uma refeição, depois da missa.

O David todos os dias se responsabiliza pela gestão das refeições e a Irmã Nives (irmã comboniana) diariamente presta cuidados médicos a dezenas de pessoas.

Eu alterno entre ajudar no trabalho com as crianças e ir a Mandura, à missão das Irmãs Combonianas (que tiveram que deixar a missão, devido a esta situação de guerrilha, vivendo por agora na nossa missão. Mas durante o dia procuram estar na missão onde estavam, Mandura, para acolherem as pessoas que aparecerem) onde ajudo com as tarefas doméstica, tais como buscar água para os animais, para a casa (pois as irmãs estão sem água em casa), entre outros e recebemos (eu e as irmãs Combonianas Vicenta e Cristiane) as pessoas que aparecem para cumprimentar ou pedir ajuda. Muitas delas arriscam vir à missão, depois de 3/4 horas a caminhar, para buscar cereais que guardaram na casa das Irmãs ou pedir ajuda.

Tem sido muito duro escutar tanto sofrimento: pessoas que estão a sofrer, subnutrição, crianças gravemente doentes, pessoas que perderam familiares, que perderam os seus cereais. Quantas vezes me é difícil adormecer a pensar nesta realidade.

Gumuz situation

A missão são rostos e tenho presente tantos rostos sofridos. Quando na Igreja rezo e olho para a cruz de Jesus vejo imensos rostos, contemplo esta realidade sofredora e percebo que Jesus está naquela cruz por nós e que continua a sofrer diariamente por nós. Mas, ao mesmo tempo, sinto estas palavras na minha mente: não tenhais medo! Eu estou convosco!

Não é fácil viver estes momentos de sofrimento, mas a vivência da fé em Jesus, que passou a vida fazendo o bem, que sofreu, foi morto mas ressuscitou ajuda-nos a ser testemunhas do Amor de Deus entre as pessoas.

Obrigado a todos e todas que têm contribuído a vários níveis, de oração, amizade, carinho e ajuda para a missão. Sem a vossa partilha não teríamos hipótese de prestar auxílio. Muito obrigado de coração!

As tribulações não faltam, mas estai certos de que a vossa oração nos sustenta. A missão é de Deus e é nEle que devemos colocar a nossa confiança.

Abraço fraterno,

Pedro Nascimento, LMC en Etiópia

Maiata organiza exposição sobre missão de voluntariado em África

Cristina Sousa

Aos 51 anos, a maiata Cristina Sousa tem já uma experiência enriquecedora de dois anos de voluntariado na República Centro-Africana para mostrar através de fotografias.

Como Leiga Missionária Comboniana não quis deixar de registar fotos, como amadora, um povo que a aproximou do melhor que há no mundo. Agora, está a organizar com a Câmara da Maia uma exposição de que ouviremos falar em breve.

Cristina Sousa

Cristina Sousa é de Gueifáes, Maia, e em janeiro de 2018 partiu em missão de voluntariado para a República Centro-Africana, para a região de Mongoumba, onde esteve em contacto com o povo Pigmeu. Quando regressou a Portugal, dois anos depois, sentiu a necessidade de partilhar os registos audiovisuais que foi coletando ao longo da jornada para dar mais visibilidade ao quotidiano deste “povo maravilhoso”.

Cristina Sousa é Leiga Missionária Comboniana e, segundo ela, ser missionária é uma vocação, algo que nos acompanha no interior”. Cristina afirma que para se tornar missionária teve de integrar uma formação de três anos. “Somos preparados espiritualmente, aguardamos e depois somos enviados”, explica. Envio esse, que é feito pela equipa responsável pelos Leigos, mas para que Cristina “é algo interior, onde sentimos que é Deus que nos envia”.

A missionária já integra este caminho há cerca de 5 anos e segundo ela “não precisamos de ir para fora para sermos missionários”. A necessidade de ir ao encontro “do nosso irmão”, como explica Cristina, “é algo que nasce e que ferve dentro de nós” e se a necessidade não for alimentada “não andamos bem”.

Povo Pigmeu é “extraordinário”

A sua primeira e única missão até à data foi na República Centro-África, “mesmo no coração de África”, onde partilhou experiências com os Pigmeus. Segundo Cristina Sousa, o povo Pigmeu é “extraordinário e muito particular, são de uma humildade e de uma simplicidade que só la senti e vivi”. Por isso, considera que foi um “privilegio viver com este povo, ser acolhida, conquistada e conquista-los também”.

O povo Pigmeu mora em acampamentos “pouco populosos” e espalhados pela floresta, e o objetivo dos Leigos Missionários Combonianos é ajudar na integração em aldeias. “Quase nunca são bem acolhidos, porque vivem na floresta e são bastante discriminados”, explica Cristina. “Eles são explorados e não têm acesso à escola, nem ao hospital”. Assim, o papel dos Leigos é servir de “ponte nessa integração”.

Atualmente, devido ao trabalho feito por missionários como esta maiata, já existem muitas crianças a frequentar escolas e mais acesso à saúde, no entanto a discriminação continua a ser bastante visível entre os povos. Cristina afirma que uma das suas maiores preocupações é o facto de não existirem registos deste povo “como pessoas, é quase como se não existissem”.

Na tentativa de conceder alguma identidade a este povo, Cristina Sousa viu-se confrontada com a realidade do mesmo, porque “eles são nómadas, as suas casas não são protegidas da chuva, nem têm como guardar documentos nas suas roupas”. Deste modo, a existência de documentos de identificação pessoal é quase inviável.

Segundo a Leiga Missionária Comboniana “o processo de Inculturação requer muito cuidado”, pois “vamos com os nossos ideais e temos de perceber que eles têm os deles. O nosso carisma principal é Salvar África com África. Ou seja, ajudar na formação do africano para que ele caminhe por si próprio”. Deste modo, a função dos Leigos é “estar, testemunhar e transmitir a Boa Nova”. A partilha de conhecimentos ao povo africano é, segundo Cristina, “bastante difícil, porque depois vamos embora e eles podem até nem ter percebido muito bem o que foi transmitido”.

Cristina Sousa regressou da república Centro-Africana mesmo no limite do 1º confinamento.

Quando Cristina Sousa regressou para Portugal, em fevereiro de 2020, afirma que foi uma questão de sorte não ter sido “apanhada nos aeroportos” pois, duas semanas depois, o país entrou no primeiro confinamento. Para receber notícias de África, Cristina tenta estabelecer contacto com “compatriotas portugueses que se encontram na capital, padres e irmãos”.

A pandemia do Covid-19 é “incontrolável na República Centro-africana”. Segundo Cristina, por carência de recursos económicos e “falta de locais próprios, as pessoas não têm acesso a testes e por isso, nunca se sabe a real causa da morte”, No entanto, “devido à esperança média de vida rondar os 40 anos, o número de idosos é extremadamente reduzido e por isso acredito que lá a Covid-19 não seja tão agressiva e resistente”.

Relativamente às medidas de prevenção como a utilização de proteção facial que “às vezes enviam-me fotografias ou vídeos e vê-se as pessoas de máscara”. O que para ela “não faz muito sentido, pois na hora de dormir estão todos juntinhos”.

Para ela falar em covid nestes cenários é ainda mais difícil, até porque existem outras doenças mais graves há vários anos a matar, como a malária, a ébola e a lepra, por exemplo, em que morrem milhares de pessoas diariamente. “Há imenso tempo que isto acontece e ainda não existe uma vacina”, acrescenta.

As desigualdades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento “mantêm-se muito presentes” e Cristina Sousa explica que não compreende “a falta de manifestações sobre os direitos dos povos africanos”.

Cristina gostava de ver mais luta pelos direitos dos africanos.

“Vejo muitas manifestações dos direitos humanos e dos animais, mas e estas pessoas? É importante irmos para a rua manifestar a desigualdade”.

Contudo, Cristina reflete que nem tudo é mau. “Se calhar também estragamos um pouco o equilíbrio destes povos, porque fomos para lá mostrar uma realidade diferente da que eles conhecem. Eles vivem da natureza e não podemos tirar-lhes a natureza”. Segundo ela “existe aqui um paradoxo que exige reflexão”.

A Leiga Missionária Comboniana refere também que viu “crianças morrer com picadas de serpentes e outras coisas simples”. Coisas que “se se passassem no ocidente, não culminavam em mortes. É difícil gerir as emoções, porque pensamos sempre que se essas pessoas tivessem nascido noutro lugar, não era assim”.

Ao longo da sua missão, Cristina Sousa foi capturando com uma máquina fotográfica os tempos que passou com o povo Pigmeu. De forma amadora, esta maiata foi registando o quotidiano deste povo sui generis com o propósito de “divulgar a mensagem que a imagem transmite, isto é, dar a conhecer este povo maravilhoso. O nosso dever como missionários é trazer a realidade deles para cá e de alguma forma sensibilizar um pouco as pessoas para outras realidades”.

Cristina Sousa está atualmente em negociações com a Câmara Municipal da Maia para que os seus registos fotográficos possam ser expostos e partilhados com a comunidade de onde é natural. Ainda com local e data por definir, Cristina Sousa espera poder partilhar o quotidiano dos Pigmeus com os seus conterrâneos.

A missionária defende que “a partilha do que nós temos e do que os outros nos podem dar é o que nos desenvolve com pessoas. A troca de experiências de diferentes realidades é, no fundo, o que nos enriquece e faz crescer”.

Cristina Sousa
Cristina Sousa